sexta-feira, junho 30, 2006

EDIDORIAL Estado Lamentação de fachada

Evidentemente sem se dar conta do sentido de suas palavras, o
presidente Lula por pouco não disse na quarta-feira uma grande
verdade. Falando numa siderúrgica em Ouro Branco, Minas Gerais,
afirmou que "o Brasil é o único país em que as eleições impedem que a
gente governe". Ele estava se queixando das restrições que a
legislação eleitoral impõe aos detentores de mandatos executivos nos
meses anteriores aos pleitos - algumas das quais, pelo visto, tratará
de driblar, menos ou mais ostensivamente - como já vinha fazendo
antes da oficialização da sua candidatura. Na realidade, o que o tem
impedido de governar, supondo que tivesse apetite e aptidão para tal,
é a obsessão reeleitoral, que o acompanha e guia os seus passos desde
que colocou os pés no Planalto.

Se, nesses três anos e meio, o presidente tivesse dedicado à
aprendizagem dos rigores do ofício uma fração do tempo que gastou
fazendo turismo eleitoral pelo Brasil, não teria por que reclamar das
limitações legais à ação dos governantes na reta final de seus
mandatos. Quanto mais não fosse, 42 meses efetivamente dedicados à
gestão da coisa pública, até para compensar a inexperiência do
gestor, deixariam um saldo de realizações e iniciativas encaminhadas
- não retóricas, mas reais - que o dispensariam de deplorar o que a
lei em boa hora proíbe para ao menos moderar o uso espúrio dos
recursos de poder dos dirigentes de turno.

Bem pensadas as coisas, porém, a lamentação é de fachada, como, entre
muitas outras, a notória inauguração de um pólo petrolífero no Estado
do Rio, em um terreno que ainda não havia sido nem comprado, e que só
começará a funcionar na próxima década. De mais a mais, a legislação
não coíbe o escandaloso atrelamento do Bolsa-Família aos cálculos
eleitorais de Lula. A inclusão de famílias carentes no programa -
cerca de 1,8 milhão só este mês - segue o ritmo do calendário
sucessório. Sem falar que o governo aumentou de R$ 100 para R$ 120 o
patamar de renda mensal por pessoa que dá direito ao recebimento do
benefício. O fato de 11,1 milhões de famílias já receberem o ajutório
que varia de R$ 15 a R$ 95 por mês (conforme a renda e o número de
filhos) não modifica a sua posição social, mas contribui
decisivamente para o sacolão de votos do presidente.

E o melhor de tudo, para ele - segundo as suas próprias palavras -, é
que "os pobres não dão trabalho". Lula fez essa extraordinária
confissão no mesmo dia em que se queixou da lei eleitoral, desta vez
ao festejar o cumprimento antecipado da meta do Bolsa-Família para
2006, na cidade mineira de Contagem. Depois de o ministro do
Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, pedir que votassem no chefe
("A história vai assegurar mais quatro anos para que possamos
consolidar e ampliar a política social", declamou), ele se pôs a
falar dos pobres em um tom que soou como uma estranha combinação de
piedade, condescendência e desdém - embora a sua intenção fosse falar
mal dos ricos e dos setores organizados da sociedade. Pobres não
aborrecem, foi o que quis deixar consignado.

"Não têm dinheiro para protestar em Brasília, alugar ônibus. Só vão à
igreja rezar e pedir ajuda a Deus", declarou. "Muitas vezes o pobre
quer apenas um pão, enquanto muitas vezes o rico, cada vez que
encosta perto, quer um bilhão." Daí o prazer que disse experimentar
ao fazer política para os pobres. Poucos truques eleitorais hão de
ser mais óbvios do que fazer voto de devoção aos pobres, mesmo de
forma arrevesada, como nesse caso. Mas que importa? A cada dia, o
candidato se mostra mais esquecido de que é presidente de todos os
brasileiros e que um mínimo de circunspecção deve temperar o desfrute
do poder - e a expectativa de um novo mandato. Aplica-se a ele, em
todo caso, o dito de Churchill sobre a impossibilidade de enganar a
todos o tempo todo.

Alguns que o conhecem de perto e se mantiveram fiéis às suas
convicções falam do presidente em termos sombrios. O cientista
político César Benjamin, fundador do PT e companheiro de chapa da
candidata do PSOL ao Planalto, Heloísa Helena, por exemplo, descreve
um político que coloca instituições do Estado a serviço de seus
interesses eleitorais e que "substitui os valores republicanos pela
esperteza". Isso, o País certamente se fartará de ver nos próximos
três meses.