FSP
Peço desculpas , leitora, por voltar ao tema Palocci. Já tratei do assunto na semana passada e cheguei a lançar o apelo fervoroso: "Fica, Palocci, fica!".
Por enquanto, as minhas preces têm sido atendidas. Mas há dificuldades. A maior delas: os interesses do presidente da República, de um lado, e os do ministro da Fazenda, de outro, passaram a divergir como em nenhum momento desde o início do governo.
Lula quer se reeleger. As pesquisas de intenção de voto não são nada animadoras. O presidente parece caminhar lenta e inexoravelmente para o cadafalso da derrota eleitoral. A essa altura, a única forma de neutralizar, pelo menos em parte, o estrago provocado pelos escândalos de corrupção seria assegurar uma reação expressiva da economia em 2006.
Ainda dá tempo? Lula não entregou os pontos e gostaria provavelmente de convencer o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central a flexibilizar as políticas fiscal e monetária. Com crescimento econômico medíocre e taxas ainda elevadas de desemprego, as chances de reeleição serão pequenas. Se dependesse do presidente da República, o BC aceleraria a diminuição da taxa básica de juro ao longo dos próximos meses e a Fazenda se contentaria com um superávit primário bem menor do que os 5,2% do PIB registrados nos 12 meses até setembro último. Essa combinação poderia ser coerente com a estabilização da relação dívida pública líquida/PIB na faixa de 50% ou um pouco mais.
No entanto, o ministro da Fazenda tem outras prioridades. Com o flanco Ribeirão Preto escancarado, ele corre o risco de ficar tão desacreditado quanto os outros membros do ex-núcleo duro do governo. Sabe-se que Lula não segura ninguém. Em episódios recentes, particularmente no caso José Dirceu, vimos que lealdade não é, digamos, o seu ponto forte. Dirceu para Palocci, com uma ponta mal disfarçada de satisfação: "Eu sou você amanhã".
O ministro da Fazenda busca agora "uma saída pelo alto" -pelo menos como plano B. Caso não consiga continuar no governo, quer ser vítima do "efeito Dilma", e não do "efeito Ribeirão Preto". Em outras palavras, quer sair como o ministro que resistiu até o fim a propostas "eleitoreiras", de erosão dos fundamentos fiscais. Os jornais publicaram que ele continua insistindo em manter, na prática, o superávit primário bem acima da meta oficial, que é de 4,25% do PIB, ou até mesmo em arrancar do presidente um aumento formal da meta.
Segundo a imprensa, Lula teria oferecido uma solução salomônica: o superávit primário continuaria superando a meta atual, "pero no mucho". Ficaria acima dos 4,25% do PIB, mas abaixo dos 5% supostamente pretendidos pela Fazenda.
Será que isso resolve o conflito? Provavelmente, não. Uma pequena flexibilização da política econômica não mudaria o que interessa a Lula: as suas chances de obter um segundo mandato nas eleições de 2006. Por outro lado, uma flexibilização que fosse percebida como "exagerada" ou "eleitoreira" pelos mercados financeiros minaria as possibilidades de uma "saída pelo alto" para Palocci. Dependendo dos desdobramentos das investigações da República de Ribeirão Preto e suas ramificações petistas, Palocci talvez venha a precisar muito desse plano B.
Assim, Palocci pode estar mesmo com os dias contados.
Uma última observação: se for para substituí-lo por outro político petista de rabo preso com caixa dois e telhados de vidro variados, a crise prosseguirá exatamente da mesma forma. Todos os podres do substituto de Palocci serão trazidos à baila, e o tiroteio recomeçará com outro alvo.
Como substituir Palocci? Nelson Rodrigues escreveu uma peça de teatro: "Viúva, porém honesta". Procura-se agora um protagonista para outro espetáculo: "Petista, porém honesto".
Entrevista:O Estado inteligente
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