Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Folha de S.Paulo - LUÍS NASSIF A Terra do São Nunca - 10/02/2005

Não assisti A "Em Busca da Terra do Nunca", que está passando nos cinemas de São Paulo desde sexta-feira passada. Dia desses, o filme foi apresentado como argumento contra os financiamentos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social). Especialmente o tic-tac do crocodilo, comparado à bomba-relógio que seriam os subsídios embutidos nos financiamentos do banco.
Mesmo sem entender as ilações, os argumentos brandidos são um belo laboratório dos truques de retórica que têm povoado a discussão econômica atual.
O primeiro estratagema retórico é o chamado "sofisma da solução ótima". Troca-se uma solução existente por uma solução ótima, mas que não existe para entrega. Trocam-se os financiamentos do BNDES por um mercado com ambiente de negócios americano, certeza jurídica britânica, taxa de crescimento asiática. Mas cadê esse paraíso? É o mesmo argumento daqueles que advogam corte nos gastos sociais como solução para a falta de eficiência na sua aplicação.
O segundo estratagema é criar uma alternativa socialmente legítima, mesmo que não tenha nada a ver, para reforçar os argumentos. Tipo quem é a favor dos financiamentos do BNDES é contra investimento em educação e saúde. E certamente contra a cura da Aids. O "funding" do BNDES sai de um caldeirão chamado FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), criado para garantir o seguro-desemprego. Recursos da educação saem do caldeirão Orçamento -o mesmo de onde saem os recursos para pagamento da dívida pública, diretamente influenciada pela taxa Selic.
Considera-se subsídio quando o custo de aplicação de um dinheiro é inferior ao custo de captação. O que o BNDES cobra nos financiamentos é maior do que a remuneração exigida pelo FAT. Como se faz para inverter a lógica? É simples: basta comparar o custo dos financiamentos do BNDES com a taxa Selic, que não incide em um milímetro no "funding" do banco.
O que é normal: taxas de 9,75% ao ano, como a TJLP (indexador dos financiamentos do BNDES), ou taxas de 18,25% ao ano, como a Selic? Ambas não são muito normais, mas a menos normal é a taxa Selic. Aí se entra no terceiro truque de retórica, que consiste em tratar o anormal como sendo o padrão. Para quem aprecia citações, "O Alienista", de Machado de Assis, viria a calhar.
O quarto truque de retórica é apresentar o fim do mundo como única alternativa às propostas. Os "subsídios" dos financiamentos do BNDES são uma bomba-relógio que, em breve, destruirá a economia.
Ou seja, se, além da falta de ambiente econômico adequado, do excesso de tributação, dos juros absurdos, secarem-se as fontes de financiamento de longo prazo, se todas as taxas da economia confluírem para a Selic, tornando proibitivos todos os financiamentos de longo prazo, aí a bomba-relógio será desarmada. Certamente no Dia de São Nunca. Foi aí que entendi a relação com a Terra do Nunca. E com o Capitão Gancho.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog