MINISTRO BÁSICO
Depois de seu bom desempenho na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, deu nova demonstração de habilidade diplomática, equilíbrio e paciência em seu depoimento à Comissão de Finanças da Câmara. O ministro precisará ainda comparecer à CPI dos Bingos, mas diante de sua eficaz oratória e das simpatias que desperta entre oposicionistas, são grandes as chances de que se saia bem.
Embora sua permanência no cargo não estivesse diretamente condicionada às sabatinas do Senado e da Câmara, o saldo foi bastante positivo e contribuiu para reforçar a posição de Palocci. Ontem, após dias de ambigüidades e "fritura" pública, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece ter se decidido a encerrar o "ataque especulativo" ao titular da Fazenda, que partiu da Casa Civil. Depois de conversas e negociações em torno da meta de superávit primário, Lula assegurou que o ministro fica.
Menos mal. Não que a política econômica do governo possa ser considerada brilhante. Palocci, na realidade, comporta-se como uma espécie de neófito que trocou o dogma marxista pelo mercadista -segue o livro e nada mais. É óbvio que há um "nó" a ser desfeito na equação juros, câmbio e metas de inflação e que a política monetária do Banco Central tem onerado o esforço fiscal e levado a equipe econômica a "enxugar gelo" na tentativa de reduzir a relação entre a dívida pública e o PIB.
Isso dito pela ministra Dilma Rousseff torna-se certamente menos palatável do que na voz do secretário do Tesouro, Joaquim Levy, cujas divergências com a atuação do BC são igualmente conhecidas. A diferença é que Levy já deu mostras de ser um aplicado e rígido defensor da responsabilidade fiscal, enquanto a ministra assusta os mercados ao vocalizar, de maneira inoportuna, o interesse de setores do PT e do governo de dispor de mais recursos para gastos públicos no ano eleitoral.
No atual cenário, o mais sensato é assegurar o básico -e o básico chama-se Antonio Palocci.
EMPRÉSTIMO OBSCURO
Dentre os abundantes episódios mal-explicados que freqüentam o noticiário da crise política, um dos mais enigmáticos é o do empréstimo de R$ 29,4 mil feito pelo PT ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A sucessão de versões desencontradas e as circunstâncias escusas que o envolvem atestam o comportamento errático de dirigentes do partido quando instados a fornecer respostas claras à sociedade.
A história tem contornos anedóticos. Quando, em julho deste ano, esta Folha divulgou reportagem acerca da operação, o Palácio do Planalto omitiu-se e transferiu a questão para o PT. Na seqüência, o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, apresentou-se como o responsável pela quitação. Tesoureiro da campanha de Lula em 1989, Okamotto afirmou ter retirado de sua conta pessoal os recursos para saldar o compromisso. O presidente, por sua vez, até hoje não reconhece a transação.
Na última terça-feira, em depoimento à CPI dos Bingos, Okamotto atribuiu ao ex-tesoureiro Delúbio Soares a responsabilidade pelo lançamento da dívida, assim como a orientação para que o débito fosse quitado em dinheiro. Mas não forneceu detalhes ou comprovantes das operações. Como a verba do empréstimo tem origem no fundo partidário -logo, em dinheiro público-, é preciso investigar a forma como os repasses foram empregados.
As evasivas alimentam a especulação de que recursos de caixa dois teriam sido utilizados para quitar a dívida. Até porque não é razoável crer que Okamotto tenha arcado sozinho com o prejuízo -e nem se dado ao trabalho de avisar o presidente Lula sobre o generoso gesto. O caso leva ao paroxismo a inabilidade do PT em articular seus movimentos e fornecer explicações aceitáveis sobre suas práticas. Não por acaso, sobre elas pairam as piores suspeitas.
ESTADO FORA DA LEI
Desafiando determinação do Tribunal de Justiça mineiro, o juiz Livingsthon José Machado, da Vara de Execuções Criminais de Contagem, voltou a libertar presos condenados que eram mantidos em delegacias da cidade.
É verdade que, se o exemplo de Machado fosse imitado por todos os titulares de varas de execuções penais do país, estaríamos criando um sério problema de segurança pública nacional, mas é inegável que a decisão do magistrado mineiro tem amparo na lei e na Constituição.
Ninguém ignora que as condições de encarceramento nas penitenciárias em geral e nos xadrezes em particular violam praticamente todos os direitos de presos afirmados pelo artigo 5º da Constituição e pela Lei de Execuções Penais (7.210/84).
Mais importante, porém, é que a polêmica atitude de Machado tem o mérito de provocar a discussão de um tema importantíssimo: freqüentemente, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário deixam de cumprir a lei, sem que nada aconteça.
O problema é flagrante no caso dos presos, mas não se limita a essa esfera. Chefes de Executivo, por exemplo, não pagam precatórios e fica tudo por isso mesmo. Magistrados desrespeitam os prazos de julgamento previstos em lei e quase ninguém protesta. Passados 17 anos da promulgação da Constituição, o Legislativo ainda deve a elaboração de várias leis requeridas pela Carta. É por conta dessa inércia que instrumentos como o mandado de injunção ainda não podem ser aplicados.
A própria tentativa do TJ de impedir Machado de expedir alvarás de soltura é um exemplo de abuso. Ela se afigura como um ato manifestamente inconstitucional, pois o tribunal não pode simplesmente impedir um juiz de julgar por não gostar das decisões que ele vem tomando.
É claro que soltar todos os presos do país porque não conseguimos oferecer-lhes condições minimamente humanas de encarceramento seria uma completa insensatez. Mas é igualmente absurdo mantê-los enjaulados ao arrepio da lei. É preciso pelo menos discutir as causas que levam o Estado a ser o maior descumpridor de leis do país. E as decisões de Machado forçam esse debate.
Entrevista:O Estado inteligente
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