quinta-feira, junho 29, 2006

A 5ª Internacional Artigo - Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo
29/6/2006

HOJE O CONGRESSO Nacional recebe uma carta pública, firmada por 114
intelectuais, artistas e ativistas de movimentos negros, contra os
projetos de lei de cotas raciais e do chamado Estatuto da Igualdade
Racial (leia a íntegra da carta à página A3). O sociólogo americano
Edward Telles, que não a assina, "pescou" o texto na internet e
publicou-o no boletim eletrônico da Brazilian Studies Association.
Acrescentou um cabeçalho no qual "informa" que ele "circulou no
Brasil com o título "Manifesto da Elite Branca'". Telles foi diretor
de programas da Fundação Ford (FF) no Rio de Janeiro na década de 90.
A FF inspirou o multiculturalismo e os programas de cotas raciais nos
EUA, atuando em estreita conexão com os governos Johnson (1963-69) e
Nixon (1969-74). McGeorge Bundy, assessor de segurança nacional de
Johnson, um entusiasta da Guerra do Vietnã, deixou o governo para ser
presidente da FF, cargo que ocupou de 1966 a 1979. Sob Bundy, a
fundação filantrópica, cujo portfólio atual de investimentos
ultrapassa US$ 10,5 bilhões, transformou-se num aparato ideológico
internacional. Nos EUA, na África e na América Latina, o dinheiro da
filantropia passou a irrigar movimentos e ONGs de cunho "étnico" ou
"racial". Nos EUA, vultosos financiamentos da FF "convenceram"
universidades a criar disciplinas voltadas para a produção de
identidades raciais, com sistemas de admissão baseados em cotas.
Paralelamente, milhares de bolsas de estudos foram direcionadas para
a formação de intelectuais-ativistas que se engajam na difusão
internacional do modelo americano de ação afirmativa. No núcleo da
ideologia da FF está a noção de "minorias". As nações não seriam
constituídas por cidadãos, isto é, indivíduos iguais perante a lei,
mas por coletividades definidas pela raça ou etnia. Nessa ordem
política reconstruída, o Estado trocaria o dever de oferecer serviços
públicos universais pela obrigação de conduzir programas seletivos de
"inclusão" das "minorias". Desde a queda do Muro de Berlim, uma
parcela da esquerda, órfã de suas antigas certezas, mas sempre
descrente na democracia, aderiu à plataforma política de Bundy. Na
academia, os intelectuais citam entre aspas e indicam rigorosamente
as fontes. Telles faz isso nos seus trabalhos sobre raça e
discriminação. Mas, na condição de intelectual-ativista, ele não se
importa em falsificar o título e o sentido de um documento público
que critica a doutrina da nova Internacional. Afinal, sua "ética de
resultados" tem o fim útil de elevar o volume das caixas de som para
encobrir as vozes que querem dialogar.