Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 01, 2006

CLÓVIS ROSSI Pesadelo de ano novo

FOLHA
SÃO PAULO
- Tive um pesadelo horrível a noite passada: sonhei que estava escalado para, daqui a exatamente um ano, cobrir a posse do novo presidente (ou do "velho" presidente, se Lula for reeleito).
Aliás, por falar em "velho", é impressionante como em meros três anos de gestão, Lula passou de novidade a obsoleto.
Seja Lula seja outro, cobrir posse passou a ser um martírio indizível. Já é um porre ter que viajar para Brasília ou na noite de virada do ano ou na manhã do feriado universal de 1º de janeiro. Se a viagem, ainda por cima, destina-se a participar de um teatro no qual você não acredita minimamente, então é castigo.
Aprendi a não acreditar com o passar do tempo. Posses presidenciais, aqui ou no exterior, fazem parte de meu cardápio profissional desde, salvo erro de memória, a do general Médici, em 1969. Primeiro, como editor, ao lado de valiosos companheiros. Tinha a vantagem de não precisar viajar a Brasília (e, além disso, a posse era em março, não em janeiro). Mas o teatro desfilava diante dos olhos o tempo todo.
Aí, invariavelmente, alguém definia alguma posse, mesmo a mais chinfrim, como "histórica". E toca a dar ao teatro que é cada ato desse tipo uma solenidade que a história, a verdadeira, demonstraria depois ser imerecida.
Houve, sim, momentos de fato históricos, mas, quando se viu pouca coisa desse mundo do poder, quase tudo realmente parece histórico. Quem viu todas as posses que queria e tantas que preferia não ter visto, aí quase nada é de fato histórico.
Chega-se a uma fase em que o ceticismo, instrumento essencial para a profissão, passa a ter uma relação carnal com o cinismo.
É difícil conversar ou até ver em ação os tipos políticos atuais, com raríssimas exceções, com o respeito mínimo necessário para não tratar do teatro com deboche.
Feliz, pois, 2006, que ainda não é ano de posse.

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