quinta-feira, junho 29, 2006

O novo ponto fraco do Brasil artigo - Rolf Kuntz


O Estado de S. Paulo
29/6/2006

A vulnerabilidade externa do Brasil mudou de lugar. Saiu do balanço
de pagamentos e se transferiu para a diplomacia. Os números
divulgados ontem pelo Banco Central (BC), no relatório trimestral de
inflação, mostram uma grande melhora na capacidade brasileira de
liquidar os compromissos com o exterior. Ontem mesmo a agência Fitch
de classificação anunciou a melhora da nota brasileira de BB- para
BB, um reflexo do fortalecimento das contas externas e dos
fundamentos da economia. Que as informações tenham saído no mesmo dia
pode ter sido casualidade, mas a decisão da agência realça a
importância da evolução apontada pelo BC.

Também ontem foi divulgada no site do jornal Última Hora, de
Assunção, a disposição do governo paraguaio de vender à Venezuela
bônus referentes à dívida de Itaipu no valor de US$ 3 bilhões. O
presidente paraguaio, Nicanor Duarte Frutos, fará a oferta ao colega
venezuelano Hugo Chávez na cerimônia de ingresso da Venezuela como
sócio pleno do Mercosul, em julho. Se isso ocorrer, também o governo
paraguaio ficará na dependência do presidente venezuelano. Haverá uma
brecha para Chávez se intrometer também nos assuntos de Itaipu, até
agora um empreendimento conjunto de Brasil e Paraguai. Chávez já
comprou títulos argentinos sem liquidez internacional, apoiou o
governo boliviano contra o Brasil e em breve poderá usar o Mercosul
como novo palanque.

Itaipu só existe porque o Brasil financiou sua construção. O Paraguai
cedeu território para a obra e se tornou, como sócio da usina,
vendedor de energia elétrica ao seu vizinho. O preço dessa energia
tem sido um fator de controvérsia entre os dois parceiros, mas o
assunto foi sempre resolvido, até agora, entre ambos. Ao anunciar a
intenção de incluir a Venezuela no jogo, o presidente paraguaio
confirma a disposição de adotar nova estratégia de ação regional.

O negócio entre Paraguai e Venezuela pode ou não dar certo, mas a
notícia divulgada em Assunção é mais um sinal de problemas para o
Brasil. O conflito com a Bolívia a respeito do preço do gás continua
sem solução. Agricultores brasileiros em território boliviano
permanecem ameaçados de expropriação. No Mercosul em frangalhos, o
governo brasileiro continua a ceder às conveniências comerciais da
indústria argentina. A última rendição foi a assinatura, nesta
semana, do novo acordo sobre o setor automotivo - agora sem prazo
para liberalização do intercâmbio.

Tudo isso é produto de uma política regional guiada por fantasias de
liderança terceiro-mundista. Os defensores dessa diplomacia contestam
o rótulo. Não podem, no entanto, apagar os fatos. E o conjunto dos
fatos inclui, para começar, a crise do Mercosul, uma união aduaneira
incapaz de funcionar como área de livre comércio e de atender às
expectativas dos sócios menores. Inclui também a incômoda aliança
entre o presidente Chávez e seu colega boliviano Evo Morales, assim
como a dependência financeira da Argentina em relação à Venezuela.

Quanto aos governos imunes à sedução de Chávez, têm como prioridade,
na diplomacia comercial, a aproximação com os Estados Unidos. Se
tiverem sucesso, seus países serão pólos de atração de investimentos
industriais, pois oferecerão mão-de-obra barata e disporão de acesso
preferencial ao mercado americano. As empresas criadas ou
fortalecidas com esses investimentos competirão com as indústrias
brasileiras. Brasília parece desconhecer esse detalhe. Industriais
brasileiros não o desconhecem e por isso estudam a possibilidade de
investir nesses países.

A esquerda continua a aplaudir essa diplomacia, como se fosse um
grande sucesso. Mas o verdadeiro sucesso tem resultado de ações
habitualmente repudiadas por esse público e por uma parte do governo.
O aumento da exportação resultou de políticas iniciadas antes de 2003
e da ação de empresas dispostas a conquistar mercados. A maior parte
dos setores tem contribuído para o superávit comercial, mas a
principal usina geradora de dólares continua a ser o abominado
agronegócio. A diminuição da dívida externa, alardeada pelo
presidente como se fosse uma nova proclamação da independência, foi
conseqüência de políticas condenadas dentro de seu gabinete.

Uma redução maior da vulnerabilidade ainda vai depender de uma
arrumação mais ampla e mais segura das contas públicas. Se for
mantida a política de gastos e de bondades fiscais dos últimos meses,
as brechas vão crescer também desse lado.