sexta-feira, junho 30, 2006

A Parte e O Todo - Alô, Geraldo: cuidado com a armadilha. É para bater mais. E esqueça a Copa


BLOG DO REINALDO AZEVEDO

Ninguém perderá o braço direito — ou o esquerdo, se canhoto — se apostar que as análises todas de por que Geraldo Alckmin encurtou a distância em relação a Lula recairão sobre a sua aparição na TV no horário político do PSDB. Deve ter tido alguma influência. Mas este é também o caminho da perdição. Corresponde a alguém que está com muita pressa para chegar a algum lugar e, em vez de esperar o trem, que ainda demora algum tempo, pega um jumento que está à mão.

Alckmin cresceu porque passou a bater em Lula a valer. Cresceu porque o programa do PFL fez uma desmontagem impiedosa do governo do Babolorixá da Banânia. Cresceu porque FHC, contra todas as análises tortas contaminadas pelo petismo, teve a coragem de falar em "corrupção".

Beirando agora os 30% no primeiro turno (números do Datafolha), com avanço de sete pontos em um mês e com uma diminuição da distância de seis, os retranqueiros logo vão entrar em ação: "hora do cuidado; já chega, vamos ser propositvos etc e tal." Lula também terá horário eleitoral gratuito, não custa lembrar. E ainda vai colher os frutos de todas as suas bondades, como a ampliação gigantesca do Bolsa Família e a MP que reajusta o salário do funcionalismo. Se o STF vetar, melhor ainda para o petista.

Lula só vinha parecendo um candidato imbatível porque, obviamente, ninguém lhe dava combate e porque parte da mídia decretou que todo mundo é igual. Como não é, como as lambanças maiores são as do PT e como o partido tem a máquina na mão, é óbvio que tal conjunto favorece o presidente candidato.

O certo é que a desconstrução do super-Lula é não apenas possível como, ousaria dizer, relativamente fácil de ser feita. Basta que, para tanto, se tenha coragem. Basta que os tucanos e pefelistas ponham uma coisa na cabeça: hoje, a eleição está perdida; o, por assim dizer, "risco" é ganhar. Quem tem de defender a cidadela e está obrigado a um discurso de justificação do statu quo é Lula, não Alckmin.

Um dado a mais vai turvar a análise: vão dizer ao tucano que as críticas ao presidente não tiveram grande efeito porque este manteve os seus votos, oscilando de 45% para 46%. Errado. As críticas estão conquistando os eleitores indecisos. É preciso seguir no caminho da desconstrução do petismo, chegar a um eventual segundo turno com uma distância substancialmente diminuída e, aí, então, pensar no que seria uma outra eleição, construindo, na trajetória, um clima de virada.

Lula só parece e pareceu eleito por antecipação porque uma espécie de catatonia tomou conta do tucanato; porque, visivelmente, o próprio Alckmin tinha um plano para derrotar José Serra na disputa interna, mas não tinha um para derrotar Lula. Ainda falta algum tempo para o início do horário eleitoral, quando, então, a exposição de Alckmin será substancialmente ampliada: e é preciso, então, neste tempo, reformar o que se vem fazendo até aqui.

Há um mês, a diferença entre os dois, no Datafolha, era de 23 pontos; agora, está em 17. Digamos que, no fim de julho, diminuísse outros seis pontos — sei que é dificílimo, mas não é impossível. Ao chegar a um patamar de 11 pontos, na prática, numa eleição polarizada, está-se falando de 5,5. A simulação de segundo turno do Vox Populi já fala numa diferença de oito pontos; vale dizer: quatro.

Mas é preciso não desistir do trem para montar no jumento. Para ganhar, Alckmin terá de fazer alguns eleitores mudarem de lado. E, para tanto, será preciso, sim, dedicar-se a muitas comparações: de Lula com Lula (as promessas de 2002); de Lula com Alckmin (governo federal e governo de São Paulo) e, se preciso, de Lula com FHC. O cotejamento em nada envergonhará os tucanos; muito ao contrário. E, acima de todas as coisas, será preciso ouvir o que pensam as maiorias silenciosas sobre um par de desmandos que estão por aí.

Essa gente ainda não foi convocada. Lula, é claro, dados os números, vence com folga. Mas já deu para perceber que tal cenário é perfeitamente desmontável. Basta não ter medo de enfrentar o PT. E é preciso olhar os números. O principal alento do tucano está na rejeição: a de Lula é de 31%, mais ou menos correspondente àquele terço do eleitorado que nunca vota nele. Alckmin é rejeitado por 19%, que é mais ou menos o tamanho do eleitorado petista. Há muito a avançar.

Onde o lulismo resiste
Os números deixam claro que o lulismo resiste entre os mais pobres, os de baixa escolaridade e o eleitorado nordestino. Em todos os casos, a máquina assistencialista do governo entrou pesadamente. Isso impõe duas tarefas principais ao comando da campanha de Alckmin: será preciso ampliar ainda mais a vantagem no Sudeste-Sul, entre os mais escolarizados e os de maior renda. Nesse caso, o perfil do bom gerente funciona, mas também o discurso da ética na política. As classes médias urbanas são as mais indignadas com o estado geral das artimanhas petistas.

Parece-me praticamente impossível que o tucano venha a virar o jogo nas categorias em que Lula lidera hoje. Mas é possível, sim, diminuir sensivelmente a diferença. E, nesse caso, volto à tecla inicial: é preciso relembrar a obra do PT. É bom não esquecer que existe muito pobre sem-vergonha por aí; mas também os há aos montes com vergonha na cara.

Idéia idiota
Não sei quem foi o gênio que sugeriu que Alckmin vá à final da Copa do Mundo caso o Brasil esteja entre os dois finalistas. Deixem essa história de misturar futebol com política para Lula. Caso os brasileiros cheguem lá, o tucano pode muito bem comemorar o título com uma festa de seus correligionários aqui. Será que a população vê com bons olhos esse tipo de coisa? Acho que não.

Se o Brasil vai à disputa final e ganha, vão acusar o tucano de oportunismo. Se acontece o pior, e o Brasil perde, fica com a fama de pé frio. Uma das boas qualidades do perfil de Alckmin é não parecer um oportunista vulgar. Não deveria começar agora.

Folha de S.Paulo - Luís Nassif: A Varig e o caso Caio - 30/06/2006

Hoje, em São Paulo, há 2.500 novos ônibus correndo com carrocerias da
marca Caio, uma empresa falida

UMA DAS atividades que proliferaram nos últimos anos no mercado é a
dos "fundos abutre" -investidores mais atrevidos, que andam atrás de
papéis "micados" para compra e aposta na sua recuperação. São
ousados, exigem taxas de retorno enormes. A própria disputa em torno
dos despojos das elétricas, depois da crise do apagão, deu uma idéia
sobre o potencial de ganho nessas ações sobre empresas em situação
pré-falimentar. É o caso dos aventureiros que se encastelaram no TGV
(Trabalhadores do Grupo Varig) e passaram a falar em nome de seus
funcionários. Deveriam ser processados pela perda de valor da
companhia nesses dias em que conseguiram postergar soluções para ela.
Ou do fundo Matlin Patterson, que adquiriu a VarigLog, que pertence a
essa família dos "fundos abutre", da mesma natureza do Ashmore, fundo
londrino que comprou bônus de empresas privadas argentinas no auge da
moratória. Da Ceisa, holding controladora do maior gasoduto da
Argentina, a Ashmore comprou US$ 250 milhões de bônus por US$ 65
milhões. A cada dia que passa, a Varig perde mercado, perde valor por
conta desses interesses, que vão postergando como podem as decisões
judiciais até a empresa "micar" e poder ser adquirida na bacia das
almas. E aí aparece a falta de coragem de correr riscos dos juízes do
processo. Hoje, em São Paulo, há 2.500 novos ônibus correndo com
carrocerias da marca Caio. Trata-se de uma empresa falida. Sua
falência, aliás, ocorreu antes da promulgação da nova Lei das
Falências e foi a pedido dos próprios controladores. O que fez o juiz
Ítalo Morelli? Já tinha presenciado outras falências em que as
empresas eram fechadas, as instalações, lacradas, e, pouco tempo
depois, depredadas, saqueadas, perdendo-se tudo. Aliás, os mais
antigos se lembram bem do que ocorreu com a falência da Trol. Tudo
viraria pó. Morelli resolveu ousar. Não tinha instrumentos na Lei de
Falências anterior, mas tinha bom senso, coragem e o apoio do artigo
5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que reza que o juiz deve ter
sempre norte dentro dos fins sociais a que ela se destina. Fechar a
empresa significaria jogar fora 500 empregos, marcas, instalações e
qualquer possibilidade de ressarcir os credores. Decidiu, então,
alugar a fábrica: máquinas, marca e empresa funcionando. Mais que
isso, se fosse adotar processos convencionais de licitação, como o
mercado é dinâmico, a empresa perderia market share. O juiz decidiu,
então, arrendá-la por prazo determinado a um grupo idôneo. Alguns
grupos tentaram melar o arrendamento, mas o Tribunal de Justiça de
São Paulo manteve a sentença do juiz. Morreli exigiu garantias,
seguros, cartas de fiança bancária. Em um ano e meio, só o
arrendamento proporcionou R$ 5 milhões para o pagamento de passivos.
Hoje em dia, de 500, a Caio passou a ter 2.500 funcionários. Agora, a
empresa vai ser colocada à venda, em leilão, valendo muito mais do
que na época da decretação da falência. Os passivos trabalhistas já
estão praticamente quitados. Com o leilão, todos os credores,
inclusive os quirografários, deverão ser integralmente pagos.

Folha de S.Paulo - Rio de Janeiro - Nelson Motta: Nomes de guerra - 30/06/2006

Assim na vida como no futebol, nome é destino. A começar por ele, o
rei, mais do que um craque, um gênio da bola, um ícone, um grito da
multidão, Pelé!
Em qualquer língua, com ponto de exclamação, jamais seria o rei
jogando como Edson e muito menos como Nascimento. Garrincha não seria
quem foi se fosse chamado de Manuel. Nem Tostão, se fosse Eduardo.
É difícil imaginar Zico ou Didi famosos como Coimbra ou Pereira, que
é como americanos e europeus chamam seus atletas, pelo nome de
família. Tanto que entre nós não há craques chamados Teixeira,
Cardoso, Moreira ou Motta.
Os brasileiros são conhecidos pelo nome próprio, o que já sugere
intimidade, ou melhor, pelo apelido. Exceções: o grande Falcão não
seria tão grande como Paulo Roberto, seria? O virtuose Júnior poderia
triunfar como Leovegildo? E Romário, o que faria como Faria?
É chato dizer, mas existe melhor nome de craque do que Diego
Maradona? Os argentinos gostam de chamar por nome e sobrenome, pura
frescura, mas impressiona. Olha o Maxi Rodriguez, o Hernan Crespo, o
Lionel Messi, o Gabriel Batistutta, craques nominais.
Gente chamada Sandro Mazzola, Gianni Rivera ou Alessandro Del Piero
está marcada para os gols e a glória, os craques italianos se
beneficiam da beleza da língua. Um banal José Silva, no Brasil,
corresponde, na Itália, a um sonoro e inesquecível Paolo Rossi. Os
franceses também tem os seus, como Platini, Tresor, Trezeguet,
Makelelê, mas o melhor é Zinedine Zidane, ZZ, que eles chamam de
Zizou e, no Brasil, certamente seria o popular Zezé.
Já os alemães usam a dureza da língua para nomear os seus, como o
imponente Franz Beckenbauer e agora os temíveis Klose, cada vez mais
perto do gol, e Ballack, mandando bala na bola e no nome.

Folha de S.Paulo - Brasília - Eliane Cantanhêde: Ainda tem muito jogo - 30/06/2006

BRASÍLIA - Já matamos o Lula, já elegemos o Lula. Já matamos o
Alckmin, já vamos começar a eleger o Alckmin. Mas a verdade -e esse é
o maior mérito do Datafolha que sai hoje- é que os candidatos ainda
estão em fase de aquecimento e há muito jogo pela frente.
A pesquisa mostra que Lula está confortável, porém estável, e que
Alckmin continua atrás, mas com bom potencial. Aliás, como ele sempre
disse, em meio às críticas e à nuvem de descrença.
Um dado importante é que, apesar do crescimento do tucano, o petista
ainda vence no primeiro turno. Outro é que, apesar disso, a diferença
entre eles estreitou no segundo turno. Tem-se, então, que o objetivo
de Lula é vencer de cara, e o de Alckmin é forçar o segundo turno e
"zerar o jogo".
O Datafolha dá um susto em Lula, no Planalto, no PT e nos neo-aliados
muito afoitos, e dá um sopro de ânimo nos desanimados tucanos e
pefelistas. Só não deve alterar um outro componente poderoso: as
alianças regionais, que estão praticamente fechadas e mais
favoráveis, claro, a quem tem o poder e está na dianteira das pesquisas.
Um outro dado de avaliação é por que, afinal, Alckmin surpreende,
cresce e demonstra fôlego? Haverá muitas explicações, mas uma coisa é
certa: o aumento de exposição do tucano, tanto no programa de 30
minutos quanto nas inserções de 30 segundos do PSDB.
O PFL bateu pesado, mas Lula não caiu. O PSDB fez programas mornos,
bem-comportados, apresentando o candidato ao eleitorado, e ele
cresceu. Agora é saber se o bom resultado é efeito de um (que bateu),
de outro (que mostrou Alckmin), ou dos dois somados. Lembrando que,
independentemente disso, Lula continua na frente, ganhando no
primeiro turno.
O Datafolha derruba o salto alto e deflagra, finalmente, a eleição.

Folha de S.Paulo - Bielefeld - Clóvis Rossi: Manual Lula de pobreza - 30/06/2006


BIELEFELD - O discurso em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
anunciou o seu prazer em "fazer política para pobre" é um manual
completo do comportamento do político brasileiro.
A regra, anterior a Lula, é a que ele prega: dar "apenas um pouco de
pão" para o pobre, que não quer mesmo mais que isso, sempre na aula
do professor Lula.
Pobres "não têm dinheiro para ir protestar em Brasília, para fazer
passeatas". Ou, na versão mais popular, quem não chora não mama. Há
os que nem precisam fazer passeata para ganhar o "bilhão" que o rico
quer, "quando encosta na gente", sempre segundo Lula.
Banqueiros, por exemplo, "encostados" nos juros obscenos pagos pelo
governo, tiveram lucro de R$ 28,3 bilhões -ou 3,4 vezes mais que tudo
o que se deu de "pão" para os pobres na forma de bolsas-esmola.
Nada contra dá-las, nada contra aumentar o número de famílias
beneficiadas, tudo contra não pôr a esmola em perspectiva. E a
perspectiva é esta: já que o pobre quer apenas "um pouco de pão", é
fácil atendê-lo. Não precisa nem entrar em choque com os poderosos,
dada a abissal diferença de recursos com que o governo contempla uns
e outros.
Não precisa também quebrar a cabeça para fornecer ao pobre os reais
instrumentos de inclusão, que começam por um sistema educacional de
qualidade e incluem uma lista conhecida.
Assim, é de fato fácil fazer política para pobres. Basta pegar um
programa já em andamento, botar mais dinheiro público nele e tocar
para a frente. Como diz Lula, "os pobres não dão trabalho". Nem mesmo
o de pensar soluções para a pobreza, a desigualdade, a educação de
qualidade, a saúde idem, a infra-estrutura, o crescimento econômico
etc. etc. etc. É dar a esmola e correr para o abraço.

Folha de S.Paulo - Editoriais: De novo? - 30/06/2006

Lula reaviva o mito do líder amado pelo "povo" e acossado pela
"elite", mas instituições avançaram muito desde Vargas

"VOLTEI nos braços do povo" é uma sentença repisada na mitologia
política brasileira. Getúlio Vargas colocou-a na "Carta-testamento"
de agosto de 1954, pouco antes de suicidar-se. Tentava confirmar, com
tintas de drama, a lenda do líder perseguido pelas "elites", mas
amado pela massa dos pobres e humildes. Era o fecho da promessa de
volta por cima, nos sempiternos "braços do povo", lançada quando o
ditador foi obrigado a renunciar, em 1945.
Acossado, Jânio Quadros tentou reativar o feitiço no ato de sua
renúncia, em 1961. Até o mês, agosto, se repetia. Os inimigos estavam
nomeados em sua carta de entrega do cargo como "forças terríveis";
faziam as vezes das "forças e [d]os interesses contra o povo" -mais à
frente esmiuçados nos "grupos internacionais" aliados aos
"nacionais", ambos "revoltados contra o regime de garantia do
trabalho"- enunciados no célebre texto de Vargas. Mas, como os braços
do povo não o vieram acudir, a renúncia de Jânio acabou consumada.
Trinta anos depois foi Fernando Collor de Mello quem clamou ao "povo"
que saísse às ruas de verde e amarelo para defender seu mandato, que
periclitava. Tiro que saiu pela culatra: as pessoas protestaram de
preto, e o político eleito pelo PRN em 1989 foi cassado pelo Congresso.
Chegou a vez de Luiz Inácio Lula da Silva homenagear o mito
varguista. "Lula de novo, nos braços do povo" é o bordão que, em
ritmo de baião, será entoado em sua campanha por um segundo mandato.
O discurso contra as "elites" já não é tão enfático como o de uns
meses atrás, quando o escândalo do mensalão batia à porta de seu
gabinete. Mas o presidente cujo governo promove o espetáculo do
crescimento dos lucros bancários continua a atacar os "representantes
de setores elitistas do país".
Como Vargas -"o ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu
ânimo"-, Lula tenta encarnar o figurino do "predestinado" que supera
com paciência o bombardeio adversário, não deixando de condenar
oposições que "fazem da agressão e da calúnia suas principais armas".
Floresce agora, contudo, a mais significativa evocação varguista pelo
atual presidente da República. "Seria tão mais fácil a gente governar
se tivéssemos de cuidar só dos pobres. Os pobres não dão trabalho,
por isso por muito tempo foram esquecidos." Não representa novidade
que, na cosmologia de Lula, a história tenha começado na sua
Presidência -pobres eram "esquecidos" no passado, agora não mais; e
vão para a lata do lixo décadas de construção da rede de proteção
social pelo Estado brasileiro.
Novidade há na incipiente formulação da utopia de uma sociedade sem
conflito, sem política e sem instituições, na qual o governante fala
diretamente com "o povo". A alegoria pode ser o emblema do que se
tornou a candidatura Lula, afastada de grupos e instâncias
representativas, mas contrasta com a realidade do Brasil meio século
após o suicídio de Vargas. As instituições democráticas existem e
estão fortalecidas, e aí reside a maior garantia de que a farsa do
varguismo lulista não vai extrapolar o terreno da propaganda para
impor uma agenda autoritária.

Eleição polarizada Blog do NOBLAT

Da Folha de S. Paulo, hoje, conforme este blog antecipou ontem:

"O candidato à Presidência da República Geraldo Alckmin (PSDB) subiu
sete pontos percentuais e tem hoje 29% das intenções de voto em todo
o país, revela nova pesquisa Datafolha realizada ontem e anteontem.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato à reeleição,
oscilou para 46%. Ele tinha 45% em levantamento feito nos dias 23 e
24 de maio.

A despeito da reação de Alckmin, Lula continuaria vencendo no
primeiro turno se a eleição fosse hoje. O petista teria 54% dos votos
válidos (excluídos nulos e brancos). Para que não haja segundo turno,
precisará ter ao menos 50% mais um em 1º de outubro. Alckmin tem 35%
dos votos válidos.

O Datafolha também perguntou aos entrevistados em quem votariam em um
eventual segundo turno. Lula venceria por 51% a 40%.

O levantamento mostra que a eleição presidencial continua polarizada
entre eleitores de diferentes classes e de maior e menor
escolaridade. Há ainda uma polarização regional entre Norte/Nordeste
e Sul.

Lula tem 52% das intenções de voto entre os eleitores com apenas o
ensino fundamental. Alckmin tem 23%. Entre os com ensino superior, o
tucano vence por 42% a 31%.

Na divisão por classificação econômica, o petista lidera por 54% a
20% entre eleitores das classes D e E. Entre os das classes A e B,
Alckmin aparece com 39%. Lula, com 34%.

Finalmente, o petista bate Alckmin por 64% a 17% no Nordeste. Mas
perde no Sul por 37% a 30%. A maior proximidade entre Lula e Alckmin
ocorre no Sudeste, maior colégio eleitoral do país: 39% a 34%.

A pesquisa Datafolha concluída ontem foi a primeira feita após a
escolha formal dos presidenciáveis. Os candidatos Enéas Carneiro
(Prona, 4% em maio) e Roberto Freire (PPS, 2%) desistiram.

A reação de Alckmin, que passou de 22% para 29%, coincidiu com uma
forte exposição do tucano no rádio e na TV nas inserções do programa
partidário do PSDB em junho".

Merval Pereira Caminho perigoso- Jornal O Globo

O presidente Lula, muito entusiasmado com os índices de apoio que tem
nas camadas mais pobres do eleitorado, começa a entrar por um caminho
perigoso, que é o de confrontar ricos e pobres, se colocar como
protetor dos pobres e fazendo críticas às elites brancas perversas,
como diria seu mais novo aliado político, o governador de São Paulo,
Cláudio Lembo, do PFL. Os dois, aliás, têm o mesmo calcanhar de
Aquiles para criticar as elites, da qual sempre fizeram parte, Lula
como operário especializado do ABC, Lembo como assessor do presidente
do banco Itaú, Olavo Setúbal, que o levou para a vida pública. Essa
exacerbação da disputa entre ricos e pobres pode até render votos
para Lula, mas é uma atitude perigosa, pois provoca um clima político
muito acirrado no país, que vai desembocar numa campanha eleitoral
mais agressiva do que já está sendo previsto.

A meta de atingir 11 milhões de famílias com o Bolsa Família,
prevista para o fim do ano, foi antecipada para este mês, num claro
esforço de ampliar os potenciais eleitores do governo na próxima
eleição presidencial. Nada menos do que 1,8 milhão de famílias foram
cadastradas no último mês, o que exigiu uma mobilização espetacular
da máquina burocrática governista.

Lula ainda exortou os responsáveis pelo programa para que tentassem
cadastrar mais famílias até o fim do ano, e o ministro Patrus
Ananias, que transformou esse programa em uma máquina de fazer votos,
ainda defendeu a reeleição de Lula, num claro desrespeito às leis
eleitorais. Tudo porque tratar com pobre “é muito prazeroso”, segundo
nosso presidente, porque os pobres não têm dinheiro para organizar
protestos, e se contentam com pouco.

Esse discurso do presidente Lula pode ser atribuído tanto à
embriaguez da popularidade em alta, quanto a uma prepotência que
nasce da certeza de que conseguiu dar a volta por cima das crises em
que seu governo se viu envolvido no último ano.

Experiente manipulador político e de sentimentos, desde os tempos de
líder sindical, não há dúvida que Lula se safou das acusações contra
ele por seus próprios méritos políticos, esquivando-se de culpas e
livrando-se dos assessores mais diretamente envolvidos nos atos de
corrupção. Num tempo em que esperteza é confundida com competência
política, isso tem lá seu valor.

Ao mesmo tempo, acelerou os programas assistencialistas que o
aproximaram do eleitorado de baixa renda, e dobrou sua aposta no
poder do salário-mínimo e do real valorizado para a criação de um
clima de euforia entre esse grupo de eleitores. Deu certo.

O programa Bolsa Família se transformou num dos maiores instrumentos
eleitorais que o governo tem, e não é impedido pela legislação
eleitoral em vigor, nem criticado pela oposição, que teme ser acusada
de querer acabar com ele. Outro sinal dessa “luta de classes”
permanente a que parece estar dedicado o governo ou, como define o
ministro Tarso Genro, a “plebeização” da política, é a saída do
ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, a seis meses do final do
governo.

Considerado integrante do “primeiro time” do ministério, sua
desistência só se justifica pela necessidade de marcar uma posição de
protesto. Além dos vários problemas que atingem o agronegócio, que
passa por crises sucessivas há pelo menos dois anos, há questões
políticas graves em jogo.

Além de ter deixado sem efeito a legislação que proibia que terras
invadidas fossem utilizadas no programa de reforma agrária, uma
medida tomada no governo de Fernando Henrique que serviu para conter
o ímpeto do MST, o governo Lula está propenso a mudar a legislação
que define o que seja propriedade produtiva, por pressão dos
movimentos dos sem-terra.

Essas são ameaças concretas à propriedade e ao agronegócio que,
embora seja um dos principais responsáveis pelos recordes das
exportações brasileiras, não encontra respaldo neste governo no
embate contra os que defendem que a prioridade deve ser a agricultura
familiar.

Não é a primeira vez que esse embate se trava. Campanhola, primeiro
presidente da Embrapa, não foi nomeado por Roberto Rodrigues, e sim
pelo então ministro José Graziano, do Fome Zero. Além do
aparelhamento do órgão, com a participação em sindicatos valendo
pontos para as promoções e nomeações, o novo presidente centrou sua
atenção na “agricultura familiar e no combate à exclusão social no
campo”.

O ministro Roberto Rodrigues vinha defendendo dentro do governo que a
agricultura empresarial, que é a grande responsável pelos recordes de
exportação, não pode ser excluída das preocupações do governo.

Ele vê nessa separação entre agricultura empresarial e a familiar um
preconceito político que não tem razão de existir, já que há espaço
para todos na política agrícola brasileira. Rodrigues ganhou a
primeira disputa e conseguiu “desaparelhar” a Embrapa, colocando-a
novamente no rumo da pesquisa para aumento da produtividade no campo,
o que só beneficia as exportações brasileiras. Mas estava novamente
perdendo as batalhas conceituais dentro do governo.

Sem o apoio de uma base política estável, montada e desmontada pelo
mensalão, e baseando-se apenas na sua habilidade de se comunicar com
o eleitorado mais pobre, o governo Lula vai se movendo lentamente na
direção de um populismo de esquerda que não combina com a política
econômica que ainda prevalece, e esse é um péssimo sinal para um
eventual segundo mandato.

João Ubaldo Ribeiro Überrauschungen?- Jornal O Globo

Não, não estou tentando xingar ninguém com esse título, que quer
dizer “surpresas?” em alemão. Isto porque está todo mundo procurando
surpresas nesta Copa e creio que não houve realmente nenhuma, com a
possível exceção de Portugal contra a Holanda.

De fato, o time de Felipão überrauschungou na raça os europeus
(Portugal não é considerado muito europeu, principalmente pelos
nórdicos), que esperavam a tão protelada demonstração de que o
futebol holandês é uma das maravilhas do mundo e os portugueses
jogavam apenas mais ou menos — e isso no tempo de Eusébio, quando
desclassificaram o Brasil na Copa de 66.

O mundo, contudo, dá muitas voltas — não sei se vocês já ouviram esta
sábia afirmação. Pelo que ficou demonstrado aqui, os holandeses estão
cada vez mais uma lembrança do passado distante e hoje não passam de
uma equipe medíocre e, o que é pior, com jogadores que escolheram o
esporte errado e deviam estar disputando essas lutas-livres em que
vale até dedada no olho ou em outras partes delicadas do corpo
humano. Na curta e remota era de Cruyff, tão remota que tenho certeza
de que muitos jovens não reconhecerão seu nome e recorrerão à memória
de vovô, eles jogavam bonitinho, mas não ganharam nada de realmente
significativo.

No seu jogo de hoje, os alemães, a julgar pelo que andam alardeando,
alguns sem muita elegância e com alguma empáfia, terão uma grande
Überrauschung, se os argentinos ganharem. Não lembro qual deles disse
com ares condescendentes que foi muito azar dos argentinos pegarem a
Alemanha nesta fase, porque serão esmagados implacavelmente. Ignoro
de onde ele tirou essa convicção, pois ela está com o time
arrumadinho (mais ou menos), mas argentino, como sabemos nós, nunca
deu moleza para ninguém e futebol não pode basear-se em estatísticas,
ainda mais quando limitadas.

Torço pela Alemanha, no jogo daqui a pouco. Não só porque me
emocionaria ver uma final do Brasil com os donos da casa e gosto do
país, onde já morei e tenho muitos amigos, mas, principalmente,
porque argentino tem know-how de jogar contra o Brasil e o Brasil,
com razão, sempre respeita bastante os times deles. Mas não terei
surpresa nenhuma, se a Alemanha tomar uma bela traulitada argentina,
como, aliás, acho que vocês tampouco terão.

Surpresa mesmo seria a Itália, apesar do futebol sem brilho que tem
apresentado, perder da Ucrânia, em cujo jogo contra a Suíça, parecia
que ninguém ia fazer gol nem nos pênaltis e passaríamos horas
esperando alguém enfiar a bola numa rede. Surpresa, mas não
impossibilidade. Desde 1950, aprendemos, definitiva e dolorosamente,
que futebol se ganha é no campo. E, por enquanto, esse pessoal está
achando que ganha no gogó. Überrauschung neles.

Luiz Garcia A Copa dos doentes- Jornal O Globo

Houve tempo em que todo brasileiro era especialista em falar mal do
juiz. Este ano, a ênfase é outra; talvez devido à quantidade de
especialistas que não se cansam de dissecar a Copa na TV e nos
jornais, parece que a população nacional — 90% dos machos e boa parte
das fêmeas — deixou de lado os sopradores de apito: agora, somos
sapientes comentaristas de técnicas, artes e até sutilezas
psicológicas do futebol mundial. É melhor do que ficar remoendo as
desventuras nacionais, pelo menos enquanto durar a festa e — oremos,
irmãos — até o apito final e a chegada triunfal dos últimos heróis de
nossa geração.

Deus, que lê nossos jornais religiosamente, como tudo que Ele faz,
bem sabe quanto precisamos de ídolos merecedores de razoável respeito.

Justificam-se, portanto, essas semanas monomaníacas. Mas há limites.
Alguns deles estão sendo absurdamente desrespeitados.

Há quem não pode deixar de trabalhar, com Copa ou sem Copa. Nos
serviços médicos, por exemplo. No entanto, verificando apenas a
situação do Rio, descobrem-se abusos e exageros. Todas as consultas
no Hospital dos Servidores do Estado (HSE) foram canceladas em dias
de jogos do Brasil. Idem nos postos de saúde e ambulatórios de
hospitais públicos da cidade. Os doentes que não suportam voltar para
casa e rezar têm a opção de buscar socorro nas emergências — que,
nesses dias ficam, claro, superlotadas. Se o atendimento é o que se
sabe em tempos normais, faça-se uma idéia de a quantas tem andado
nesses dias.

Na terça-feira em que jogamos contra Gana, o HSE dispunha apenas de
médicos de plantão. E um cartaz informava que não haveria consultas
depois de 11 horas. Afinal, médicos, enfermeiros etc. também são
brasileiros e, na visão oficial, seria crueldade extrema negar-lhes a
visão maravilhosa daquele gol de Ronaldo no comecinho do jogo.

Foi decretado, pelo visto, que, quando a bola correr na Alemanha,
todos os funcionários da área de saúde que não estejam de plantão
serão — automática e miraculosamente — desnecessários. Mais de mil
consultas, segundo foi informado a um vereador, foram remarcadas.
Idem no Getúlio Vargas, que é estadual. Imagine-se o aluvião de
pacientes depois da Copa.

Hospitais municipais como Souza Aguiar e Miguel Couto mantiveram o
atendimento de emergência, mas suspenderam consultas nos
ambulatórios. A ninguém ocorreu que consultas em hospitais públicos
podem não ser assuntos de vida ou morte mas são direitos do cidadão,
com ou sem Copa do Mundo.

A Secretaria municipal de Saúde justificou o adiamento de consultas
alegando que os pacientes costumam faltar em dias de jogos do Brasil.

Pode ser. Mas só falta quem não precisa. Quem está passando mal,
principalmente cidadãos idosos e com dificuldade de se locomover,
provavelmente receberia como graça dos Céus um dia de ambulatório
vazio e atendimento rápido.

Se possível, com uns gols do Ronaldo — mas logo depois de resolvido o
problema de saúde.

Miriam Leitão Dia de alívio- Jornal O Globo

paneco@oglobo.com.br

O mercado esperou com ansiedade a reunião de ontem, com medo de que o
Fed fosse dar mais sinais de que a economia americana estivesse indo
na direção perigosa de inflação alta e queda de crescimento: a
estagflação. A reunião desfez esse risco quando disse que a inflação
está sendo contida. Isso foi considerado uma ótima notícia e houve
melhora em todos os indicadores. Mesmo assim, é bom lembrar que o
outro lado da notícia é que a economia americana está em desaceleração.

O comunicado do Fomc (Federal Open Market Committee), órgão que
decide a taxa de juros, foi mais tranqüilizador em relação à inflação
mas, ao mesmo tempo, avisou que o mercado imobiliário está esfriando
e o crescimento está desacelerando. Ótimo se forem sinais de um pouso
suave; problema se for uma queda do ritmo de crescimento que atinja a
economia mundial. O que está contendo a inflação americana é a queda
do crescimento, portanto isso é preocupante. Por outro lado, apesar
do clima de alívio que tomou conta do mercado, os juros americanos
podem voltar a subir.

A expectativa em torno da reunião começou a se desfazer nos últimos
dias diante de alguns bons números da economia americana. Um deles,
uma nova revisão do PIB do primeiro trimestre. Nos Estados Unidos,
eles dão seguidos números provisórios do PIB e, depois, divulgam
revisões. Essa foi a última e deu um crescimento de 5,6%. O número
parece estupendo, principalmente diante do nosso magro e festejado
1,4%. Mas a diferença entre os dois é nenhuma. Eles apresentam sempre
o número de um trimestre comparado com o trimestre anterior e
anualizado. Se fizermos a mesma conta com os números do Brasil, vai
dar um crescimento anualizado de 5,7%.

O número de crescimento dos Estados Unidos é bom, mas conta a
história do passado. O que tem ficado claro em alguns indicadores
antecedentes e ontem no comunicado do Fomc é que a economia americana
está esfriando e isso pode afetar o mundo inteiro. Mas, por enquanto,
o que o mercado comemorou foi que o temor de altas sucessivas de
juros nos Estados Unidos ficou afastado. Há quem avalie que os juros
vão subir novamente na próxima reunião, em agosto, mas já não há mais
a sensação de incerteza em relação ao fim desse ciclo de aperto
monetário. Os juros americanos já subiram desde junho de 2004 17
vezes, saindo de 1% para 5,25%.

Ainda é cedo para se comemorar e nada impede que os próprios
analistas que ontem aliviados faziam uma avaliação positiva da
conjuntura usem os mesmos dados da realidade para fomentar nova onda
pessimista. Isso porque nada está resolvido, nenhum problema sumiu no
horizonte: a economia americana continua com um enorme desequilíbrio
em conta corrente, continua com pressões inflacionárias de dimensões
ainda não completamente conhecidas e no meio de um processo de
desaceleração econômica que terá efeito em outros países.

O Brasil passou bem pelos problemas das últimas semanas, em grande
parte por ter hoje indicadores externos muito mais saudáveis do que
teve em outras crises, mas continua com fragilidades que se têm
agravado, como a questão fiscal. O governo tem autorizado gastos
permanentes que ainda não fizeram efeito nas contas públicas, mas
pressões sobre o déficit público já foram contratadas nas concessões
salariais, de salário-mínimo, de aumento de gastos, de liberações pré-
eleitorais. Só a conta dos aumentos salariais concedidos no dia de
ontem chega a R$ 5,75 bilhões. Tudo isso inevitavelmente baterá nas
contas. Esse é um problema grave, avaliam todos os que estão olhando
os números e a trajetória dos gastos de forma profissional.

E, mesmo com tudo o que tem liberado de gasto, o presidente Lula
ontem deu mais uma série de declarações equivocadas sobre o tema,
reclamando por não poder gastar mais do que tem gastado e pedindo
mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ontem, no Brasil, a reunião do Conselho Monetário Nacional confirmou
o que se previa: a mesma meta de inflação pelo quarto ano consecutivo
para 2008, de 4,5%. E nova queda da Taxa de Juros de Longo Prazo.
Qualquer redução da TJLP significa um aumento do subsídio concedido
pelo governo aos tomadores de dinheiro no BNDES. Os juros são altos,
mesmo os do BNDES, quando comparados com outros países do mundo, mas
o que importa aqui é que o governo se financia a 15,25% e empresta,
desde ontem, a 7,5%. Evidentemente que isso aí é custo.

Se o mundo der uma respirada até a próxima reunião do Fomc, será bom,
mas é cedo para dizer que a instabilidade das últimas semanas foi
resolvida. Ontem foi um bom dia em todos os mercados, mesmo na
Europa, onde eles fecharam antes da decisão do Fomc. Nos últimos
dias, os indicadores brasileiros melhoraram, o risco caiu 20 pontos
percentuais em apenas três dias. Melhor assim, mas aquele ambiente de
excesso de liquidez não vai se repetir apenas porque o mercado viveu
ontem um dia de alívio.

Euforia nos mercados CELSO MING Estado

ming@estado.com.br

A manada adorou a música que ouviu ontem do Federal Reserve (Fed), o
banco central dos Estados Unidos. E comemorou.

A reunião do Comitê de Política Monetária, o Fomc, tomou a decisão
esperada e elevou em um quarto de ponto (0,25%) os juros básicos nos
Estados Unidos, para 5,25% ao ano. Melhor que isso foi o conteúdo do
comunicado divulgado logo a seguir.

Em síntese, lá ficou dito que a economia americana está em fase de
desaquecimento, o que, em princípio, afasta o perigo de estouro da
inflação; que um dos problemas da área financeira, a bolha
imobiliária, está sendo equacionado; e que a política de juros vai
dando conta da tarefa de conter a inflação.

Não faltou a advertência de praxe de que, apesar da melhora dos
sinais, o Fed tratará de cortar as asas da inflação, se ela voltar a
surpreender.

Pareceu claro o recado de que a política do Fed não vai se
impressionar demais com as eventuais novas manifestações da inflação
americana. Vai levar mais em conta o que está acontecendo na
atividade econômica. Se o consumo vai sendo contido, será inevitável
que, mais à frente, a inflação também cederá terreno e, nesse caso,
que a política de juros seja afrouxada.

E assim ficou entendido. Os observadores concluíram que está próximo
o fim do aperto monetário, ou seja, o fim do ciclo de alta dos juros
internacionais, que começou em junho de 2004.

Os mercados, tão tensos nas três últimas semanas, se desarmaram. O
dólar voltou a cair no câmbio internacional diante das outras moedas
fortes: 0,76% diante do euro e 1,34% diante do iene japonês. O ouro
saltou 1,36% e as bolsas festejaram.

O Índice Dow Jones, que mede a evolução das principais ações
negociadas em Nova York, subiu quase 2,0% e voltou para o patamar dos
11.200 pontos. A Nasdaq avançou quase 3,0%. São números especialmente
elevados para os padrões americanos.

O prêmio de risco que se paga para os títulos de dívida do Brasil
caiu 14 pontos. Aqui, a reação foi equivalente. O dólar fechou em
baixa de 2,12% e a Bolsa avançou 4,7%.

Isso talvez não seja suficiente para pôr um fim à corrida para a
segurança e à aversão ao risco que começou na primeira semana de maio
porque um fator subjetivo responsável pela turbulência ainda não foi
eliminado.

Os mercados sentem saudades do presidente anterior do Fed, Alan
Greenspan, e ainda não confiam inteiramente no taco do sucessor, o
economista Ben Bernanke.

Isso significa que pode voltar aquela cisma de que, sob nova direção,
o Fed ficou tolerante demais com a inflação. Ou, então, a de que a
necessidade de mostrar serviço vai obrigar o Fed a apertar mais do
que o necessário a política dos juros.

Este é o tipo de estado de espírito que favorece volatilidades de
todos os tipos. De todo modo, em duas ou três semanas, será possível
conferir até que ponto a temporada de medo foi afastada.

A melhora geral do ambiente externo se compõe com a mudança da
percepção dos analistas internacionais sobre o comportamento da
economia brasileira. Isso sugere que a temporada de dinheiro mais
raro, que começou na primeira semana de maio, se reverteu e que os
capitais deverão perder parte do medo de aplicar dinheiro em ações e
títulos do Brasil.

Outro ponto a conferir.l

Dora Kramer Alckmin pensa em ir à Copa- Estado

Agenda internacional do tucano prevê viagem à Alemanha na fase final
dos jogos

Enquanto o presidente Luiz Inácio da Silva recebe conselhos para não
ceder à tentação de ir à Copa, e nem pensar em passar pela Alemanha
antes de chegar a São Petersburgo para a reunião do G-8, seu
adversário Geraldo Alckmin está examinando seriamente a possibilidade
de assistir pessoalmente à fase final do campeonato.

Tudo depende, claro, do jogo de sábado. Se o Brasil vencer a França e
passar para a semifinal, Alckmin embarca, porque a reserva, para
todos os efeitos, já foi providenciada e uma motivação não-
futebolística também.

Oficialmente, o tucano estaria indo à Europa em cumprimento à agenda
internacional que em geral todos os candidatos com chance de vitória
fazem para mostrar inserção no mundo e dar idéia aqui dentro e aos
investidores estrangeiros de bom trânsito junto a líderes importantes.

Por isso mesmo a agenda da viagem inclui audiências - ainda na
dependência de confirmação - com os primeiros-ministros de Portugal,
José Sócrates, e da Alemanha, Angela Merkel.

Caso a viagem seja mesmo confirmada, Alckmin passará também pela
Bélgica, onde ainda não há programação prevista.

A ida do candidato à fase final do mundial de futebol não está sendo
recebida com naturalidade e muito menos com júbilo entre seus
aliados. Existem muito mais dúvidas do que certezas a respeito da
conveniência eleitoral do giro nesse momento, com a inclusão da
passada pela Copa.

No PFL, por exemplo, há o entendimento de que uma exposição dessa
natureza é altamente arriscada, ainda mais agora que as próximas
pesquisas de opinião já vão registrar os esperados e suados pontos a
mais de Alckmin na preferência do eleitorado.

Se algo sair errado na Alemanha - uma vaia, um protesto, pior, uma
derrota e a conseqüente atribuição do efeito "pé-frio" -, o candidato
se arriscaria e perder o terreno ganho nas últimas semanas em função
dos programas de televisão do PSDB.

Mas, mesmo dando tudo certo, Geraldo Alckmin ficaria exposto à
avaliação de estar sendo oportunista e demagogo, o que, argumenta-se
na seara pefelista, não é exatamente nem o perfil do candidato nem a
idéia que a campanha pretende transmitir.

Pode soar falso, pois Alckmin está a léguas de distância de fazer um
tipo popular.

Também entre os tucanos nem todo mundo acha essa história da viagem
uma proposta muito genial. Manobras bruscas normalmente não costumam
favorecer quem anda sobre a corda bamba.

Esta é a opinião dos realistas/pessimistas. Os otimistas preferem ver
as coisas por outro ângulo: o que leva em conta a sorte que Geraldo
Alckmin tem dado na vida desde que largou a medicina para se
candidatar a vereador em Pindamonhangaba e acabou governador de São
Paulo.

De qualquer forma, a despeito da reserva feita, o assunto ainda está
em suspenso, aguardando passar pelo crivo da contabilidade do custo-
benefício e, obviamente, esperando também a - se os deuses se
empenharem, bem-sucedida - passagem do Brasil para a semifinal.

Marca fantasia

O plenário do TSE manteve decisão anterior do presidente do tribunal,
ministro Marco Aurélio Mello, proibindo o uso da marca do governo
federal na divulgação do programa oficial de saúde bucal, o Brasil
Sorridente.

Na interpretação do presidente Lula isso é limitação legal ao ato de
administrar o País.

De fato é, mas só se o governante em questão entender que governar é
fazer propaganda, porque a lei não proíbe a administração federal de
funcionar, apenas veda a publicidade eleitoral em torno disso.

Isso é que é

A única explicação plausível para a saída inesperada do ministro da
Agricultura, Roberto Rodrigues, é justamente a razão negada por ele:
motivação eleitoral.

Da mesma forma como não havia votado em Lula em 2002, a julgar pela
avaliação de Rodrigues sobre o desempenho governamental, ele
certamente não votaria de novo.

Nada mais óbvio que a impossibilidade da permanência de um ministro
em governo ao qual ele não pretende apoiar na eleição.

Poderia ficar discreto, sem movimentos nem contra nem a favor, mas
tais imparcialidades não se coadunam com a visão vigente no Palácio
do Planalto a respeito da simbiose entre política partidária e
administração pública.

Sandálias

Não se sabe se é gênero para simular humildade, ou se é fruto de
realismo, mas entre tucanos e pefelistas agora se ouve que um segundo
turno na eleição para o governo de São Paulo é cenário mais plausível
que a vitória de José Serra no primeiro turno, conforme indicam as
pesquisas de agora.

Falava-se sobre isso terça-feira à noite, na festa junina do senador
José Jorge, a partir do solene enunciado segundo o qual "não há
eleição fácil em São Paulo".

EDIDORIAL Estado Lamentação de fachada

Evidentemente sem se dar conta do sentido de suas palavras, o
presidente Lula por pouco não disse na quarta-feira uma grande
verdade. Falando numa siderúrgica em Ouro Branco, Minas Gerais,
afirmou que "o Brasil é o único país em que as eleições impedem que a
gente governe". Ele estava se queixando das restrições que a
legislação eleitoral impõe aos detentores de mandatos executivos nos
meses anteriores aos pleitos - algumas das quais, pelo visto, tratará
de driblar, menos ou mais ostensivamente - como já vinha fazendo
antes da oficialização da sua candidatura. Na realidade, o que o tem
impedido de governar, supondo que tivesse apetite e aptidão para tal,
é a obsessão reeleitoral, que o acompanha e guia os seus passos desde
que colocou os pés no Planalto.

Se, nesses três anos e meio, o presidente tivesse dedicado à
aprendizagem dos rigores do ofício uma fração do tempo que gastou
fazendo turismo eleitoral pelo Brasil, não teria por que reclamar das
limitações legais à ação dos governantes na reta final de seus
mandatos. Quanto mais não fosse, 42 meses efetivamente dedicados à
gestão da coisa pública, até para compensar a inexperiência do
gestor, deixariam um saldo de realizações e iniciativas encaminhadas
- não retóricas, mas reais - que o dispensariam de deplorar o que a
lei em boa hora proíbe para ao menos moderar o uso espúrio dos
recursos de poder dos dirigentes de turno.

Bem pensadas as coisas, porém, a lamentação é de fachada, como, entre
muitas outras, a notória inauguração de um pólo petrolífero no Estado
do Rio, em um terreno que ainda não havia sido nem comprado, e que só
começará a funcionar na próxima década. De mais a mais, a legislação
não coíbe o escandaloso atrelamento do Bolsa-Família aos cálculos
eleitorais de Lula. A inclusão de famílias carentes no programa -
cerca de 1,8 milhão só este mês - segue o ritmo do calendário
sucessório. Sem falar que o governo aumentou de R$ 100 para R$ 120 o
patamar de renda mensal por pessoa que dá direito ao recebimento do
benefício. O fato de 11,1 milhões de famílias já receberem o ajutório
que varia de R$ 15 a R$ 95 por mês (conforme a renda e o número de
filhos) não modifica a sua posição social, mas contribui
decisivamente para o sacolão de votos do presidente.

E o melhor de tudo, para ele - segundo as suas próprias palavras -, é
que "os pobres não dão trabalho". Lula fez essa extraordinária
confissão no mesmo dia em que se queixou da lei eleitoral, desta vez
ao festejar o cumprimento antecipado da meta do Bolsa-Família para
2006, na cidade mineira de Contagem. Depois de o ministro do
Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, pedir que votassem no chefe
("A história vai assegurar mais quatro anos para que possamos
consolidar e ampliar a política social", declamou), ele se pôs a
falar dos pobres em um tom que soou como uma estranha combinação de
piedade, condescendência e desdém - embora a sua intenção fosse falar
mal dos ricos e dos setores organizados da sociedade. Pobres não
aborrecem, foi o que quis deixar consignado.

"Não têm dinheiro para protestar em Brasília, alugar ônibus. Só vão à
igreja rezar e pedir ajuda a Deus", declarou. "Muitas vezes o pobre
quer apenas um pão, enquanto muitas vezes o rico, cada vez que
encosta perto, quer um bilhão." Daí o prazer que disse experimentar
ao fazer política para os pobres. Poucos truques eleitorais hão de
ser mais óbvios do que fazer voto de devoção aos pobres, mesmo de
forma arrevesada, como nesse caso. Mas que importa? A cada dia, o
candidato se mostra mais esquecido de que é presidente de todos os
brasileiros e que um mínimo de circunspecção deve temperar o desfrute
do poder - e a expectativa de um novo mandato. Aplica-se a ele, em
todo caso, o dito de Churchill sobre a impossibilidade de enganar a
todos o tempo todo.

Alguns que o conhecem de perto e se mantiveram fiéis às suas
convicções falam do presidente em termos sombrios. O cientista
político César Benjamin, fundador do PT e companheiro de chapa da
candidata do PSOL ao Planalto, Heloísa Helena, por exemplo, descreve
um político que coloca instituições do Estado a serviço de seus
interesses eleitorais e que "substitui os valores republicanos pela
esperteza". Isso, o País certamente se fartará de ver nos próximos
três meses.

O custo da irresponsabilidade EDITORIAL Estado

Os resultados da Previdência Social em maio, que acabam de ser
divulgados, não deixam nenhuma dúvida quanto ao tamanho da conta que,
em decorrência de medidas tomadas com objetivo claramente eleitoral,
o governo Lula empurrou para as costas da sociedade brasileira. A
despeito de diversas circunstâncias excepcionalmente favoráveis para
o crescimento da arrecadação, o déficit nas contas da previdência dos
trabalhadores do setor privado cresceu 37,5% em relação a maio de
2005, já descontada a inflação. Isso porque, em razão do aumento do
salário mínimo, de R$ 300 para R$ 350, as despesas com pagamentos de
benefícios para aposentados e pensionistas cresceram bem mais do que
as receitas.

O pior, para os contribuintes que serão compulsoriamente convocados a
cobrir o déficit, é que os péssimos resultados da Previdência são
apenas um dos imensos problemas que, para conquistar o apoio do
eleitorado, o governo Lula vem criando para o equilíbrio das finanças
públicas. A decisão do presidente da República de, contrariando
decisão do Tribunal Superior Eleitoral, aumentar o salário de
diversas categorias do funcionalismo público resultará, já neste ano,
em aumento de R$ 4,3 bilhões nos gastos com pessoal. Em 2007, a
despesa adicional, por conta da generosidade de Lula com o dinheiro
do contribuinte, será de R$ 7,7 bilhões.

Não se questiona o objetivo, deste ou de qualquer outro governo, de
garantir rendimentos adequados a aposentados e remuneração digna para
os servidores. Mas a busca desse objetivo não pode ignorar as
limitações financeiras do governo, pois suas receitas estão
condicionadas à capacidade do contribuinte de pagar impostos. Se
esses limites forem ultrapassados, o resultado será o crescimento do
déficit, provavelmente associado ao aumento da carga tributária, com
resultados danosos para a estabilidade e o crescimento.

Os números de maio da Previdência mostram claramente que, diante de
ações irresponsáveis do ponto de vista fiscal, nem mesmo a combinação
de fatores conjunturais muito favoráveis evita o crescimento rápido
do déficit. Em razão do aumento do número de empregos formais no País
e da maior eficácia da Previdência no combate à fraude e na
recuperação de créditos, a arrecadação líquida no mês passado
alcançou R$ 9,57 bilhões, um recorde histórico destacado pelo
secretário da Previdência Social, Helmut Schwarzer.

Apesar do recorde de receita, houve um déficit de R$ 3,31 bilhões,
por causa do aumento do salário mínimo - que, em vigor desde abril,
só afetou as contas da Previdência em maio - e do reajuste de 5% dos
benefícios de valores superiores a um salário mínimo. É um resultado
muito ruim não apenas quando comparado com o de maio de 2005, mas
também com relação a abril deste ano, pois de um mês para outro o
aumento do déficit foi de 26,7%, acima da inflação.

Nos cinco primeiros meses do ano, a recuperação de créditos totalizou
R$ 3,2 bilhões. Mas nem com esse dinheiro adicional o déficit deixou
de crescer rapidamente. No período janeiro-maio, o saldo negativo da
Previdência alcançou R$ 15,88 bilhões, valor que representa aumento
real de 17,5% em relação ao saldo negativo registrado no período
janeiro-maio de 2005.

Até dezembro, segundo previsões da Previdência, a recuperação de
créditos pode chegar a R$ 7,4 bilhões. Mesmo assim, o déficit, de
acordo com projeções do Ministério do Planejamento, deve chegar a R$
43,2 bilhões. Schwarzer tem projeções mais pessimistas: um déficit de
R$ 45,8 bilhões. A esse quadro de evidente deterioração fiscal, dando
interpretação especiosa a uma decisão do TSE, o governo Lula
acrescenta a concessão de benefícios salariais a 95% do
funcionalismo, ou praticamente 1,7 milhão de servidores. E, com isso,
pressionará a previdência do setor público.

São medidas que seguramente ajudarão o presidente-candidato a
melhorar sua posição na corrida eleitoral, razão pela qual ele e seus
companheiros as comemoram. Mas o País não tem nenhum motivo para
comemorá-las. Tem, isto sim, razões de sobra para se preocupar com
elas, visto que resultam em um custo muito alto, que já está sendo pago.

O nosso indefeso presidencialismo Sandra Cavalcanti Estado

As eleições de 2002 evidenciaram que o regime político do Brasil
continua carregando no ventre o monstro da ingovernabilidade. O
presidente foi eleito com expressiva votação individual, mas seu
partido, o PT, só conseguiu conquistar magros 17% das cadeiras na
Câmara dos Deputados. Ainda que somados às legendas aliadas, o
governo ficou sem maioria parlamentar. Esse é o nosso indefeso
presidencialismo. Quem ocupa a Presidência nessas condições precárias
não tem escolha: tem de buscar uma base majoritária à custa de muitas
concessões e arranjos. O risco do País é enorme. Se o esforço para
organizar a tal base majoritária cai em mãos de pessoas sem
princípios firmes e valores éticos, acontece o que aconteceu. Nascem
daí o valerioduto, o mensalão, os sanguessugas, etc.

O presidente de plantão diz que não sabia de nada, mas ao mesmo tempo
declara que todas essas coisas são useiras e vezeiras em nossa vida
política. Ele tenta confundir o povo, sustentando que, durante a
campanha eleitoral, receber auxilio financeiro de entidades que
deixam de contabilizar essas operações em seus registros fiscais é a
mesma coisa que, depois de eleito e empossado, montar um esquema de
sangria dos cofres públicos para comprar consciências e legendas ,
como única forma de montar uma bancada majoritária obediente e fiel.

Essa diferença precisa ser sempre salientada. Não há como igualar as
duas formas de atuação política. O valerioduto e o mensalão não eram
nem habituais nem sistemáticos em nosso comportamento, como insiste o
ocupante distraído do Planalto. Nada disso havia ocorrido antes no País.

Nosso indefeso presidencialismo já assistiu muitas vezes à instalação
de balcões de negócios e ofertas de cargos e vantagens, mas nada que
se compare ao assalto ao trem pagador que Lula e o PT armaram contra
nós. Só cegos e fanáticos admitem que o chefe maior não sabia de nada
e nunca percebeu coisa alguma.

As eleições estão chegando e os brasileiros estão, ainda, perplexos.
O País está aflito e desconfiado, sentindo-se sem comando e sem rumo.
Os que não têm suficiente discernimento político e se deixam comprar
por qualquer favor, esses talvez ainda queiram que a atual situação
continue. Mas aqueles que conseguem enxergar e analisar o que
ocorreu, para esses o panorama é de desânimo e desesperança. No
fundo, todos torcem e desejam que, nestas próximas eleições , saia
vencedor um candidato que não tenha tomado parte nesse mar de lama.
Um candidato livre dessa maldita herança de corrupção. Livre desses
maus costumes que o PT introduziu em nosso frágil sistema. O País
sonha com alguém que tenha compostura, que não aprove, de forma tão
cúmplice, os desmandos praticados por companheiros salteadores e
invasores de bens alheios ou públicos. Alguém que na escolha de sua
equipe se oriente pelos critérios do mérito e da competência.

Temos esse desejo e sonhamos esse sonho. Vamos lutar e trabalhar para
que isso se torne realidade e o Brasil possa ver sua alma limpa
renascer. No entanto, mesmo que sejamos vitoriosos - e acredito que
seremos - temos de encarar a dura realidade de nosso indefeso
presidencialismo. Não adianta só eleger um excelente candidato. É
absolutamente imprescindível garantir-lhe uma bancada majoritária
fiel e solidária. É preciso não esquecer o fato de que as eleições
parlamentares vão ocorrer na mesma data e que para elas não haverá
segundo turno. Votou, está votado! Ganhou, está eleito!

Infelizmente, o nosso indefeso presidencialismo depende desse sistema
eleitoral, que garante aos deputados um mandato com prazo fixo de
quatro anos e mais um monte de direitos, inclusive o de mudar de
partido quantas vezes quiser e não acompanhar as questões fechadas na
bancada. Os correligionários do presidente, por exemplo, só o apóiam
se quiserem. Até para conseguir um bom orçamento, para obter leis
importantes, para reformar e agilizar a administração, tudo tem de
ser negociado! Tem sido assim ao longo dos anos. Quantas iniciativas
legais, decisivas para o desenvolvimento do País, continuam
engavetadas, à espera do apoio parlamentar? Quantos projetos? Quantas
escolas? Quantos hospitais? Quantas estradas? Quantos portos? Quantas
ferrovias? Quantos centros de pesquisa?

Não temos partidos fortes porque o voto proporcional acaba com eles,
por dentro, e depois a infidelidade partidária os destrói por fora.
Não há punição para a traição e para a venda das consciências. Isso
faz da atividade política um enorme sacrifício para as pessoas de bem
e, como conseqüência, os parlamentares se tornam o alvo predileto da
desmoralização perante o eleitorado, cada vez mais distante e
descrente. Aliás, vale sempre a indagação: neste nosso indefeso
presidencialismo, qual a força permanente do eleitor? Qual o seu
papel quando o Parlamento se comporta assim? Pode o eleitor fazer
alguma coisa além de ir para a rua, pintar a cara e xingar? Se a
democracia é o governo do povo, para o povo e pelo povo, não seria
justo chamar o povo sempre que houvesse correções a fazer?
Infelizmente, essa solução democrática não existe no regime
presidencialista.

Sem voto distrital, sem fidelidade partidária, sem a exigência de um
desempenho mínimo dos partidos, corremos o risco de ter de novo o
pesadelo de um presidente sem maioria parlamentar e uma maioria
parlamentar sem presidente!

No nosso presidencialismo indefeso, qualquer governo já nasce fraco,
pois vai depender de barganhas com partidos sem comando, com legendas
sem eleitorado e com parlamentares sem compromisso.

Alckmin sabe disso. Já avisou que vai enviar o projeto de reforma
política no primeiro dia de seu mandato. É o caso de perguntar ao
eleitor: como votará o seu candidato nesse caso? Só vote em quem
assumir, também, esse compromisso.

Folha de S.Paulo - Alckmin sobe 7 pontos, mas Lula ainda vence no 1º turno - 30/06/2006


Exposto na TV, tucano reduz vantagem do petista, que fica estável, 17
pontos à frente

Presidente, com 46%, segue com votação acima da sua média entre as
classes D e E; eventual 2º turno também registra subida de Alckmin

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O candidato à Presidência da República Geraldo Alckmin (PSDB) subiu
sete pontos percentuais e tem hoje 29% das intenções de voto em todo
o país, revela nova pesquisa Datafolha realizada ontem e anteontem.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato à reeleição,
oscilou para 46%. Ele tinha 45% em levantamento feito nos dias 23 e
24 de maio.
A despeito da reação de Alckmin, Lula continuaria vencendo no
primeiro turno se a eleição fosse hoje. O petista teria 54% dos votos
válidos (excluídos nulos e brancos) Äpara que não haja segundo turno,
precisará ter ao menos 50% mais um em 1º de outubro. Alckmin tem 35%
dos votos válidos.
O Datafolha também perguntou aos entrevistados em quem votariam em um
eventual segundo turno. Lula venceria por 51% a 40%.
O levantamento mostra que a eleição presidencial continua polarizada
entre eleitores de diferentes classes e de maior e menor
escolaridade. Há ainda uma polarização regional entre Norte/Nordeste
e Sul.
Lula tem 52% das intenções de voto entre os eleitores com apenas o
ensino fundamental. Alckmin tem 23%. Entre os com ensino superior, o
tucano vence por 42% a 31%.
Na divisão por classificação econômica, o petista lidera por 54% a
20% entre eleitores das classes D e E. Entre os das classes A e B,
Alckmin aparece com 39%. Lula, com 34%.
Finalmente, o petista bate Alckmin por 64% a 17% no Nordeste. Mas
perde no Sul por 37% a 30%. A maior proximidade entre Lula e Alckmin
ocorre no Sudeste, maior colégio eleitoral do país: 39% a 34%.
A pesquisa Datafolha concluída ontem foi a primeira feita após a
escolha formal dos presidenciáveis. Os candidatos Enéas Carneiro
(Prona, 4% em maio) e Roberto Freire (PPS, 2%) desistiram.
A reação de Alckmin, que passou de 22% para 29%, coincidiu com uma
forte exposição do tucano no rádio e na TV nas inserções do programa
partidário do PSDB em junho.
No período, o PT sofreu fortes ataques do PFL. O partido, coligado ao
PSDB nessas eleições, usou parte de seu programa na TV para atacar Lula.
Em junho, o PSDB teve 20 minutos de programa partidário em cadeia
nacional de rádio e TV. Teve ainda cinco dias de pequenas inserções
nacionais que somaram 25 minutos.
O PFL teve mais 11 minutos em cadeia nacional e 20 minutos em
inserções estaduais. Em alguns desses programas, o PFL exibiu
desenhos animados
(intitulados "Enquanto isso na PTlândia") que bateram diretamente em
Lula.
No caso do PT, a última grande exposição em rádio e TV ocorreu em 25
de maio -20 minutos de programa.
O final de junho também foi marcado por um aumento da temperatura
eleitoral. Na convenção nacional do PT, no sábado, Lula atacou o
governo FHC (1995-2002). O petista disse que o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso levou
o país para o "buraco". No domingo, FHC disse que Lula ganha dele "em
corrupção".

Outros candidatos
Bem atrás de Lula e Alckmin aparece Heloísa Helena (PSOL), com 7%.
Cristovam Buarque (PDT) tem 1%, mesmo percentual que José Maria
Eymael (PSDC) e Rogério Vargas (PSC). Luciano Bivar (PSL) e Rui
Pimenta (PCO) foram citados mas não chegaram a 1%.

Folha de S.Paulo - Eleições 2006/Datafolha: Sem Enéas e Garotinho, rejeição de Lula é a maior - 30/06/2006

Não votariam no petista em nenhuma hipótese 31% dos eleitores
entrevistados

Após programas do PSDB na TV, Alckmin sobe de 9% para 15% na pesquisa
espontânea, enquanto Lula passa de 31% para 35%

DA REPORTAGEM LOCAL

Com a desistência de Enéas Carneiro (Prona) e Anthony Garotinho
(PMDB) da disputa presidencial de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) é agora o campeão da rejeição entre os brasileiros.
O petista é rejeitado por 31% dos eleitores entrevistados.
Eles declaram que não votariam "de jeito nenhum" em Lula no primeiro
turno desta eleição. No final do mês de maio, na penúltima pesquisa
Datafolha, a rejeição de Enéas atingia 35% e a de Garotinho, 33%.
Os candidatos Heloísa Helena (PSOL) e Geraldo Alckmin (PSDB) têm
rejeição parecida, dentro da margem de erro da pesquisa, de dois
pontos percentuais para mais ou para menos. Heloísa Helena aparece
com 21%, e Alckmin, com 19%.
Os outros cinco candidatos credenciados para a disputa presidencial
também têm índices de rejeição próximos, variando de 16% a 18%.
Naturalmente, os índices mais altos de rejeição ao presidente seguem
a mesma tendência de polarização do eleitor: eles são maiores entre
os eleitores que estudaram mais, que ganham mais e que vivem na
região Sul do país.
A pesquisa Datafolha mostra ainda que, na opinião dos eleitores, as
piores características de Lula estão relacionadas a temas ligados à
"desonestidade", à "corrupção" e à "ética".

Voto espontâneo
O levantamento mostrou ainda que Lula e Alckmin sobem praticamente na
mesma
velocidade entre as intenções de voto espontâneas dos eleitores.
Nesse caso, o entrevistador pergunta ao entrevistado em quem ele
pretende votar, sem que sejam apresentados os nomes dos candidatos na
disputa. Lula aparece com 35%, e Alckmin, com 15%. O petista subiu
quatro pontos, e o tucano, seis pontos em relação à pesquisa
anterior, em 23 e 24 de maio.
A evolução dos dois candidatos na pesquisa espontânea tem sido
praticamente a mesma desde o início de 2006. De janeiro até agora,
Lula subiu 12 pontos, e Alckmin, 11. A pesquisa espontânea também
revelou que a taxa de eleitores indecisos em relação à escolha de um
candidato é hoje a menor desde dezembro de 2004. À época, 55% dos
pesquisados não sabiam em quem votar. Hoje, o indecisos são 36%.

Interesse pela eleição
Comparada às disputas de 1994 e 2002, a eleição de 2006 é a que
desperta o maior interesse entre os eleitores, ainda que reduzido
para uma minoria.
Há 12 anos, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB)
foi eleito pela primeira vez, 31% dos eleitores não demostravam
nenhum interesse na eleição. Em junho de 2002, 23% não se
interessavam pelo processo. Hoje, são apenas 20% os desinteressados.
A taxa dos entrevistados que demonstram algum interesse na eleição
atinge hoje 79%, contra 68% há 12 anos.

quinta-feira, junho 29, 2006

Um BC excessivamente neutro editorial

O Estado de S. Paulo
29/6/2006

Parece haver um acordo tácito entre as autoridades monetárias e o
governo: este respeita a política do Banco Central (BC) e aquelas
procuram não criticar a gestão da economia. Daí a impressão de que o
Relatório da Inflação do BC, que no passado fornecia uma análise
profunda da situação econômica do País e seus problemas, se limita
agora a repetir o que se lê nas atas do Comitê de Política Monetária
(Copom).

A leitura do Sumário, à qual devem se limitar muitos empresários que
não têm tempo de ler a íntegra, de 130 páginas, referente ao segundo
trimestre do ano, oferece uma visão otimista da situação da economia
brasileira. Depois da perturbação ocorrida no mercado financeiro
internacional, esperava-se que o BC centrasse sua análise nas
possíveis repercussões sobre a economia interna. Na realidade, o BC
mostra intrigante tranqüilidade, seguro de que a melhoria dos
fundamentos que sua política favoreceu permite ao Brasil atravessar
ileso essa tempestade.

Os efeitos da crise aparecem unicamente na pequena revisão da
previsão de inflação, medida pelo IPCA: de 3,7% para 3,8% neste ano e
de 3,9% para 4,2% no próximo, mantida a projeção de crescimento de 4%
em 2006 e de um confortável superávit em transações correntes do
balanço de pagamentos.

Depois da publicação do Relatório, Luiz Fernando Cezário, um analista
do banco HSBC, opina que o Copom poderá promover, até o final do ano,
duas reduções da Selic: uma de 0,50 e outra de 0,25 ponto de
porcentagem.

No passado, o presidente do BC, Henrique Meirelles, explicava com
razão que a Selic se mantinha elevada por causa das contas fiscais.
Hoje, o Relatório analisa com grande neutralidade as perspectivas das
contas públicas, sem dar nenhum destaque aos efeitos da elevação do
salário mínimo, nem dos gastos com o funcionalismo, limitando-se a se
mostrar satisfeito com a manutenção de um superávit primário de 4,25%
do PIB, quando seria necessário reduzir o déficit nominal para evitar
um crescimento da dívida mobiliária interna federal, que representa o
ponto fraco da nossa conjuntura econômica, num período em que a
liquidez internacional encolheu.

Não cabe ao BC sugerir medidas para a administração da economia,
ainda mais em período eleitoral. No entanto, se o propósito do
Relatório da Inflação, como diz sua introdução, é “delinear um
cenário prospectivo”, seria desejável que fizesse uma análise mais
crítica para 2007.

O novo ponto fraco do Brasil artigo - Rolf Kuntz


O Estado de S. Paulo
29/6/2006

A vulnerabilidade externa do Brasil mudou de lugar. Saiu do balanço
de pagamentos e se transferiu para a diplomacia. Os números
divulgados ontem pelo Banco Central (BC), no relatório trimestral de
inflação, mostram uma grande melhora na capacidade brasileira de
liquidar os compromissos com o exterior. Ontem mesmo a agência Fitch
de classificação anunciou a melhora da nota brasileira de BB- para
BB, um reflexo do fortalecimento das contas externas e dos
fundamentos da economia. Que as informações tenham saído no mesmo dia
pode ter sido casualidade, mas a decisão da agência realça a
importância da evolução apontada pelo BC.

Também ontem foi divulgada no site do jornal Última Hora, de
Assunção, a disposição do governo paraguaio de vender à Venezuela
bônus referentes à dívida de Itaipu no valor de US$ 3 bilhões. O
presidente paraguaio, Nicanor Duarte Frutos, fará a oferta ao colega
venezuelano Hugo Chávez na cerimônia de ingresso da Venezuela como
sócio pleno do Mercosul, em julho. Se isso ocorrer, também o governo
paraguaio ficará na dependência do presidente venezuelano. Haverá uma
brecha para Chávez se intrometer também nos assuntos de Itaipu, até
agora um empreendimento conjunto de Brasil e Paraguai. Chávez já
comprou títulos argentinos sem liquidez internacional, apoiou o
governo boliviano contra o Brasil e em breve poderá usar o Mercosul
como novo palanque.

Itaipu só existe porque o Brasil financiou sua construção. O Paraguai
cedeu território para a obra e se tornou, como sócio da usina,
vendedor de energia elétrica ao seu vizinho. O preço dessa energia
tem sido um fator de controvérsia entre os dois parceiros, mas o
assunto foi sempre resolvido, até agora, entre ambos. Ao anunciar a
intenção de incluir a Venezuela no jogo, o presidente paraguaio
confirma a disposição de adotar nova estratégia de ação regional.

O negócio entre Paraguai e Venezuela pode ou não dar certo, mas a
notícia divulgada em Assunção é mais um sinal de problemas para o
Brasil. O conflito com a Bolívia a respeito do preço do gás continua
sem solução. Agricultores brasileiros em território boliviano
permanecem ameaçados de expropriação. No Mercosul em frangalhos, o
governo brasileiro continua a ceder às conveniências comerciais da
indústria argentina. A última rendição foi a assinatura, nesta
semana, do novo acordo sobre o setor automotivo - agora sem prazo
para liberalização do intercâmbio.

Tudo isso é produto de uma política regional guiada por fantasias de
liderança terceiro-mundista. Os defensores dessa diplomacia contestam
o rótulo. Não podem, no entanto, apagar os fatos. E o conjunto dos
fatos inclui, para começar, a crise do Mercosul, uma união aduaneira
incapaz de funcionar como área de livre comércio e de atender às
expectativas dos sócios menores. Inclui também a incômoda aliança
entre o presidente Chávez e seu colega boliviano Evo Morales, assim
como a dependência financeira da Argentina em relação à Venezuela.

Quanto aos governos imunes à sedução de Chávez, têm como prioridade,
na diplomacia comercial, a aproximação com os Estados Unidos. Se
tiverem sucesso, seus países serão pólos de atração de investimentos
industriais, pois oferecerão mão-de-obra barata e disporão de acesso
preferencial ao mercado americano. As empresas criadas ou
fortalecidas com esses investimentos competirão com as indústrias
brasileiras. Brasília parece desconhecer esse detalhe. Industriais
brasileiros não o desconhecem e por isso estudam a possibilidade de
investir nesses países.

A esquerda continua a aplaudir essa diplomacia, como se fosse um
grande sucesso. Mas o verdadeiro sucesso tem resultado de ações
habitualmente repudiadas por esse público e por uma parte do governo.
O aumento da exportação resultou de políticas iniciadas antes de 2003
e da ação de empresas dispostas a conquistar mercados. A maior parte
dos setores tem contribuído para o superávit comercial, mas a
principal usina geradora de dólares continua a ser o abominado
agronegócio. A diminuição da dívida externa, alardeada pelo
presidente como se fosse uma nova proclamação da independência, foi
conseqüência de políticas condenadas dentro de seu gabinete.

Uma redução maior da vulnerabilidade ainda vai depender de uma
arrumação mais ampla e mais segura das contas públicas. Se for
mantida a política de gastos e de bondades fiscais dos últimos meses,
as brechas vão crescer também desse lado.

Jeitinho republicano Coluna - Carlos Alberto Sardenberg

O Globo
29/6/2006

Então ficamos assim: um só reajuste salarial para todo o
funcionalismo federal não pode; vários reajustes para todas as
categorias, isso pode.

Observada a situação com o simples bom senso, porém, parece que dá no
mesmo. Os funcionários receberão seus contracheques com os novos
salários após as Medidas Provisórias editadas ou a serem editadas
pelo presidente Lula. E se a lei eleitoral diz que não se pode
conceder reajuste salarial no período de 180 dias antes das eleições
(no caso, desde 4 de abril último), então todas as MPs são ilegais.

Aliás, é o que concluiu o presidente do Superior Tribunal Eleitoral,
ministro Marco Aurélio Mello.

Mas não é tão simples assim, argumenta, entre outros, o ministro do
Planejamento, paulo bernardo, baseando-se em informações de fonte
boa, ninguém menos que a presidente do Supremo Tribunal Federal,
Ellen Gracie.

O objetivo da restrição legal a reajustes é impedir o uso eleitoral
dessa bondade. O governante vai segurando os aumentos ao longo do
mandato e, quando chega de novo perto da eleição, libera geral. Foi
assim durante muito tempo, até a introdução, recente, do conceito de
responsabilidade fiscal. Ficou assim proibida a concessão de reajuste
para os servidores 180 dias antes da eleição.

Mas aí entra em vigor a cultura do jeitinho jurídico — a mesma que
produziu os megassalários do Judiciário e das demais carreiras
jurídicas, sempre acima do teto. Assim como neste caso se introduziu
a pergunta — mas o que conta para o teto? — também agora se cria a
questão: a qual reajuste se refere a lei?

A interpretação utilizada pelo governo, com o suposto apoio da
ministra Gracie, sustenta que a lei só proíbe o reajuste concedido
universalmente a todos os funcionários, no mesmo percentual e acima
da inflação. O que leva à conclusão: vários reajustes, em percentuais
diferentes, isso pode.

Por essa interpretação, portanto, a lei proíbe uma bondade eleitoral,
mas não várias superbondades. Para deixar bem claro: um reajuste só
de 4,6% (0,1 ponto percentual acima da meta de inflação) não pode.
Vários reajustes abrangendo 95% dos funcionários e variando de 100% a
200% acima da inflação, pode.

O argumento também viabiliza o novo plano de cargos e salários dos
servidores do Judiciário, reivindicado pela ministra Gracie. O seu
resultado é que todos os servidores terão um substancial aumento
salarial real — mas não é aumento, é plano de cargos.

Tudo considerado, de duas, uma: ou o legislador pretendeu coibir o
uso da máquina pública no período pré-eleitoral, e aí estão proibidos
todos os reajustes — quer resultem de reajuste mesmo, de
reclassificação ou plano de cargos —- ou enganou a gente, prometendo
austeridade, mas abrindo brechas.

Há, de fato, uma prática histórica de se procurar a brecha, o
jeitinho. Há muitos anos, a lei estabeleceu que nenhum servidor
poderia ganhar mais que o funcionário número um, o presidente da
República. Esse era o espírito da regra. Aí, começaram a tirar
pedaços do teto: vantagens pessoais não contam, tal e qual benefício
fica fora, acumulação de aposentarias, idem. E assim, chegou-se à
situação em que muitos servidores ganham mais de três vezes o salário
do chefe.

Quando é o próprio governo federal que procura a brecha e quando
tribunais têm interesse em aumentar salários, a coisa fica mais fácil.

Sem contar que há aí uma ameaça de conflito político com os
funcionários, aos quais os aumentos já foram prometidos e alguns,
concedidos. O presidente Lula defendeu a concessão, disse que os
reajustes são justos e que, por ele, ficam. Mas se o Tribunal
Eleitoral vetar, o que se vai fazer? E assim, jogou o funcionalismo
contra o Tribunal ou contra o ministro Marco Aurélio, autor da
interpretação de que os reajustes posteriores a 4 de abril são ilegais.

O presidente jogou para o eleitor. Neste caso, não está em questão se
os reajustes são justos ou não. E, diga-se logo, muitos reajustes são
mais do que justos, são necessários. A questão é o cumprimento
estrito da regra republicana que trata de impedir o governante de
usar o recurso público em sua campanha. A dúvida quanto à data limite
para a concessão dos reajustes foi bastante debatida dentro do
governo. Se, por prudência, as MPs tivessem sido editadas até 3 de
abril, tudo bem.

Agora, ficam quebra-galhos nada republicanos, disputas nos tribunais
e ameaça de conflitos com o funcionalismo. Pior, seria difícil.

Em busca de brechas na lei

editorial
O Estado de S. Paulo
29/6/2006

Seria hilariante se não fosse um retrato dos tristes costumes
políticos nacionais. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) parece não
ter mãos a medir para responder a tempo e hora - a uma semana do
início oficial da campanha para o pleito de outubro - à chusma de
consultas que lhe fazem os políticos sobre os limites entre o
permitido e o proibido na temporada de caça ao voto. Mais do que o
número de indagações, é o conteúdo da grande maioria delas que deixa
transparecer o que de fato as origina - não uma preocupação nórdica,
por assim dizer, com o irrepreensível cumprimento da legislação
eleitoral, mas a esperteza de descobrir quais os seus interstícios
pelos quais poderão se esgueirar os transgressores das regras do
jogo, fingindo obedecê-las.

Em abril passado, o Congresso aprovou - e o presidente Lula sancionou
no mês seguinte - a chamada minirreforma eleitoral, que mereceria ser
chamada Lei Delúbio por seu intuito de estreitar a margem para o vale-
tudo no caminho das urnas. Sob o impacto do mensalão, que não foi
sinônimo de uso de caixa 2, como o PT quis fazer crer, mas um delito
dele indissociável, os legisladores buscaram dois objetivos: baratear
o custo das campanhas e impor aos partidos requisitos mais severos em
matéria de entradas e saídas de dinheiro para os seus candidatos e
respectivas prestações de contas. Numa ponta, eliminaram-se os
showmícios e os outdoors, entre outras práticas. Na outra, por
exemplo, tornaram-se os candidatos co-responsáveis pelos atos de seus
tesoureiros e vedou-se a circulação de dinheiro vivo.

Na regulamentação da lei, o TSE, fiel a uma velha tradição
brasileira, mergulhou no detalhismo, como se a probabilidade de
obediência às leis fosse tão maior quanto mais minuciosas as suas
provisões - haja vista para a adiposa Constituição de 1988.
Naturalmente, o cuidado obsessivo com a microgestão das normas legais
produz um efeito distinto: anima os interessados em driblá-las a
forçar definições judiciais com boas chances de que lhes sejam
favoráveis. Assim, proibida a distribuição de brindes, como
camisetas, eis que os políticos batem às portas do TSE para saber se
elas podem ser vendidas. Se a resposta for positiva, nada os impedirá
de vendê-las a R$ 1 a dúzia. E os santinhos, trevos de quatro folhas,
calendários, marcadores de livros - estes podem ser dados?

Eis um tema de alta importância para a chamada lisura do pleito.
Outra dúvida, esta do candidato do PC do B ao governo do Distrito
Federal, deputado Agnelo Queiroz, leva a perguntar o que beira mais o
patético: o gosto dos legisladores por medidas saneadoras não raro
cosméticas, a propensão dos juízes a se munir de lupas para
interpretar o texto legal, ou a peculiar mentalidade dos políticos? O
parlamentar quer que o TSE diga se a lei autoriza a distribuição de
biobrindes, como raízes, folhas e sementes de plantas do Norte e
Nordeste, presumivelmente para os eleitores originários dessas
regiões. Momentosa questão também a dirimir é se as equipes dos
candidatos podem ou não usar uniformes com os seus nomes, números e
as caras.

Astutamente, há quem procure outra resposta. Abolidos os showmícios,
será que não se poderiam montar eventos com a presença de cantores,
desde que não cantem? Ou, sem eles, mas com gravações aos cuidados de
DJs, além de trios elétricos e telões com videoclipes? Algumas graves
decisões a Justiça Eleitoral já tomou: adesivos, flâmulas e
bandeirolas foram liberadas, assim como bonecos fixos e placas de
propaganda de no máximo 4 metros quadrados. Mas aí vem a pergunta:
poderia um candidato emendar tantas de tais placas a ponto de o
conjunto ficar do tamanho dos proibidos outdoors? A bem da verdade,
nem tudo é essa ridicularia atroz. O problema da propaganda
institucional do governo é substantivo. O TSE a vetou, salvo em casos
de urgência e calamidade, e a Advocacia-Geral da União recorreu.

Já o que os brasileiros querem saber é se a Justiça está
suficientemente estruturada e motivada para garantir que a
minirreforma eleitoral produza efeitos à altura de suas boas
intenções no que realmente interessa - o banimento da dinheirama que
sempre corre por baixo dos panos nas campanhas. Em 2002, para citar
um exemplo que entrou para história, o PT, via Marcos Valério, pagou
a Duda Mendonça, em contas no exterior, R$ 10,5 milhões. Coisas do
gênero não se repetirão impunemente este ano?

A 5ª Internacional Artigo - Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo
29/6/2006

HOJE O CONGRESSO Nacional recebe uma carta pública, firmada por 114
intelectuais, artistas e ativistas de movimentos negros, contra os
projetos de lei de cotas raciais e do chamado Estatuto da Igualdade
Racial (leia a íntegra da carta à página A3). O sociólogo americano
Edward Telles, que não a assina, "pescou" o texto na internet e
publicou-o no boletim eletrônico da Brazilian Studies Association.
Acrescentou um cabeçalho no qual "informa" que ele "circulou no
Brasil com o título "Manifesto da Elite Branca'". Telles foi diretor
de programas da Fundação Ford (FF) no Rio de Janeiro na década de 90.
A FF inspirou o multiculturalismo e os programas de cotas raciais nos
EUA, atuando em estreita conexão com os governos Johnson (1963-69) e
Nixon (1969-74). McGeorge Bundy, assessor de segurança nacional de
Johnson, um entusiasta da Guerra do Vietnã, deixou o governo para ser
presidente da FF, cargo que ocupou de 1966 a 1979. Sob Bundy, a
fundação filantrópica, cujo portfólio atual de investimentos
ultrapassa US$ 10,5 bilhões, transformou-se num aparato ideológico
internacional. Nos EUA, na África e na América Latina, o dinheiro da
filantropia passou a irrigar movimentos e ONGs de cunho "étnico" ou
"racial". Nos EUA, vultosos financiamentos da FF "convenceram"
universidades a criar disciplinas voltadas para a produção de
identidades raciais, com sistemas de admissão baseados em cotas.
Paralelamente, milhares de bolsas de estudos foram direcionadas para
a formação de intelectuais-ativistas que se engajam na difusão
internacional do modelo americano de ação afirmativa. No núcleo da
ideologia da FF está a noção de "minorias". As nações não seriam
constituídas por cidadãos, isto é, indivíduos iguais perante a lei,
mas por coletividades definidas pela raça ou etnia. Nessa ordem
política reconstruída, o Estado trocaria o dever de oferecer serviços
públicos universais pela obrigação de conduzir programas seletivos de
"inclusão" das "minorias". Desde a queda do Muro de Berlim, uma
parcela da esquerda, órfã de suas antigas certezas, mas sempre
descrente na democracia, aderiu à plataforma política de Bundy. Na
academia, os intelectuais citam entre aspas e indicam rigorosamente
as fontes. Telles faz isso nos seus trabalhos sobre raça e
discriminação. Mas, na condição de intelectual-ativista, ele não se
importa em falsificar o título e o sentido de um documento público
que critica a doutrina da nova Internacional. Afinal, sua "ética de
resultados" tem o fim útil de elevar o volume das caixas de som para
encobrir as vozes que querem dialogar.

'Assim não dá! artigo - José Carlos Cafundó

O Estado de S. Paulo
29/6/2006

Roberto Rodrigues já havia comunicado ao presidente Lula sua intenção
de sair, em caráter irrevogável. Segundo pessoas muito próximas a
ele, a saúde de sua mulher o preocupa muito, e é motivo preponderante
para que ele deixe o governo. Ponderam, no entanto, que enquanto
ministro, Rodrigues manifestou profundo descontentamento com ações
governamentais e chegou mesmo a dizer que deixaria a pasta com a
famosa expressão: "Assim não dá!"

Num desses episódios, há dois anos, ele havia negociado com a Casa
Civil e alguns setores mais radicais do PT que o governo ficaria
distante da questão dos transgênicos, deixando para o Congresso a
decisão final sobre a liberação do plantio e comercialização de
produtos geneticamente modificados.

Para sua surpresa, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, sob
olhares complacentes do governo, fez, com parlamentares, acintoso
lobby para que o assunto atendesse mais interesses ideológicos que as
razões econômico-sociais da agricultura. Rodrigues disse: "Assim não
dá!"

Em outra ocasião, o ministro manifestou profunda irritação quando
Lula vestiu o boné vermelho do Movimento dos Sem-Terra ao receber
seus representantes e orgulhosamente apareceu na TV e na capa dos
jornais. De novo, Rodrigues ressaltou: "Assim não dá!"

Mas ele foi ficando principalmente porque seus amigos, líderes
rurais, sempre o convenciam a não sair, temendo que a substituição
pudesse levar ao cargo alguém mais próximo das ações de derrubada de
cercas.

Agora, tendo de dar mais atenção ao lar e aos negócios pois, como
plantador de grãos, Rodrigues sente no bolso a queda dos preços
agrícolas, o ministro decidiu ir para casa. Os amigos dizem que ele
será lembrado não pelo que fez pela agricultura,mas pelo que impediu
que fosse feito contra a produção. Evitar a proibição total dos
transgênicos, a deturpação do Protocolo de Cartagena , o desmonte da
Embrapa e do serviço de vigilância sanitária são alguns dos episódios
que, segundo seus amigos, Rodrigues agregará a seu currículo de
serviços ao setor rural.

Mas ele não conseguiu evitar que ganhasse corpo entre os fazendeiros
um protesto sintomático. Eles passaram a ostentar nos carros um
dístico que manifesta o aborrecimento no setor: "Lula, a nova praga
da agricultura".

"Cantar a gente surda e endurecida" Artigo - MARCO ANTONIO VILLA


Folha de S. Paulo
29/6/2006

ESTAMOS CERCADOS por políticos corruptos, criminosos organizados como
grupos terroristas e por autoridades truculentas e incompetentes. Em
meio à maior crise da história recente republicana, que desmoraliza
os fundamentos do Estado brasileiro, a elite política continua sem
saber como enfrentar a gravíssima conjuntura nacional.

O bolsa-família está criando uma geração de "Jecas Tatus high tech",
cuja diferença em relação à matriz lobatiana é o uso do cartão magnético

O governo Lula colecionou grandes fracassos. Na política externa,
conseguiu piorar o que já era ruim. O Itamaraty, de há muito, é uma
mera repartição burocrática, cara e ineficaz.
Dos embates internacionais de que participou nos últimos três anos, o
Brasil perdeu todos. O mais grave é que acabou destruindo o que
funcionava razoavelmente bem, como o Mercosul. No episódio recente,
envolvendo o fornecimento de gás, as autoridades brasileiras agiram
inicialmente como se estivessem do outro lado do balcão, como se
fossem bolivianas. A crise de identidade só foi resolvida graças à
pressão da opinião pública.
Na esfera econômica, retroagimos. O Brasil se transformou em grande
exportador de gêneros agrícolas e de produtos minerais. O setor
secundário está atrasado e não há um projeto de longo prazo para as
indústrias. O país assiste passivamente a revolução tecnológica
mundial, sem ter participação relevante no processo.
As taxas de crescimento da economia nos últimos anos foram pífias,
manteve-se a desigualdade inter-regional e a máquina pública
continuou pesada e arcaica, com quase três dezenas de ministérios e
secretarias.
Entretanto, são louvados como grande sucesso de política pública os
programas assistencialistas que congelam a miséria e a pobreza e
retiram recursos dos investimentos públicos (como na saúde, educação
ou transporte). O bolsa-família, por exemplo, está criando uma
geração de "Jecas Tatus high tech", cuja diferença em relação à
matriz lobatiana é a utilização do cartão magnético para sacar o
benefício. E pobre daquele que no futuro pensar em diminuir ou cortar
tais benefícios: estará assinando sua certidão de óbito política.
No campo legislativo, o panorama é desanimador. Nem bem o Congresso
Nacional enterrou o escândalo do "mensalão", foi revelada mais uma
falcatrua: a compra superfaturada de ambulâncias, que envolve dezenas
de deputados. Além dos gastos abusivos de gasolina, de passagens
aéreas e dos altos salários, a Casa se caracteriza pela inépcia
legislativa e a permanência dos velhos coronéis como senhores de
bancadas estaduais. Sem esquecer que em 2007 teremos, tudo indica, a
volta dos mensaleiros -e como campeões de votos.
Frente a esse quadro desanimador, a oposição eleitoralmente viável se
recusou a entrar em campo. Entregou o jogo para o adversário antes de
começar a partida e abdicou da disputa. Como se o presidente Lula
fosse imbatível, apesar de estar atolado em acusações de corrupção e
sem realizações administrativas de fato. Assim como falhou no ano
passado, quando considerou melhor levar o presidente "sangrando" até
2006, para daí vencer facilmente a eleição, agora os estrategistas da
oposição pensam a longo prazo: a vitória virá em 2010! E nos próximos
quatro anos continuaremos a denunciar os escândalos do governo e a
incompetência administrativa, enquanto outros países crescerão
rapidamente, modernizando seu parque produtivo, a infra-estrutura, a
educação, a saúde, etc. É preciso dar um basta a tudo isso.
Não é possível continuar assistindo esse triste espetáculo de
desmoralização das instituições democráticas. Ainda é tempo de tentar
transformar a campanha eleitoral em, ao menos, palco de discussão dos
grandes problemas nacionais, como está ocorrendo no México. Caso
contrário, o candidato Lula será eleito facilmente no primeiro turno.
A vitória esmagadora, somada à complacência popular em relação à
corrupção e ao desinteresse da elite intelectual pela política,
colocará em risco o futuro da democracia no país. No final de "Os
Lusíadas", Luís de Camões clamou: "Destemperada e a voz enrouquecida,/
E não do canto, mas de ver que venho/Cantar a gente surda e
endurecida./O favor com que mais se acende o engenho/Não no dá a
pátria, não, que está metida/No gosto da cobiça e da rudeza/D'ua
austera, apagada e vil tristeza".
Hoje, grande parte da elite política está no "gosto da cobiça e da
rudeza", e muitos desses também estão na oposição. Isso, talvez,
explique não só a sobrevivência de Lula, como a reeleição em
condições tão favoráveis.

MARCO ANTONIO VILLA é professor de história da Universidade Federal
de São Carlos (SP), e autor, entre outros livros, de "Jango, um
perfil" (Globo).