Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 24, 2006

VEJA Entrevista: Osmar Serraglio

Entrevista: Osmar Serraglio
Não vai acabar em pizza

O relator da CPI garante que os responsáveis por corrupção serão indiciados e diz que o presidente da República foi negligente


Alexandre Oltramari

 

Ana Araujo

"A CPI vai pedir o indiciamento de Duda Mendonça por todos os crimes que sabemos que ele cometeu e por todos os outros que viermos a descobrir"

O deputado Osmar Serraglio, do PMDB do Paraná, não foi escolhido por acaso para relatar a CPI dos Correios. Até junho do ano passado, quando as investigações começaram, Serraglio era o perfil ideal para conduzir um trabalho que, aparentemente, tinha o objetivo de não apurar nada. Além de ser muito próximo ao ex-ministro José Dirceu, o deputado era do PMDB, partido aliado do governo, e ainda foi indicado pelo correligionário José Borba, então homem de confiança do Palácio do Planalto. As investigações conduzidas por Serraglio, no entanto, já levaram à cassação do mandato do deputado José Dirceu e à renúncia do deputado José Borba, o seu padrinho. Aos 57 anos, casado e pai de uma filha, Serraglio promete mais. Ele diz que o presidente Lula tem uma enorme parcela de culpa pelo esquema de corrupção desvendado e que vai citá-lo no relatório final. Também afirma que o publicitário Duda Mendonça era peça central no esquema de corrupção petista e que a CPI o convocará para depor. O deputado descarta qualquer possibilidade de as investigações terminarem em um grande acordo para não punir ninguém, conforme desejam várias lideranças do Congresso, inclusive algumas de seu próprio partido.

Veja – Há uma desconfiança geral de que a CPI pode terminar num grande acordo para não punir ninguém. Essa possibilidade existe?
Serraglio – Eu acho impossível ocorrer um fiasco. Se a CPI terminasse hoje, ainda assim não poderia ser considerada um fracasso. Você acha que José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil) teria caído se não houvesse uma CPI com credibilidade? Gushiken (ex-ministro da Secretaria de Comunicação), todos os diretores de estatais, todos os contratos que foram rescindidos... Há uma revolução administrativa no governo. Por isso tudo a CPI já valeu.

Veja – Mas o senhor mesmo vive advertindo sobre a possibilidade de um acordão para salvar os deputados ameaçados de cassação.
Serraglio – Sim, porque há um exército em atuação para evitar as punições que ainda não se verificaram. Se todos esses partidos envolvidos no mensalão se reunirem, poderão não permitir a cassação de ninguém. Devemos ficar alertas para tal possibilidade. O meu partido, o PMDB, também tem parcela de culpa, assim como o PTB, o PL, o PP, o PT, o PFL. Essas forças juntas podem evitar qualquer cassação e precisam ser combatidas pela opinião pública.

Veja – O que as últimas revelações sobre novas contas secretas do publicitário Duda Mendonça acrescentaram às investigações da CPI?
Serraglio – Duda Mendonça era o grande coordenador da publicidade no governo petista. Foi ele que elegeu o presidente da República. Como Duda costumava negociar contratos futuros caso o candidato vencesse as eleições, é de supor que ele tenha feito isso também no governo de Lula. Marcos Valério, que sempre foi apontado como o grande responsável pela operação do caixa dois do PT, agora parece apenas um apêndice do esquema que tinha Duda Mendonça como personagem central.

Veja – Diante dessa constatação, o que a CPI pretende fazer a respeito?
Serraglio – Vamos convocá-lo para depor novamente. Aliás, no que se refere ao senhor Duda Mendonça, tudo é sempre muito difícil. Até hoje a CPI não conseguiu nem ter acesso aos dados da conta que o próprio Duda confessou possuir no exterior. Criou-se uma situação paradoxal. O pedido de acesso à documentação dele, feito pelo governo federal, não incluiu a CPI. E, pelos acordos de cooperação, todos os usuários das informações requisitadas têm de ser apontados no requerimento. A CPI ficou de fora.

Veja – Não estaria incorreta então a conclusão de que, ao menos nesse caso, a investigação terminará em pizza...
Serraglio – Nós vamos começar a aumentar o tom, a bater mais forte em relação a Duda. Vamos criar uma situação constrangedora. Temos todos esses dados da conta Düsseldorf no Brasil e não podemos acessá-los. É um absurdo! Há na CPI requerimentos para convocar o ministro Márcio Thomaz Bastos e a doutora Wanine Lima (coordenadora do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional), que não parecem muito dispostos a colaborar. Há uma concepção se formando na CPI de que, se não tivermos acesso a esses dados, será necessário criar uma situação política constrangedora para o ministro da Justiça, para que ele tome uma posição muito mais firme na defesa das prerrogativas da comissão.

Veja – Já existem provas suficientes para processar Duda Mendonça por falso testemunho, sonegação fiscal, peculato, evasão de divisas e lavagem de dinheiro... Não seria o caso de levar quanto antes o caso do publicitário para a esfera criminal?
Serraglio – A CPI vai pedir o indiciamento de Duda por todos esses crimes e por todos os outros que viermos a descobrir. Vamos investigar se esse dinheiro todo que ele movimentou tem alguma ligação com o financiamento de campanhas políticas do PT.

Veja – Duda Mendonça era freqüentador assíduo do Palácio do Planalto. Dá para acreditar que o presidente também não sabia de nada a respeito das maracutaias do publicitário?
Serraglio – Que o presidente Lula tinha ciência, ele tinha. Só não posso dizer quanto ele sabia. O suposto empréstimo ao PT, por exemplo, está hoje em 100 milhões de reais. À Coteminas, empresa do vice José Alencar, o PT deve 11 milhões de reais. Duda Mendonça disse que fez as campanhas do partido do presidente por 25 milhões de reais mas recebeu apenas 10,5 milhões. Duda, portanto, ainda tem 14,5 milhões para receber. O PT ia construir uma sede em São Paulo com 15 milhões de reais. É difícil acreditar que Lula não viu um caixa paralelo de mais de 140 milhões de reais.

Veja – O presidente Lula disse na televisão que não acredita na existência do mensalão.
Serraglio – O presidente está errado ao dizer que não existem provas do mensalão. É um absurdo. Eu sou advogado. O tesoureiro do PT confessa ter distribuído dinheiro a deputados, líderes e presidentes de partidos da base aliada. Há extratos bancários demonstrando isso. Há a confissão e a renúncia de líderes e presidentes de partidos. Há coincidências de repasse de dinheiro com a mudança de parlamentares de partido e com votações de interesse do governo. Só o PL, que deu o vice a Lula, recebeu 24 transferências em menos de seis meses de 2003. São pagamentos semanais, contínuos, em valores muito semelhantes. Como é que não existem provas do mensalão?

Veja – O presidente Lula será citado em seu relatório final?
Serraglio – Em direito, há a responsabilidade objetiva e a subjetiva. Está claro que o presidente falhou no que se refere a esta última. Quando se trata de crime de responsabilidade, que é o que embasa o julgamento político, não é preciso provas documentais claras. É preciso saber se há culpa. E o presidente Lula aproxima-se da culpa.

Veja – Aproxima-se?
Serraglio – Há três tipos de culpa: por imprudência, por imperícia e por negligência. No caso de Lula, não se trata de imprudência nem de imperícia. O presidente não conseguiu reconhecer indícios de corrupção no partido dele, na campanha dele e no governo dele. Não conseguiu perceber como seu partido foi eleito como uma minoria e formou uma maioria. Ele foi negligente no governo. Escolheu José Dirceu como seu braço-direito. Ele tinha de ter sido mais vigilante, tinha de ter se dado conta das coisas que estavam acontecendo. É responsabilidade dele.

Veja – E essa negligência do presidente Lula será incluída em seu relatório final?
Serraglio – Com certeza. A sociedade quer saber se, afinal, o presidente tem ou não culpa nesse esquema de corrupção. Alguma culpa, é óbvio, ele tem. Na melhor das hipóteses, é culpado por negligência, por não ter percebido esse quadro todo. Isso estará no relatório.

Veja – Essa citação do presidente no relatório da CPI pode ter alguma conseqüência prática?
Serraglio – Tal conseqüência não é mais possível. Havia condições práticas para o impeachment, mas firmou-se a opinião de que era inadequado partir para o tudo ou nada às vésperas de uma eleição. Para que uma ruptura traumática se há mecanismos mais corretos e mais legítimos como uma eleição? Na hora em que se esboçava uma reação que poderia levar ao impeachment, a opção foi descartada.

Veja – A culpa por negligência seria suficiente para a abertura de um processo de impeachment?
Serraglio – Sem dúvida. O juízo político é uma decisão do Congresso. A autoridade competente para o julgamento político é o Parlamento. Nem o Supremo pode influir em um processo político. É uma decisão sobre uma responsabilidade subjetiva. Alguém pode ser cassado sem sequer saber o que aconteceu, apenas porque o que aconteceu estava sob seu comando. Ele pode ser cassado porque nomeou, porque é o comandante. No julgamento político não é necessária a comprovação da culpa, mas apenas o convencimento da culpa pelos pares que vão participar do julgamento. A Justiça só pode observar se o procedimento foi obedecido.

Veja – Os petistas andam discutindo a possibilidade de apresentar um relatório paralelo, repetindo o fiasco da CPI do Banestado, que chegou ao fim com dois relatórios, um do governo e um da oposição, e nenhuma conclusão. O senhor não teme que o fiasco se repita?
Serraglio – Se eu ainda não fiz o meu, como se pode ter um relatório paralelo? É algo que o PT já deveria ter apreendido. Eles só aprenderam a bater. Não aprenderam a construir. Isso mostra que os petistas ainda não compreenderam o momento histórico que estamos vivendo.

Veja – Pelo que se sabe hoje, quem é Marcos Valério?
Serraglio – É um cidadão muito esperto. Ele viu que poderia ser útil e se aproximou do PT para atuar de uma forma que ele já conhecia. Valério era especialista em procurar fornecedores de governos e recolher dinheiro para partidos. É um corrupto.

Veja – Existe alguma chance de Marcos Valério sair impune?
Serraglio – Não. Ele vai ser indiciado por corrupção, lavagem de dinheiro, fraude em licitação, sonegação fiscal, evasão de divisas. São inúmeros os seus crimes...

Veja – E quanto a Delúbio Soares?
Serraglio – Será indiciado por corrupção, falsidade ideológica, tráfico de influência...

Veja – José Dirceu?
Serraglio – Corrupção.

Veja – Corrupção?
Serraglio – Corrupção.

Veja – Mas Dirceu vive dizendo que não existem provas contra ele.
Serraglio – Prova não é só documento. Há muitos testemunhos contra ele. Nenhuma das negociações escusas com os partidos se concluiu sem a anuência de Dirceu. A grande maioria dos membros do Congresso Nacional sabe como as coisas aconteciam. Nós víamos isso aqui. Quando Roberto Jefferson denunciou o mensalão, ninguém ficou surpreso. Além disso, não podemos esquecer que a ex-mulher de Dirceu recebeu empréstimo e emprego de um banco, o BMG, que foi beneficiado pelo governo em contratos com aposentados.

Veja – Como a CPI vai provar que os empréstimos ao PT são fajutos?
Serraglio – Eles nunca foram contabilizados. Ou melhor, só foram contabilizados depois de descobertos, no fim do ano passado. Além disso, as garantias são insuficientes, em desacordo com as exigências praticadas no mercado, as renovações eram sistemáticas e, o que é fundamental, os empréstimos nunca foram cobrados. Ora, empréstimo que não é pago nem é cobrado não é empréstimo, é doação. Por fim, a CPI descobriu que o dinheiro começou a jorrar do valerioduto antes de os bancos credores começarem a liberar os recursos dos supostos empréstimos. É tudo montagem.

Veja – Quem pagou o mensalão?
Serraglio – Foi o PT, com esses empréstimos forjados, cuja origem ainda desconhecemos, e o dinheiro desviado do Banco do Brasil pela Visanet.

Veja – Há meia dúzia de bancos que não entregaram dados confiáveis à CPI. Como uma CPI pode ser exitosa se não tem força sequer para conseguir que meia dúzia de bancos entreguem documentos idôneos e confiáveis?
Serraglio – Todos esses bancos nos procuraram para afirmar que entregarão os documentos. Há uma deficiência técnica no sistema que eles prometem sanar. Não vamos concluir a CPI sem esses dados. Se necessário, vamos ao Banco Central apreender, fazer o que for necessário.

Veja – Depois dessa CPI, dessa crise de corrupção, alguma coisa vai mudar na política do Brasil? Ou caixa dois e compra de parlamentares continuarão existindo?
Serraglio – É triste, mas, em tese, tudo isso pode voltar a acontecer. Mas acho que não será mais nesse nível. Hoje, há muitos olhos vigiando o que os políticos fazem. Quem não perceber isso se dará mal

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