Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 22, 2006

Celso Ming - Estrela cadente

O Estado de S. Paulo
22/6/2006

Seja qual for o desfecho do caso Varig, é questionável a atuação do
juiz Luiz Roberto Ayoub, da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro,
que conduz o processo de recuperação judicial.

Seu papel é confuso: não sabe se tem de salvar a Varig, se operar
como intermediário de negócios, se cumprir a lei, se defender o
interesse público ou se beneficiar uma das partes.

Num primeiro momento, parece ter enxergado no caso boa oportunidade
para a carreira. Agora que tudo vai mal age como quem não quer bater
o último prego no caixão do defunto.

Ao determinar que a BR Distribuidora continuasse a fornecer
querosene, mesmo diante do calote que pode chegar a R$ 160 milhões,
Ayoub tomou partido contra os direitos de um credor.

No leilão realizado dia 9, no hangar da Varig no Aeroporto Santos
Dumont, deu pelo menos três passos além do que podia. Na abertura,
portou-se como político em busca de aplausos e não como magistrado
encarregado do cumprimento da lei. Anunciou que a Varig pode contar
com um "anjo da guarda", fez referências à "belíssima companhia
aérea" e puxou ovações à platéia ao arrematar: "Estou otimista, como
bom botafoguense, neste dia belíssimo, em que em breve passará uma
estrela."

Para o mesmo leilão, despachou que as dívidas trabalhistas,
previdenciárias e tributárias não seriam herdadas pelo arrematador,
decisão que os tribunais podem reverter. A dívida com os cofres
públicos e com o INSS ultrapassa os R$ 2,5 bilhões, não computados aí
multas e juros de mora. Só o passivo trabalhista, em ações já
ajuizadas, é de R$ 700 milhões, como atestaram documentos mostrados
no data room da empresa.

O segundo passo em falso foi empacotar entre os "ativos" a serem
leiloados hotrans (rotas aéreas) e slots (locais em aeroportos) -
concessões públicas que, em última análise, pertencem ao poder
concessionário e não à massa falida ou quase falida.

O edital do leilão já previa falta de interessados na primeira
rodada, com preço mínimo de US$ 860 milhões. Tanto assim que definia
uma segunda rodada, logo em seguida, pelo lance que aparecesse. Quem
se habilitaria a arrematar a Varig na primeira rodada se podia levá-
la em seguida, na bacia das almas?

Alguns segundos antes do esgotamento do prazo, apareceu a proposta
apresentada por um segmento dos funcionários da Varig que alega ter
investidores (que nunca apresentou) em condições de honrar os
depósitos exigidos pelo edital. A proposta implica transferência do
controle da Varig, hoje em poder da Fundação Ruben Berta, constituída
de funcionários da Varig (e responsável pela bancarrota da empresa),
para a Nova Varig (NV), controlada pelo Trabalhadores do Grupo Varig
(TGV), que não passa de sigla, sem identidade jurídica.

Em vez de rejeitar a oferta, por notória falta de credibilidade de
quem a fez, Ayoub preferiu acatá-la, condicionando-a ao depósito à
vista de US$ 75 milhões.

Já deu a entender que, em caso de não-cumprimento da condição, poderá
optar por decretar a falência continuada. Se der esse passo, irá
encorajar qualquer concessionário público a dilapidar patrimônio
para, em seguida, habilitar-se a manter a concessão. Se optar por
novo leilão, Ayoub se comportará como o leiloeiro que, ao bater o
martelo, não sabe quando terminar: dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe
três, dou-lhe quatro, cinco...

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