terça-feira, janeiro 31, 2006

Ladrão não mais', diz Fernando Henrique Cardoso

o globo PLANTÃO

Ladrão não mais', diz Fernando Henrique Cardoso

Flávio Freire - O Globo

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse nesta segunda-feira que o PSDB deve impor durante a eleição presidencial deste ano a discussão sobre corrupção que assolou o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Jogando duro contra o governo federal, Fernando Henrique chegou a dizer que o país não deve dar mais espaço para ladrões e que Lula terá que passar toda a campanha se explicando sobre a corrupção que "chegou lá em cima".

- O PSDB tem que saber o que interessa discutir na campanha. E não embarcar na discussão que interessa ao governo. Tem que saber o que nos interessa, e forçar essa agenda. Tem que puxarpara briga. Se você não tem capacidade para definir a agenda, você perde (...) Não podemos embarcar nos nossos companheiros que estão lá em cima, não. A conversa deles é de que essa questão moral não conta mais. Conta, sim. Ladrão não mais - disse o ex-presidente, durante uma palestra para reinauração do Instituto Social Democrata, uma organização formada por cardeais tucanos.

- O presidente Lula tem toda uma explicação para dar ao país. O tempo todo ele vai ter que voltar a temas desagradáveis, mas vai ter que voltar durante a campanha. E não é o tema da corrupçãoapenas, porque isso não adianta voltar porque todomundo já sabe que teve muita. Ele também vai ter que explicar porque prometeu e não cumpriu tanta coisa.

O ex-presidente Fernando Henrique disse que, ao contrário do que parlamentares ligados ao governo dizem, os tucanos não são farinha do mesmo saco.

- Eles (petistas) decidiram agora dizer que todo mundo é igual, farinha do mesmo saco. Não somos, não. Nem todo mundo é igual a eles.

31/01/2006 - 10h20m

Editorial de O GLOBO

A Era Greenspan

Quando Alan Greenspan encerrar hoje o expediente na presidência do Federal Reserve, o Banco Central americano, será fechado um ciclo histórico. Com 79 anos, 18 dos quais à frente do Fed, mandato só inferior ao de McChesney Martin Jr. (1951-70), Greenspan se aposenta talvez como o mais influente dos zeladores da política monetária americana, um ícone mundial. O desafio de substituí-lo caberá a Ben Bernanke, 52 anos, acadêmico com a experiência de ter sido da equipe de diretores do Fed, e conhecedor dos meandros da Casa Branca, por chefiar a assessoria econômica de George W. Bush.

As quase duas décadas da Era Greenspan se constituem num compêndio de exercício do poder. Nos anos 90, escudado na independência legal do Fed, resistiu a pressões de George Bush, republicano como ele, para afrouxar os juros enquanto tentava se reeleger e ficar na Casa Branca. Em vão. O Fed se manteve firme, os preços cederam, junto com a perda de ritmo da economia. E republicanos culparam Greenspan pela vitória do democrata Clinton. O que não impediu, anos depois, o filho de George mantê-lo no cargo.

Greenspan deu fartas demonstrações de competência técnica. Por exemplo, ao vislumbrar os ganhos de produtividade por trás da revolução digital, enquanto apontava os riscos da “exuberância irracional” da bolha especulativa inflada a partir de meados da década de 90 em Wall Street. Mas os elogios nunca foram unânimes. Não se deixa, porém, de reconhecer que sob Greenspan a economia americana passou por um dos seus mais longos ciclos contínuos de crescimento.

Para administrar a herança de Greenspan, Bernanke, além dos conhecimentos técnicos que domina, precisará contar também com alguma sensibilidade como a que Greenspan trouxe da vivência de músico de jazz na juventude.

À espera dele estão uma bolha especulativa no mercado imobiliário e um enorme desequilíbrio nas contas externas e internas americanas. Que só fecham por causa das aplicações das reservas internacionais da China, do bloco asiático em geral e da Índia. Ao lado disso, revelou-se sexta-feira que no último trimestre de 2005 a taxa anualizada de crescimento econômico dos Estados Unidos caiu de 4,1% para 1,1%. Ben Bernanke terá toda a torcida do mundo.

Editorial de O GLOBO

Poder paralelo

A tomada de comunidades pobres por milícias de policiais é um processo em expansão, primeiro constatado e revelado pelo GLOBO em março do ano passado. Já eram então 42 comunidades, em Jacarepaguá e na Barra da Tijuca, dominadas por 11 grupos (formados na maioria por policiais e ex-policiais, sendo seis chefiados por PMs). De início foram bem-vindos, por terem livrado os moradores do terror do narcotráfico; mas logo ficou claro que tinha havido apenas uma troca de tiranos. Passaram a cobrar “proteção” dos comerciantes locais, ao estilo da máfia, assassinando quem resistia.

De lá para cá, a situação se agravou, e muito. Há dois dias este jornal informou que, às 42 favelas dominadas por essas milícias, somaram-se outras 30. Totaliza mais de 200 mil pessoas a população da área onde imperam. Sua atividade não cessa de se expandir: já cobram taxas sobre venda de imóveis, fazem agiotagem e exploram centrais clandestinas de TV a cabo. Têm procedimento semelhante ao da máfia italiana, mas com uma diferença crucial: aqui são policiais. É o braço do Estado formado para dar proteção à sociedade, que se antes já exibia um alto grau de corrupção — a notória “banda podre” — agora praticamente institucionaliza a atividade marginal, dominando comunidades inteiras, que são vítimas de extorsão e violência.

Sem dúvida, é correto o diagnóstico do deputado petista Carlos Minc: nada disso poderia ter acontecido se o Estado não fosse omisso. Mas o remédio que ele propõe — criação de uma supercorregedoria para investigar a atuação de policiais nesses grupos — se necessário é também insuficiente. A questão ganhou tal dimensão que torna necessária a intervenção do poder central: Ministério Público, Executivo, Justiça e mesmo Congresso precisam agir para impedir que o poder dessas milícias cresça a ponto de, como é sua intenção, financiar campanhas de candidatos à Assembléia do Rio e até à Câmara dos Deputados.

Dificilmente terá a Alerj eficácia e disposição para atacar o problema com o vigor necessário. Todo o poderio do Estado precisa ser acionado para combater a bandidagem, fardada ou não, antes que esta concretize a ambição de ganhar representação política.

Miriam Leitão Supersuperávit

O GLOBO

Supersuperávit

A dívida externa sumiu. O chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, estava ontem com uma sensação de que perdeu tempo na vida. “Eu fico possesso. Gastei tanto tempo profissional trabalhando com dívida externa, renegociação, comitê de credores e olhe agora a dívida: é de 2,6% do PIB”, brinca. A dívida interna, em compensação, consumiu uma montanha de dinheiro para ficar no mesmo lugar.

Quem viveu os anos 80 sabe que a dívida externa era tida e havida como impagável. Agora a dívida externa líquida do setor público como proporção do PIB é mínima. As reservas aumentaram e os papagaios foram sendo pagos. Já a dívida interna continua grande e pesada. Altamir Lopes acha que, apesar disso, há algo a comemorar:

— Num ano em que houve uma política monetária muito mais rigorosa, ela ficou estabilizada. Saiu de 51,7% do PIB para 51,6% do PIB.

Há várias formas de fazer as contas. Esta, na qual a dívida fica estabilizada, é a líquida. A dívida bruta, que não desconta as reservas, aumentou três pontos percentuais do PIB, uma enormidade. Saiu de 71,9% do PIB para 74,9%.

Esse número não é muito usado pois produz uma pequena distorção: conta dívida que não é divida ainda. O Tesouro emite título que deixa em carteira do BC, mas que só vira dívida quando o título é vendido ao mercado. Na dívida bruta, essa carteira entra. Altamir lembra também que ela cresceu no ano passado, mas ainda está abaixo do que era em 2003, quando foi de 76,9%. Não consola. Essa forma de olhar a dívida mostra claramente o custo de ter pago, em média, 19,05% de juros contra 16,25% no ano anterior. O aumento em termos nominais é gigantesco: o país pagou R$ 29 bilhões a mais de juros pela elevação da Selic. Em proporção do PIB, a conta saiu de 7,23% para 8,13% do PIB. O custo extra seria normal num momento de crise, mas fica difícil de entender e aceitar isso num ano sem crise, com o mundo crescendo, os indicadores melhorando, o ajuste externo feito, como 2005.

Mas contas públicas são tema mais complexo do que parece em certas avaliações. O supersuperávit não é “culpa do Palocci”, como dizem alguns dos companheiros do ministro da Fazenda. Os dados mostram que o custo da dívida é alto, que o governo continua aumentando a arrecadação, que há alguns sinais a comemorar de controle das contas, mas existem indícios perigosos de que o Estado brasileiro continua gastando demais. Isso é insustentável.

O economista Fábio Giambiagi, do Ipea, que vive de olho nesses números, diz que a despesa primária aumentou em proporção do PIB mais do que a receita. E também na variação real: o aumento das despesas foi de 10,2%. Que a despesa de INSS aumentou 8,6% (veja no gráfico).

— Está na hora de se discutir o que este país quer, afinal — protesta Giambiagi.

Altamir Lopes vê notícia boa na área fiscal nos dados divulgados ontem. Em todas as instâncias de governo, o resultado foi além da meta. Estados e municípios economizaram R$ 4 bilhões a mais do que em 2004:

— Os dados mostram que a Lei de Responsabilidade Fiscal pegou. Há mais consciência fiscal. Em 98, os estados estavam com déficit de R$ 1,7 bilhão. De lá para cá, tiveram um superávit crescente e terminaram o ano passado com um resultado positivo de R$ 21,3 bilhões — comenta.

É bem verdade que foi mais fácil para os estados e municípios porque eles receberam mais dinheiro do governo federal. A União tem que dividir com eles parte de alguns impostos, como Imposto de Renda. O IR das empresas aumentou muito pela elevação dos lucros. Além disso, divide os dividendos e royalties . Mas aqui todo cuidado é pouco pois lucro é aquilo que hoje dá, amanhã não dá. Perigoso se fiar em dividendos para exibir superávit. No ano passado, o governo transferiu para estados e municípios R$ 83,9 bilhões, um aumento de R$ 16,3 bilhões em relação a 2004.

O governo arrecadou mais pelo aumento do lucro das empresas e da carga tributária. Em 2004, a carga de impostos federais foi de 19,1% do PIB; no ano passado, foi de 20,3%.

— A receita do governo federal mostra que houve alguma elevação de carga — disse Altamir Lopes.

Quem já viveu bastante, viu a dívida externa assombrar o Brasil e depois ir desaparecendo até virar estes 2,6% do PIB; mas será que verá o outro fantasma, a dívida interna, deixar de ser um problema? Tem gente que acha que ela vai cair nos próximos anos até deixar de ser um constrangimento. Para isso acontecer, será preciso mais do que baixar juros. Será necessário manter superávits altos por vários anos e reduzir gastos. Gastos que cresceram no ano passado.

NA COLUNA de domingo, dissemos que o PT se comprometeu a entregar R$ 10 bilhões ao PL. Era, óbvio, milhões.

Luiz Garcia Sabe-se que ninguém sabe

O GLOBO

Sabe-se que ninguém sabe

Numa revista semanal em que trabalhei no século passado, o pessoal da editoria internacional a custo eliminou o vício de iniciar o último parágrafo da maioria dos textos com a expressão “resta saber se...” O cacoete tinha justificativa: não são comuns os acontecimentos internacionais cujos desdobramentos podem ser previstos com certeza absoluta: o número de possibilidades é grande demais.

Era assim e continua sendo. Por exemplo, o que pode acontecer no Oriente Médio com a vitória do Hamas nos territórios palestinos? Os centros de poder em todo o mundo podem prever, sugerir, exigir — mas, no fim das contas, falta-lhes uma idéia sequer aproximada sobre o que vem por aí nesta experiência inédita: um grupo ostensivamente dedicado ao terrorismo anti-Israel, ganhando a missão de criar um país de fato e de direito, parede-meia com Israel, e precisando muito de apoio.

Na região onde até hoje nenhum plano de paz deu certo, a incerteza prevalece. Os motivos que aos olhos dos chefes do Hamas justificavam os atentados como arma política continuam existindo. Mas um governo terrorista é uma contradição em termos.

Uma administração palestina pode se opor a políticas de Israel — são favas contadas — mas não pode abrir mão de dialogar com a comunidade internacional da qual depende materialmente para sobreviver. Mas nenhum ou quase nenhum governo dos muitos que até hoje têm contribuído fortemente para essa sobrevivência — ajudando a autoridade palestina no complicado esforço para se transformar num Estado realmente independente — pode aceitar que um governo do Hamas atue como o Hamas fora do poder. Ou seja, planejando e levando a cabo, sistematicamente, a morte de inocentes.

A Palestina pode se opor a Israel de diferentes maneiras, todas elas políticas. Isso a comunidade internacional entende, e, se for essa a opção, manterá abertas as torneiras da ajuda econômica. Além de renunciar ao terrorismo, o novo governo terá de reprimi-lo. Poderá declarar sua oposição à existência do Estado de Israel, mas sem manter a meta de destruí-lo. Nada é simples; mudanças graduais, em etapas, possíveis em tantas situações, neste caso representam hipótese patética. Imagine-se a reação de Israel a um anúncio de que os homens-bomba desaparecerão gradualmente: três por mês, dois por mês, um por mês...

Enfim, o Hamas tem de mudar muito e imediatamente. Poucos analistas, na imprensa e nas chancelarias de todo o mundo, são otimistas a respeito.

Raras situações têm justificado com igual propriedade o recurso a vagas conclusões começando com “resta saber se...”

Em Brasília, o presidente Lula afirmou, com ênfase arrumada não se sabe onde: “A eleição do Hamas vai fazer com que o exercício da democracia seja levado à sua plenitude.” Uma assessoria competente lhe recomendaria apenas afirmar, modestamente, que sonha com esse desenlace, reconhecendo no mesmo fôlego não ter a mais vaga idéia de como ou quando ele se dará.

Usando o lugar-comum pela última vez, resta saber se alguém no Itamaraty ou no Planalto conseguirá ensinar ao presidente que, em tempos de incerteza sobre o que acontece no mundo lá fora, a melhor política costuma ser boca fechada — ou o seu equivalente diplomático: uma enxurrada de generalidades polissilábicas significando coisa nenhuma.

MERVAL PEREIRA (B)RICS

O GLOBO

(B)RICS

PARIS. O Fórum Econômico Mundial tirou uma letra da sigla mais famosa dos últimos anos nas consultorias econômicas. Um estudo da Goldman Sachs feito no final de 2003 criou a sigla Brics, as iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China, os países que provavelmente estarão no topo da economia mundial nos próximos 50 anos. Em inglês, fazia um trocadilho com “brick” (tijolo), imaginando a construção de um novo quadro econômico internacional. Na reunião que terminou domingo em Davos, apenas os Rics tiveram atenção especial dos analistas, ficando o Brasil de fora das expectativas. Um outro trocadilho em inglês pode ser feito, com a palavra “rich” (rico), para falar das novas potências emergentes, das quais nos afastamos, pelo menos temporariamente.

Segundo o estudo, em menos de 40 anos os Brics juntos poderão ser maiores que os países que formam hoje o G-6 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Inglaterra e Itália). Desses, apenas Estados Unidos e Japão estariam no G-6 em 2050. Pelo estudo, o Brasil seria a quinta economia do mundo, medida pelo Produto Interno Bruto, mas para chegar lá em 2050, teria que crescer em média 3,6% nos próximos 50 anos. Isso teoricamente não seria problema, já que nos últimos 50 anos o crescimento médio do Brasil foi de 5,3%.

Mas há 20 anos, devido à crise da dívida externa que agora teve um fim, o crescimento médio caiu para pouco acima de 2%. Estamos, portanto, queimando gorduras que acumulamos nos trinta anos anteriores. Segundo as projeções do estudo da Goldman Sachs, o Brasil cresceria de 2005 a 2010 6,3% em média, contra 8% da China; 5,3% da Índia e 5,9% da Rússia.

Como o crescimento do PIB do ano passado deve ficar entre 2% e 3%, e nada, além da propaganda oficial, indica que poderá ser muito maior este ano, o próximo governo, seja ele qual for, terá muito trabalho pela frente para nos manter dentro da expectativa mundial de virmos a ser uma potência econômica dentro de 50 anos.

Ao contrário, China, Índia e Rússia continuam dentro das previsões do mercado internacional, tanto que no Fórum Econômico Mundial, Índia e China foram as atrações máximas, e a Rússia manteve-se como um dos centros das atenções, embora em escala menor e devido mais às suas características geopolíticas do que propriamente à performance econômica.

Os três países mereceram do Fórum painéis para analisar os cenários das suas economias para 2025. A nosso favor, temos o fato de, encerrada a crise da dívida externa, estarmos equilibrados em termos macroeconômicos e termos uma democracia institucionalizada. Nosso problema agora é a dívida interna, que bateu a casa do trilhão, devido aos juros estratosféricos.

Em comum com os outros três, temos ainda uma série de reformas estruturais a serem enfrentadas. Os três países também têm problemas mais graves que os nossos com as regras claras para investimento, embora o governo brasileiro, dividido entre o realismo da equipe econômica e a ideologia estatista de alguns setores, continue sem conseguir estipular normas definitivas para as agências reguladoras.

A China, por ser uma ditadura onde a lei é ditada pelo burocrata de plantão, e a Rússia, por ser um hiperpresidencialismo, regime em que o poder do presidente está acima dos demais poderes, e os controla, têm mais dificuldades para lidar com essa questão básica: serão esses países capazes de instituir um regime onde a letra da lei seja respeitada?

Com relação à China, houve um cuidado adicional: um projeto de um ano onde foram traçados três cenários depois de consultas a cerca de 150 pessoas entre executivos, acadêmicos e outros especialistas em seminários realizados em Pequim, Londres, Paris, Xangai, Cingapura e Washington. Duas questões básicas foram apresentadas:

· Pode a China implementar reformas internas para aumentar seu desenvolvimento?

· Como o relacionamento da China com o resto do mundo afeta seu desenvolvimento e molda o contexto mundial?

O primeiro cenário é considerado pelos especialistas o mais provável de acontecer. Denominado “Laços Regionais”, nele a China, confrontada com um ambiente internacional fortemente protecionista, volta-se para seus vizinhos asiáticos para comércio e investimentos. Para alguns especialistas, este é um cenário “altamente possível”, devido ao crescimento do protecionismo, que já se impõe no mundo de hoje. Além do mais, há quem veja o predomínio no mundo de uma visão pessimista em relação à China, que enfatiza mais as ameaças que ela representa do que as oportunidades.

Um cenário alternativo é o chamado “Promessas não cumpridas”, no qual se prevê que a tentativa do governo chinês de promover reformas profundas leva a crises políticas, sociais e até mesmo ecológicas, e a integração econômica com o mundo fica afetada pela insegurança dos investidores. Analistas em Davos consideraram que, ao contrário, esse cenário negativo só acontecerá caso a China não faça as reformas de que necessita.

O cenário mais positivo é o “Nova Rota da Seda”, no qual a China encontra crescimento equilibrado, apoiado por um forte crescimento global e o aprofundamento da integração internacional e de seu comércio. As reformas administrativas e financeiras levariam à criação de uma classe média e a um sistema moderno de mercado. Segundo analistas chineses, o novo plano de cinco anos que deve ser aprovado em março vai criar as condições para esse cenário se realizar.

Não por acaso, a China aproveitou o Fórum Econômico Mundial para anunciar esse plano, baseado em uma maior abertura de mercado, reformas estruturais, desenvolvimento sustentável e cooperação internacional. O plano econômico chinês para o período de 2006 a 2010 prevê a duplicação do PIB. (Continua amanhã)

LUÍS NASSIF O operador e as TVs abertas

FOLHA
Na discussão sobre TV digital, pela primeira vez há uma presença -ainda que simbólica- de ONGs (organizações não-governamentais). São personagens desse jogo alguns atores que já existem -como TVs educativas e rádios comunitárias-, e outros que ainda não entraram no jogo: como produtores independentes, promotores de eventos, federações esportivas etc. Esse grupo de ONGs se reuniu em torno da Intervozes e tem como principal analista o jornalista Gustavo Gindre.
O pecado original brasileiro, diz Gindre, foi ter criado uma Lei Geral de Telecomunicações em um momento em que, em todo o mundo, se unificavam as legislações de telecomunicações e radiodifusão.
Agora, se está em uma sinuca. A União Européia criou o serviço de licença universal. Tem-se o espectro eletroeletrônico, a empresa paga pelo uso e coloca o que quiser. A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) tende a adotar esse conceito, só que não pode radicalizar porque a legislação impede. Recentemente, pegou 23 outorgas da Marinha Mercante, serviços de pager, e unificou todas em um SCM (Serviços de Comunicações Multimídia) em regime privado (isto é, disponível para públicos com acesso restrito).
Hoje em dia o espectro de VHF e UHF só serve para a TV aberta. Cada emissora possui 6 mHz para o canal analógico. Se der outra janela de 6 mHz para o digital, dobra o latifúndio, diz Gindre. E aí não haverá como entrarem novos canais no Rio, na Grande São Paulo, na Baixada Santista e em Porto Alegre.
Para contornar esse problema, a Intervozes propõe a figura do operador de rede, separado da figura do programador. A legislação diz que não existe direito adquirido sobre espectro, que é bem público. O operador de rede quebraria o paradigma atual, de a TV ser conhecida pelo canal. Na era digital, a TV será conhecida pela programação. O que diferenciará a TV aberta dos demais serviços será a grade de programação.
Por isso mesmo, a Intervozes é favorável ao padrão europeu, que permite quatro transmissões simultâneas em um mesmo espectro. As emissoras abertas defendem o padrão japonês, que permite a imagem em alta definição, mas que ocupa todo o espectro de freqüência. Gendri sustenta que poucos aparelhos teriam condição de captar toda a sua qualidade. A imagem estendida, do padrão europeu, além de ocupar muito menos espectro, teria mais qualidade do que a dos DVDs atuais e liberaria espectro para outros usos.
Outra das vantagens do operador é que ele arcaria com o custo das torres de transmissão. Se cada emissora bancar a sua estrutura, as mais fortes prevalecerão sobre as mais fracas, criando diferenciais importantes na cobertura nacional.
Gendri reconhece que, com o novo modelo, haverá dispersão das verbas publicitárias o maior temor das emissoras abertas. Mas acredita que elas possam se reinventar. Com a TV digital, seria possível às emissoras criarem seus serviços de e-mail e outras maneiras de rentabilizar o negócio.
Mas ainda não está claro o que seria essa "reinvenção" da TV aberta.

JANIO DE FREITAS O caixa três

FOLHA
A contenção de gastos nas campanhas eleitorais está sob pressão de três frentes, mas mantém aberto e sem restrições um canal capaz, por si só, de comprometer a legalidade e a limpidez das eleições.
Antes de sua recente aposentadoria compulsória e ainda como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o jurista Carlos Velloso entregou ao Congresso e à Presidência um conjunto de medidas capazes de dar maior lisura à disputa eleitoral. Até agora não se sabe de desdobramento da iniciativa do TSE, seja no Congresso ou na Presidência, mas o ato do então magistrado evidenciou o desejo do Judiciário de ação contra os abusos eleitorais.
Certa racionalização de gastos, tanto capazes de reduzi-los como de atenuar desigualdades entre candidatos, é objeto de projetos no Senado e na Câmara. Vagueiam com a lentidão costumeira mas, ainda assim, são indicadores de que a falta de limites e de algum regramento já suscita reações até no meio político e parlamentar, o meio mesmo em que distribui benefícios.
O sucesso de público das CPIs refletiu a dificuldade do eleitorado para continuar sua convivência com métodos eleitorais que o ludibriam, como constata a cada eleição. Ainda em sussurros, vai crescendo a onda da recusa a votar, por descrença de que as coisas possam ser diferentes nas próximas eleições. A exposição de gastos desmedidos vai engrossar a onda e pode-se supor que leve a resultado oposto ao pretendido pela campanha fortunosa.
Todas essas possíveis fontes de restrições referem-se, porém, à propaganda, digamos, convencional de candidatos. Mas a disputa fundamental, a da Presidência, é a que se mostra mais isenta de pressões restritivas e mais exposta a práticas desvirtuadoras.
Há fartas informações, inclusive palacianas, de que o governo Lula dá retoques finais em uma campanha de promoção dos seus alegados feitos. Maciça desde o início e crescente com o passar dos meses, a campanha está projetada para começar em fevereiro e estender-se até meados de junho, quando Lula fará a aferição de suas condições eleitorais. Serão cinco meses de preparação dessas condições, sob o rótulo de divulgação legítima dos feitos governamentais, mas, de fato, campanha de finalidade eleitoral financiada com recursos públicos.
A finalidade, no caso, nem é uma dedução analítica, é conclusão oferecida pelo próprio Lula ao falar, anexamente, do seu programa de propagar até junho os tais feitos do governo e então decidir sua candidatura. Não fala na campanha de publicidade, já estimada em cerca de duas centenas de milhões nem precisaria fazê-lo para entender-se do que se trata.
Os dois pretendentes do PSDB, guardadas as proporções, dão motivo a observações semelhantes. Há notícia de que a prefeitura paulistana foi dotada, para este ano, de verba propagandística que triplicou a do ano passado. De R$ 12 milhões para R$ 36 milhões. A eventualidade de renúncia de José Serra, para disputar a eleição, não impediria a possível contribuição eleitoral da prefeitura, por previsível (e freqüente em eleições) compromisso do substituto.
Os recursos do Estado são muito maiores, até por incluírem verbas de empresas estatais, e a possibilidade de sua intervenção em favor de Geraldo Alckmin, por mais cautelosa ou sutil que seja, não é menor que na prefeitura. O mesmo se pode dizer de recursos publicitários fluminenses se Anthony Garotinho obtiver a indicação do PMDB para concorrer. E de outros possíveis governantes que se lancem à disputa pela Presidência.
Entre esses candidatos procedentes de governos a disputa já tenderia a ser desigual. Entre eles e outros sem a precedência de governos, a disparidade tende a ser imensa. Claro, se não forem acionados meios de fiscalização efetiva e constante, do Judiciário, do Ministério Público, de jornais, TVs e rádios.
Sem isso, logo começaremos a ver distorções que nada deverão ao caixa dois tão repulsivo.

ELIANE CANTANHÊDE Fase de engorda

FOLHA
BRASÍLIA - O Palácio do Planalto está em ebulição. Lula dispensa intermediários e está afinando o discurso, decorando os números, articulando alianças partidárias e pensando na reforma ministerial.
Pelo menos oito ministros devem trocar suas cadeiras pelos palanques: Jaques Wagner (coordenação política), Paulo Bernardo (Planejamento), José Alencar (Defesa), Saraiva Felipe (Saúde), Hélio Costa (Comunicações), Marina Silva (Meio Ambiente), Agnelo Queiroz (Esportes) e Alfredo Nascimento (Transportes).
A maioria dessas vagas vem a calhar para as conversas de Lula com o PMDB e com os "mensaleiros" PTB, PL e PP, que são da base aliada hoje, mas que ainda não decidiram que rumo tomar nas eleições.
Até aqui, a conversa com o PMDB tem sido para adiar mais uma vez as prévias do partido, remarcadas para 19 de março, para que haja tempo e alguma possibilidade, mesmo que remota, de Lula ter um vice peemedebista -de preferência Nelson Jobim livre da toga.
Já a conversa com os três "mensaleiros" passa por um momento importantíssimo da eleição: as inserções dos partidos no rádio e na televisão. Como PTB, PL e PP têm alas muito críticas ao governo, o que Lula pede é que eles nem batam nem afaguem, apenas façam programas elogiando o seu governo por tabela.
Como? Cada um faria propaganda dos feitos do seu ministro: o PTB, de Mares Guia no Turismo (com recordes de investimentos); o PL, de Alfredo Nascimento em Transportes (tapa-buracos); o PP, de Márcio Fortes em Cidades (financiamento de saneamento e habitação).
Com isso, Lula ganha tempo. Segura os partidos, impedindo que debandem para a seara tucana, enquanto engorda seus índices nas pesquisas. É com eles, a partir de abril, que vai efetivamente propor alianças e fechar acordos para ter muitos palanques e principalmente um bom tempo na TV. Com ou sem Duda, esse é o seu forte.

CLÓVIS ROSSI Primitivo e bárbaro

FOLHA
MADRI - Em 1992, eu estava como correspondente desta Folha em Madri. No domingo em que a revista "Veja" começou a circular com a entrevista de Pedro Collor que detonaria o processo que levaria à queda do irmão-presidente, Alon Feuerwerker, então no comando da Sucursal de Brasília, chamou-me e disse: "Gostaria que você estivesse aqui em Brasília amanhã cedo (segunda-feira)".
Já não havia vôos de Madri para o Brasil. Foi uma correria para conseguir a conexão Madri/Lisboa/Rio/ Brasília. Quando me sentei finalmente no avião de uma Varig ainda em forma, ia respirar aliviado quando vieram as recomendações a respeito do cólera, que então assolava a pátria amada. Estava havia pouco em Madri, mas é facílimo e rapidíssimo acostumar-se à civilização.
Duro é o choque de ser trazido de volta à realidade de um país primitivo a ponto de ter problemas com uma doença medieval.
Catorze anos e quatro presidentes depois, o choque retorna. Ler a Folha com mais atenção, para me atualizar após uma semana de debates em Davos, é ler a história de um país primitivo, bárbaro.
Só um caso, por falta de espaço: a história de Shirley da Silva Santos, atingida por uma bala perdida em tiroteio entre a polícia e ladrões, é a história da roleta-russa que é viver em São Paulo (ou no Rio ou mesmo em outras grandes e pequenas cidades do Brasil). Shirley havia apenas saído inocentemente no domingo em um bairro supostamente tranqüilo. Não estava no Iraque.
No mesmo caso, Jóbson Coelho Lopes teve seu carro roubado pelos ladrões, que, depois, se envolveram no tiroteio. O carro não estava na rua, de onde, no mundo todo, carros são roubados em penca. Estava em um estacionamento. Pior: Jóbson deu graças a Deus por ter tido apenas o carro roubado sem que ele estivesse presente.
Não é primitivo um país em que a vida é roleta-russa e em que ser "apenas" roubado é uma bênção?

Editorial da Folha de S Paulo

RECEITA UNIVERSITÁRIA
A mais longa greve das universidades federais, realizada no ano passado, revelou os limites do atual modelo de financiamento das instituições públicas de ensino superior, que precisam buscar mecanismos inovadores e permanentes de captação de recursos.
É inconcebível que alunos fiquem 112 dias sem aulas. Da mesma forma, não é desejável que professores permaneçam dez anos sem reajustes, como bem salientou, em entrevista a esta Folha, Oswaldo Baptista Duarte Filho, presidente da Andifes, entidade que reúne os reitores de universidades federais.
O problema é como equilibrar a pretensão por aumentos com outras demandas básicas da sociedade, que ultrapassam em muito os limites do já engessado Orçamento da União. Por isso, cumpre descartar a criação de mecanismos automáticos de reajuste para os docentes. O aumento salarial sempre dependerá da disponibilidade de recursos.
Para escapar desse cenário restritivo, as universidades precisam ter um leque de alternativas institucionais de financiamento, que permitam o aperfeiçoamento de suas atividades, em especial a pesquisa científica.
Uma idéia que chegou a ser discutida e caiu no esquecimento é o pagamento de alíquota adicional do Imposto de Renda por estudantes que se beneficiaram da universidade pública e conseguiram lugar no mercado de trabalho depois de formados.
É uma contrapartida legítima, que oneraria uma camada privilegiada da população, a qual teve acesso a um tipo de serviço público que não é utilizado por todos os cidadãos.
Outro caminho é a parceria com o setor privado, que viabilizaria o custeio de determinadas atividades e aproximaria as universidades das demandas do mundo econômico real.
Tão importante quanto as universidades buscarem recursos é a necessidade de serem compelidas a racionalizar seus gastos. Sua ineficiente e dispendiosa burocracia precisa de um choque administrativo radical.

Editorial da Folha de S Paulo

OPÇÃO CUSTOSA
O setor público consolidado -governo federal, Estados, municípios e empresas estatais- realizou um superávit primário (receitas menos despesas, excluindo o pagamento de juros) de R$ 93,5 bilhões, ou 4,84% do PIB em 2005. O resultado superou a meta programada pelo governo de 4,25% do PIB (R$ 82,7 bilhões) e foi obtido por meio de um aumento na carga tributária e de controles sobre os gastos, sobretudo os desembolsos em investimentos de infra-estrutura e serviços.
Nem essa poupança recorde foi suficiente para pagar o total dos juros da dívida pública, que custaram ao erário R$ 157,1 bilhões (8% do PIB!). O aumento da taxa de juros básica, que passou de 16,25% ao ano em 2004, em média, para 19,05% em 2005, arrastou o montante de juros para além dos R$ 128,3 bilhões (7,3% do PIB) de 2004.
A opção pela escalada de juros fez a despesa financeira do governo saltar 22,5% de um ano para o outro. Os dispêndios com a remuneração da dívida foram maiores do que todo o desembolso realizado em 2005 pela Previdência (R$ 146 bilhões), que atende a 24 milhões de brasileiros.
Há algo profundamente errado com um sistema que promove tamanha transferência de riqueza financeira. E o faz arrancando do contribuinte os impostos que sustentam a maré montante da dívida pública, que já supera R$ 1 trilhão.
Os princípios da responsabilidade fiscal não podem valer apenas para prefeitos e governadores que torram dinheiro. Os artífices da política econômica devem justificativas aos cidadãos sobre os custos de suas escolhas. Precisam explicar por que gastaram em juros o equivalente a R$ 870 para cada brasileiro. Para trazer a inflação dos 7,6% de 2004 para 5,7% no ano seguinte, responderão.
A redução mais suave da inflação e a condução mais pragmática do regime dos juros teriam economizado alguns bilhões. E não teriam deprimido o crescimento do PIB, que caiu à metade para que o governismo pudesse comemorar o feito de ter atingido a sua meta inflacionária.

Lucia Hippolito na CBN:Campanha original


 

"Eleição muito curiosa, esta de 2006. A campanha presidencial vai de vento em popa. Temos campanha, mas não temos candidatos.


O presidente Lula reúne-se com marqueteiro, começa a escolher o estado-maior da campanha, seleciona temas a serem explorados nos discursos.


Lula tem pinta de candidato, agenda de candidato, palanque de candidato, faz discurso de candidato. Mas ainda não decidiu se vai ser candidato.


Tortura o PT até conseguir que o partido, de joelhos, lhe peça para ser aquilo que ele já decidiu ser há muito tempo. Isto é, candidato.


Mas o presidente não tem pressa. Vai tentando enganar a Justiça Eleitoral enquanto pode. Assim, Lula finge que ainda não é candidato, e a Justiça Eleitoral finge que acredita.


No PSDB, está feia a coisa. O ex-presidente Fernando Henrique chegou mesmo a declarar que quem vai escolher o candidato tucano é o povo. Será que o candidato do PSDB vai ser escolhido por eleição direta? Não, foi apenas uma brincadeira de Fernando Henrique.


O governador de São Paulo Geraldo Alckmin está doido para ser candidato. Reúne-se com assessores, toma aulas de Brasil, estuda temas federais.


Alckmin faz pose de candidato, viaja como candidato, discursa como candidato. Mas ainda não é candidato, porque o PSDB não consegue se decidir.


O prefeito José Serra, por sua vez, espera que a candidatura tucana lhe caia no colo. Não pode se declarar candidato porque pode desagradar aos paulistanos. Afinal, ainda não esquentou bem a cadeira de prefeito.


Mas Serra faz pose de candidato, discursa como candidato. Só não pode ainda assumir que é candidato.


No PMDB, a cúpula do partido não gosta de Anthony Garotinho, outro que está doidinho para ser candidato. Mas os caciques preferem o governador Germano Rigotto. Garotinho vai fortalecendo seu nome nas bases do partido, comendo o PMDB pelas beiradas.


A cúpula peemedebista vai dando corda, para depois ver como é que vai abandonar Garotinho.


Quanto aos pequenos partidos, estes nem podem brincar de eleição presidencial ainda, porque não se conhece o final da novela da verticalização.


Se a verticalização realmente cair, os pequenos partidos apresentam candidatos, para aumentar suas chances nos estados.

 

Se ela não cair, eles não apresentam candidatos, porque precisam tratar da própria vida nos estados.


É ou não é uma campanha muito original?"

Enviada por: Ricardo Noblat

Editorial de O Estado de S Paulo

Espertos são os russos

O governo brasileiro formalizou no sábado seu apoio ao ingresso da Rússia na Organização Mundial do Comércio (OMC). O protocolo oficial foi assinado demanhã pelos ministros de Relações Exteriores, Celso Amorim, e do Desenvolvimento, Luiz Furlan. Pelo governo russo assinou o ministro do Comércio, German Gref. A cerimônia ocorreu num hotel em Davos, na Suíça. Só faltou um detalhe: dar um conteúdo prático, para o Brasil, aos acordos anexados ao protocolo. Dificilmente Moscou terá conseguido ou poderá conseguir um apoio tão gracioso a seu propósito de se inscrever no sistema multilateral de comércio.

Estados Unidos, Austrália e Colômbia ainda não concluíram as negociações com a Rússia. Seus governos esperam algo em troca dessa ajuda. Os Estados Unidos já têm, por exemplo, uma grande cota para venda de carne ao mercado russo, mas isso não basta para suas pretensões. O governo brasileiro contentou-se com muito menos - quase nada, de fato.

Vários países têm cotas para exportação de carne. O Brasil, no sistema de cotas, permanece na categoria "outros". Exporta grandes volumes para a Rússia, não por ser tratado como um parceiro relevante, mas por ser um dos poucos países capazes de atender à demanda.

Os anexos ao protocolo estipulam compromissos de expansão do comércio entre os dois países e cooperação nos campos espacial, aeronáutico e científico. Na prática, nada disso tem grande significado. Acordos de cooperação científica e tecnológica, na maior parte, produzem resultados pouco expressivos. Quanto à expansão do comércio, dificilmente se faz por decreto.

Em relação ao comércio de carne, o governo russo somente se comprometeu a rever a situação brasileira cinco anos depois de formalizado o protocolo bilateral. Nem sequer garantiu a concessão de uma cota para o País. Além disso, acordos desse tipo, mesmo quando mais específicos, têm significado muito restrito, neste momento, quando se negocia na OMC a redução, quando não eliminação, de barreiras de todo tipo. Se ingressar na OMC, a Rússia terá de aceitar as normas multilaterais e ninguém sabe, agora, como estarão as barreiras tarifárias e não tarifárias dentro de cinco anos.

O fato é que o governo brasileiro prometeu e cumpriu, sem a mínima segurança de contrapartida. No momento da assinatura do protocolo, por exemplo, o ministro russo negou-se a discutir a situação das compras de carne brasileira, limitadas há alguns meses, desde o aparecimento de focos de aftosa em Mato Grosso do Sul. O assunto estava na agenda do ministro Furlan, mas não foi examinado.

Em Brasília, os grandes enxadristas do tabuleiro internacional que assessoram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderão dizer que todas essas preocupações são mesquinhas e que nada disso tem relevância. A aliança com a Rússia, segundo esses argutos negociadores, é estratégica. O principal conselheiro do presidente para assuntos internacionais já declarou que a Rússia, geograficamente, é um país do Norte, mas geopoliticamente é do Sul. Uma bobagem desse tamanho é quase um ato de terrorismo, porque pode matar de rir o presidente russo. Mesmo depois do desmonte da União Soviética, a Rússia está longe de ser um país em desenvolvimento. O reconhecimento desse fato está implícito em sua condição de membro do G-8 - que, aliás, só é G-8 porque a Rússia foi agregada ao clube das economias mais ricas do mundo. A Rússia não é rica, mas a sua anexação ao grupo tem claramente - aí, sim - um sentido estratégico. O governo russo, assim como o chinês, não tem nenhuma ilusão terceiro-mundista, nem a mínima pretensão de se imiscuir num ingênuo projeto de articulação Sul-Sul para enfrentar os perversos gigantes do Norte.

Comerciar com a Rússia é bom, assim como é bom comerciar com muitos outros parceiros. Os empresários brasileiros sabem disso. O governo anterior, também. O aumento do comércio com a Rússia, com a China e com outros mercados não tradicionais é um resultado dessa percepção e de um trabalho penoso iniciado muito antes da posse da administração petista. Só os desinformados ignoram esse fato. Sendo desinformados, podem até deleitar-se com fantasias sobre alianças estratégicas que só existem nas suas cabeças.

Editorial de O Estado de S Paulo

Falsos brilhantes

Os resultados das contas do setor público em 2005, anunciados pelo Banco Central (BC), sugerem que a política fiscal está no rumo certo, levará à redução da dívida pública e ao equilíbrio das contas do governo e, assim, cria as bases para o crescimento sustentado da economia. Mas são enganosos.

Os números impressionam. O superávit primário (que não contabiliza os juros pagos pelo setor público) equivalente a 4,84% do PIB é, como observou o BC, o mais alto desde 1994 e seu valor, de R$ 93,5 bilhões, é o maior desde 1991, quando esse resultado começou a ser apurado. Esses números escondem, porém, uma política fiscal de má qualidade, crescentemente onerosa para a sociedade e insustentável no longo prazo.

"O Brasil precisa dar um choque de eficiência no governo e reduzir urgentemente os gastos públicos, que estão numa tendência explosiva, engolindo o País, quase um processo da família do câncer", advertiu o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, em entrevista que concedeu em Davos e que o Estado publicou na edição de domingo.

Quando comparada com os resultados anunciados pelo BC, a avaliação parece exageradamente pessimista. Mas um exame da evolução recente dos gastos públicos mostrará que ela é correta. O governo gasta cada vez mais, mas a qualidade dos gastos decai de maneira contínua e o custo que o contribuinte, a sociedade e a economia têm de suportar é duplamente pernicioso: pagam-se mais impostos em troca de serviços cada vez piores.

Desde a década de 90, como mostrou na segunda-feira o colunista do Estado Ribamar Oliveira, as despesas primárias da União crescem mais depressa do que a economia. Em 1997, essas despesas correspondiam a 15,1% do PIB. No ano passado, chegaram a 18,2% e, em 2006, podem alcançar 18,9%.

Para cobrir os gastos crescentes, o governo vem elevando brutalmente a carga tributária. Em 1997, o total de tributos arrecadados pela União, Estados e municípios correspondia a 29% do PIB. No ano passado, deve ter alcançado 37,5% do PIB. Isso significa que, nesse período, a cada ano, a sociedade foi obrigada a transferir para os cofres públicos o equivalente a 1% do PIB mais do que transferira no ano anterior. Em valores, hoje os governos retiram da economia R$ 165 bilhões mais do que retiravam em 1997.

Tal aumento seria tolerável se, pelo menos, esse dinheiro colocado sob o controle do setor público tivesse resultado em benefícios para a economia e para a sociedade, com a melhora e a expansão dos serviços públicos e a recuperação da infra-estrutura essencial para o crescimento econômico. Mas nada disso aconteceu. O crescimento das despesas correntes, além de exigir o aumento insuportável da carga tributária, comprimiu os investimentos. O resultado é a iminência de um "apagão logístico", que pode ter custos elevados para o País.

O crescimento muito rápido das despesas correntes do governo, bem como a extraordinária expansão do crédito ocorrida no ano passado, sobretudo em decorrência do crédito consignado, exigem uma política monetária mais rigorosa, ou seja, impedem a queda mais rápida dos juros - da Selic, melhor dizendo, porque os outros juros continuam aumentando - e, assim, geram novos obstáculos ao crescimento, como observou o ex-presidente do BC.

O regime fiscal é ruim, pois alimenta despesas que não resultam em benefícios para a sociedade e a economia, e exige um sistema tributário voltado exclusivamente para o aumento da arrecadação, e não, como deveria ser, para estimular o crescimento, a modernização e a integração do Brasil à economia globalizada. O atual governo teve oportunidade de mudá-lo, mas os vínculos de seu partido, o PT, com o funcionalismo tornaram inviável a reforma, pois esta envolverá necessariamente a redução da folha de pagamento da União.

O Brasil pode crescer 5% ao ano, acredita o ex-presidente do BC. Mas, para isso, precisa com urgência atacar problemas como o dos gastos públicos ruins e excessivos. "No início do próximo governo, é crucial que esse problema seja atacado rapidamente", recomenda.

Editorial de O Estado de S Paulo

Na era pré-colombiana

A América Latina vive tempos interessantes, embora carregados de maus presságios. O Brasil sumiu do radar do Fórum Econômico Mundial, em Davos, deslumbrado com a formidável ascensão da China e da Índia. Ao mesmo tempo, o presidente venezuelano Hugo Chávez consolidou a sua condição de novo ídolo da esquerda continental, representada pelos mais de 70 mil participantes do Fórum Social em Caracas, desbancando o encanecido Fidel Castro. Por último, na Bolívia, a equipe do presidente Evo Morales emite sinais desacorçoantes - porque a esmagadora maioria dos seus membros não faz a menor idéia do que é o Estado, do que significa administrar e, pior, de como funciona o mundo.

Nesse sentido, poucas manifestações terão sido tão reveladoras quanto a entrevista do novo chanceler boliviano David Choquenhuanca ao enviado deste jornal a La Paz, Lourival Sant'Anna, publicada na sexta-feira. Da etnia aimará como Morales, sindicalista rural, diplomado numa escola cubana de "formação de quadros", Choquenhuanca encarna não menos do que o seu amigo e chefe o "lindo espetáculo" a que se referiu Lula, na posse de Morales, aludindo ao fato sem precedentes da eleição de um indígena no país - a expressão mais notória do movimento de afirmação política, estendendo-se dos Andes ao México, dos herdeiros das civilizações pré-colombianas.

Numa perspectiva humanista, o resgate da identidade e da cultura ancestral, dizimadas ao longo dos séculos pelo colonialismo espanhol e pelas europeizantes elites locais, seria de louvar irrestritamente não fossem três dados da realidade que com isso se entrelaçam. Primeiro, a mentalidade que idealiza o passado anterior à Conquista, como se a cruel empreitada colonial tivesse sido um raio no céu azul de um Éden idílico e fraterno, que nunca tivesse conhecido nem a violência, nem a opressão - em suma, o mundo do "bom selvagem" imaginado por Jean-Jacques Rousseau, com a diferença de que os povos indo-americanos não eram selvagens, no sentido usual da palavra, mas construtores de notáveis civilizações.

"Éramos um só continente, chamado Abiayala, no qual vivíamos como irmãos", suspira o chanceler boliviano Choquenhuanca. "Nos dividiram com fronteiras, bandeiras, hinos. Assim fracionados, não poderemos sobreviver. Precisamos voltar ao nosso grande Abiayala." A idealização preocupa pelo segundo dos dados da realidade acima referidos. Pois dela deriva a fantástica sugestão de reconstruir o comunismo primitivo, o que seria uma guinada regressista sob aparência progressista. O ministro quer que as multinacionais do petróleo e gás invistam na Bolívia e lhe transfiram tecnologia, obedecendo ao princípio do uaki, pelo qual os nativos devem compartilhar os seus bens com os demais até que estes se tornem autônomos. É de imaginar os colossos do setor se acotovelando para chegar logo a La Paz.

O anticapitalismo dos líderes nativos, desde o subcomandante Marcos no México ao candidato presidencial Ollanta Humala no Peru, mais Evo Morales, teria restrita importância não fosse o terceiro dado da realidade - o fato de o seu mentor ser Hugo Chávez, "base de apoios econômicos e políticos, e provedor de receitas úteis de desestabilização", como ressalta o professor espanhol Antonio Elorza, em alentado artigo para o El Pais, de Madri, transcrito ontem no Estado. Ele observa que os indigenismos na área andina "se combinam com interesses econômicos muito concretos, como a defesa do cultivo da coca, e desfrutam para a sua reivindicação, ao mesmo tempo étnica e nacionalista, de um ambiente favorável: regimes democráticos que contemplaram o fracasso das burguesias criollas, servis à 'águia temível'".

Para os brasileiros, não deixam de ser instrutivos o protagonismo de Chávez, com a sua Revolução Bolivariana, e a onda indianista que embute diversas ideologias sob o denominador comum da vontade de poder, como ressalta Elorza. E são instrutivos porque permitem distinguir formas de pensar, situações objetivas e metas a alcançar. O mundo a que pertence o Brasil - e isso haverá de estar claro para o presidente Lula - é outro, o dos Brics, o acrônimo que designa os países emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China). O tempo com que nos defrontamos é o da globalização, não o pré-colombiano ou o colonial. E para esse mundo e para esse tempo Lula deve se voltar se quiser que deles o País não seja posto à margem.

Fazendeiro JK Xico Graziano

OESP

Chegou uma onda. Despertados na TV, os anos JK acalentam, após 50 anos, as conversas sobre a política nacional. Revisita-se uma época marcante, na qual a agricultura acaba suplantada pela indústria. A cidade vence o campo.

O desenvolvimentismo dos anos 1950 representou, sem dúvida, a virada da economia brasileira. Desde 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas, a política "café-com-leite" manipulada pelas oligarquias paulista e mineira perdera o jogo do poder. Começava a industrialização, comandada pelo Estado a serviço da nascente burguesia.

"50 anos em 5", o famoso slogan do Plano de Metas de JK, mostrava pressa em romper com o passado. Na economia, a ordem era substituir importações pela produção local. Exportador bruto de matérias-primas agrícolas - café, açúcar, fumo, cacau -, o País precisava urgentemente construir seu parque industrial. Chegou lá.

Em contraposição, é importante ressaltar que a verdadeira obsessão pela indústria, criada naquele período, promoveu um desprezo pela produção rural. As luzes brilhavam todas na cidade. A terra restou esquecida.

Surgiu o fenômeno do êxodo rural, revelando um monstro de duas caras. De um lado, sorridente, estampava a felicidade do emprego, do conforto urbano, da liberdade humana. Representava o Brasil livrando-se de seu passado, da opressão latifundiária. Velhos coronéis do sertão substituídos pelos novos patrões capitalistas.

De outro lado, espelhava a face triste do retiro, as agruras da incerteza, o caminhão pau-de-arara, a família arrebentada. Atraídas pela urbanização, ou expulsas pela mecanização agrícola, estima-se que, entre 1960 e 1980, 27 milhões de pessoas tenham deixado o campo e buscado a sorte na cidade grande.

A humanidade vingou exigindo a migração campo-cidade. Estranha, portanto, não foi a existência do processo, mas sim sua fúria. Nas nações desenvolvidas, a transição populacional e a industrialização se fizeram paulatinamente. Aqui, ocorreu num piscar de olhos. Em duas décadas se cumpriram dois séculos de História.

Em 1950, o Brasil contava 60 milhões de habitantes, dos quais a maioria (63,8%) morava na zona rural. Em 1970, segundo o IBGE, a população rural atingiu seu máximo, somando 41 milhões de pessoas. Mas a inversão já havia ocorrido: os urbanos já eram majoritários, com 55,9% da população.

Na década de 50, início da forte desruralização, quase a metade (46,3%) dos migrantes rurais, estimados em 11 milhões de pessoas, vinha do Nordeste. Na década seguinte, porém, o maior fluxo migratório teve origem no Sudeste. As colônias das fazendas de café foram literalmente esvaziadas durante os anos 60.

Bolsões de miséria nas periferias urbanas incharam terrivelmente. O crescimento e a geração de empregos jamais suportaram a oferta descabida de mão-de-obra causada pelo êxodo rural. Elevadas taxas de crescimento populacional engrossavam o fluxo. Milhões chegaram ao mercado de trabalho e deram com a porta fechada. Viaduto virou lar.

Houve fome. O grande problema residia nas deficiências do abastecimento. O consumo de subsistência nas fazendas precisou, em pouco tempo, ser substituído pelo comércio varejista. Redes de distribuição inexistiam. Surgiram os Ceasas; mais tarde, os sacolões. Uma corrida contra a escassez.

Uma coisa puxou a outra. A demanda urbana exigia elevação da produtividade rural. Por outro lado, a falta de braços na roça estimulou a mecanização. Assim, o capitalismo penetrou no campo, desencadeando um extraordinário movimento de modernização tecnológica.

Quando JK tomou posse na Presidência da República, a área cultivada no Brasil mal ultrapassava 20 milhões de hectares, um quinto dos quais ocupado com café. Hoje, a área cultivada atinge 62 milhões de hectares, sendo 70% com lavouras temporárias de cereais e grãos.

Na pecuária, apenas 15 milhões de hectares advinham, em 1950, de pastagens plantadas; o resto era natural. Agora, as pastagens artificiais, cultivadas com gramíneas selecionadas, somam 120 milhões de hectares. O rebanho bovino pulou de 70 milhões para 200 milhões de cabeças.

JK promoveu a indústria automobilística. No campo ainda imperavam a carroça e a tração animal. Somente em 1959 o País produziu o primeiro trator, na fábrica da CBT-Cia. Brasileira de Tratores. Antes disso, as máquinas agrícolas vinham do exterior. Em 2005, a frota de tratores ultrapassou 1 milhão de unidades.

Muita coisa mudou, para melhor, neste meio século desde JK. É bem verdade que a transição para a sociedade urbana poderia ter ocorrido de forma mais planejada, sem tanto trauma. Mas não adianta choramingar o passado. A História não dá marcha à ré.

Vale o aprendizado para o futuro. A ânsia da rápida industrialização gerou uma ilusão na sociedade brasileira. Supôs, como num sonho, que mudar de casa e pisar no asfalto seria passaporte para a felicidade. Triste engano. A pobreza, característica da sociedade agrária se imiscuiu nas entranhas da metrópole.

No final da vida, JK virou fazendeiro. Provavelmente ele já tinha ciência de que o fosso entre campo e cidade, subproduto cultural da onda desenvolvimentista dos anos 50, havia gerado o caipira, terrível caricatura do trabalhador rural. Chapéu na cabeça, mineiro de fala arrastada, caiu ele próprio, sem o perceber, na armadilha ideológica do progresso, que costuma negar o passado.

Nenhuma nação se desenvolve deixando para trás seus agricultores. Essa foi a grande lição dos anos JK.

DORA KRAMER: CPI cita, mas não indicia

OESP

Menção a Lula e Palocci em relatórios de comissões não busca punição legal, só política

Duas discussões hoje em pauta nas comissões de inquérito da crise, dos Correios e dos Bingos, já têm desfecho definido: nenhuma das duas deverá pedir os indiciamentos do presidente da República e do ministro da Fazenda, embora seja quase certo que os relatórios finais de ambas mencionem os nomes de Luiz Inácio da Silva e Antônio Palocci.

O presidente, por leniência em relação aos atos de seu partido e aliados na prática de ilegalidades para a sustentação da base parlamentar do governo; o ministro, por convivência passiva com as infrações - entre elas fraudes em contratos de serviços públicos, formação de caixa 2 e tráfico de influência - de seu grupo de assessores na prefeitura de Ribeirão Preto.

O valor dessas menções é meramente político para a oposição. Na avaliação de integrantes de ambas as CPIs, há sustentação factual para citá-los, mas não existem indícios para apontá-los como autores dos crimes que serão relacionados nos relatórios finais.

As citações não necessariamente provocam efeitos jurídicos, mas certamente têm conseqüências políticas, pois, principalmente no caso de Palocci, podem ensejar um pedido de investigação por parte do Ministério Público ou da Polícia Federal.

Em relação ao presidente, os malefícios legais são praticamente inexistentes: no exercício do mandato ele não pode ser processado a não ser por crime de responsabilidade e este, equivalente a um pedido de processo de impedimento, depende do Congresso, cuja disposição de fazê-lo este ano é nula.

Mas, a despeito da quase nula eficácia jurídica, a simples existência de um documento de natureza acusatória com referências ao presidente e ao ministro serve de instrumento de propaganda política e tem repercussão negativa. Daí a movimentação do governo, dos governistas e até de alguns oposicionistas para evitar a inclusão dos nomes de Palocci e Lula.

Na CPI dos Bingos hoje está prevista a votação de uma emenda do senador Antero Paes de Barros ao relatório parcial do senador Garibaldi Alves, pedindo o indiciamento do ministro, mas ontem tudo se encaminhava para um adiamento do debate.

A idéia seria deixar essa questão para o relatório final quando, então, se chegaria a um acordo para mencionar, mas não indiciar Palocci.

De acordo com um proeminente senador do PSDB, não valeria a pena enfrentar o tema agora, pois, em virtude da existência de simpatizantes do ministro na oposição, insistir na tese poderia render uma cena de briga explícita entre os oposicionistas num momento crucial de definição de alianças e candidaturas à Presidência da República.

Mesmo o pefelista Demóstenes Torres, um dos mais duros inquiridores de Palocci durante o depoimento, acha que não há base real para indiciamento.

"Os fatos indicam conivência, mas a autoria não está estabelecida. Ainda não apareceu uma ligação pessoal e direta do ministro com os crimes", diz o senador.

Na opinião dele, se o elo não aparecer, a menção se justifica, mas o pedido de indiciamento não teria consistência.

Demóstenes Torres pondera inclusive que um pedido de indiciamento poria fim à investigação das denúncias relacionadas com empresas de bingo, a razão de ser da CPI.

S.O.S.

O senador Antero Paes de Barros propôs o indiciamento de Palocci em reação às declarações do senador Aloizio Mercadante ao final do depoimento dele na CPI dos Bingos, acusando a oposição de tentar "apequenar" o ministro e mencionando "problemas mais graves" ocorridos com governadores e prefeitos de partidos oposicionistas.

Poderia ter sido pior. Antero queria propor - e naquela hora havia clima para a aprovação - uma acareação entre Antônio Palocci e seu principal acusador, Rogério Buratti, mas foi convencido a desistir.

Bate-rebate

O governador Geraldo Alckmin, apontado pelos correligionários de José Serra como "lento" e "travado", administrativamente falando, é rápido no gatilho político-eleitoral e responde de pronto ao adversário interno.

"Acho estranho que companheiros queiram ver companheiros sendo criticados", diz, a propósito da avaliação de serristas de que o governador vai bem nas pesquisas porque não é questionado em suas ações.

A respeito da qualificação como "megacentralizador", Alckmin estabelece diferença entre centralização e cobrança de resultados. "Para garantir a aplicação adequada do gasto é preciso estar em cima e isso não é centralizar."

Sobre a alegada "lentidão", responde com os números dos investimentos (R$ 9 bilhões) previstos para 2006, "sem aumento de impostos".

Travado? Alckmin também não aceita: "Toco duas linhas do metrô, entreguei 36 quilômetros do Rodoanel, estou pronto para iniciar a nova fase das obras, tudo sem um centavo do governo federal ou da Prefeitura."

A pretendida unidade tucana em torno da eleição no momento é cenográfica - só tem a parte de fora.

segunda-feira, janeiro 30, 2006

AUGUSTO NUNES Conta tudo, Duda

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29.01.2006 |  O marqueteiro Duda Mendonça preparou com minúcia e requinte o depoimento de Duda Mendonça na CPI dos Correios. No começo de agosto de 2005, ele foi içado do grande pântano pelo puçá escalado para o resgate de donos de contas bancárias suspeitíssimas. Já sentindo na nuca o bafo dos investigadores, planejou o contragolpe.

Voluntariamente, irromperia no Congresso uma única e espetaculosa exibição. A performance previa passes de calcanhar, lançamentos de trivela, pedaladas de Robinho, chutes de letra, gols de bicicleta, o diabo. Feito isso, era correr para o abraço e, depois, para o mar da Bahia. Só ignorou a histórica lição de Garrincha: não combinou com os adversários o que desejaria fazer.

No dia 11 de agosto de 2005, o marqueteiro do rei irrompeu sem aviso prévio na sala da CPI, escoltado pela sócia Zilmar Fernandes, companheira de tabelinhas. Durante quase oito horas, seguiu aplicadamente a estratégia que montara, enriquecida por retoques visuais e dramáticos golpes de cena.

Os cabelos ralos informavam que pentes não passava por ali havia tempos. A camisa de mangas curtas sugeria simplicidade, desapego, gente como a gente. Chorou com capricho, feito ator de novela mexicana. Terminada a exibição, petistas choravam também. Oposicionistas se comoviam com o patriotismo do cidadão Luiz Eduardo Cavalcanti de Mendonça. A flor de sinceridade foi herói por algumas horas.

No depoimento, contou que recebera do vigarista Marcos Valério um ultimato: ou abria uma conta no exterior ou não receberia um só tostão do PT. O tamanho do débito – cerca de 13 milhões de dólares – dispensou-o de dúvidas aflitivas. "Era a única maneira de conseguir a quantia estabelecida em contrato", desculpou-se, olhos marejados. A platéia, emocionada, assentiu com balanços de queixo.

A conta homiziada em Miami, sob a guarda do BankBoston, tem o nome de Dusseldorf. (Boa escolha. Lembra aquele vampiro). Duda jurou que jamais cometera esse tipo de pecado. Só transgredira em Dusseldorf. Não tinha dinheiro em outros países, não movimentava contas em bancos lenientes. Mas havia muitos pecadores agindo à sombra do partido da ética, ressalvou.

Pormenores perturbadores sublinharam a descrição da lavanderia de dinheiro instalada no exterior por vestais decaídas do PT. Duda acabou reconhecendo que a Dusseldorf era uma conta-ônibus, utilizada para a consumação de bandalheiras. Alguns horrores depois, ele deixou a CPI com cara de coroinha. Achou que estava abandonando o palco. O depoimento seria o prólogo de um drama ainda longe do fim.

Já no meio da discurseira, integrantes da CPI perceberam que Duda estava contando só uma parte da história – e retocada. Nas semanas seguintes, comprovou-se que Duda tem uma penca de contas no exterior. É um veterano no ramo do enriquecimento em dólares. Reportagens recentes da revista Veja comunicam que Duda, sempre ouvido com atenção por caçadores de votos, merece ser ouvido com atenção redobrada por caçadores de pilantras.

O publicitário milagreiro e o candidato a tudo Paulo Maluf conviveram anos a fio. Aparentemente, trocaram proveitosos segredos profissionais. Graças aos craque em ilusionismo eleitoral, Maluf aprendeu a não empinar o queixo, demitiu os aros truculentos dos óculos. Graças às lições do homem que fez São Paulo (fora o resto), Duda aprendeu a consumar tenebrosas transações a muitos quilômetros das fronteiras do Brasil.

Inquieto com o bombardeio crescente, Duda anda mandando recados ameaçadores a antigos parceiros. Se tentarem puni-lo, vai revelar o muito que sabe. É uma notícia excitante para um país às voltas com tantas perguntas sem resposta. Conta tudo, Duda.

Editorial da Folha de S Paulo

VOTO ISLÂMICO

Editorial
Folha de S. Paulo
30/1/2006

As primeiras experiências eleitorais em países do Oriente Médio antes comandados por governos autocráticos, nacionalistas e laicos estão levando à emergência de partidos islâmicos radicais, a exemplo do que se viu na vitória do Hamas nos territórios palestinos.
Com retórica e prática que desafiam princípios republicanos em voga no Ocidente, essas forças chegam ao poder legitimadas pelo voto popular. Mas, do ponto de vista estratégico, problematizam uma das diretrizes da diplomacia ocidental, a princípio correta, que é a de "exportar" a democracia para essa região.
Antes da vitória do Hamas, um aberto defensor do terrorismo, o forte vínculo entre islamismo e política já havia se revelado nas eleições legislativas do Iraque, realizadas em dezembro, e do Egito, onde o grupo radical Irmandade Muçulmana obteve 88 das 150 cadeiras em disputa.
Na Arábia Saudita, as primeiras eleições para as câmaras municipais do país foram marcadas pela grande votação dos wahabitas, extremistas dentro do mundo islâmico. A mesma trajetória foi percorrida no Líbano pelo grupo terrorista Hizbollah, que conseguiu eleger uma bancada no Parlamento.
O antecedente histórico desses movimentos é a Revolução Islâmica do Irã em 1979, que levou os xiitas e os aiatolás ao poder. Depois de um período de inspiração reformista, os iranianos voltaram a escolher radicais conservadores como representantes, nas eleições de 2004 e 2005.
A partir da revolução iraniana, outros regimes inspirados no nacionalismo árabe começaram a ser confrontados por partidos islâmicos sempre que ocorreram eleições.
A chegada de grupos islâmicos ao poder por meio do voto deve ser respeitada, como princípio. Mas esse respeito deve estar condicionado a que seus integrantes mantenham as regras do jogo que permitiram sua própria ascensão. Caso ajam para derrubar os alicerces da competição eleitoral, é lícito que essas facções sejam proscritas a título de preservar o bem maior, que é a democracia.

Sobre o liberalismo - MARCO MACIEL




Folha de S. Paulo
30/1/2006

TENDÊNCIAS/DEBATES

Intelectual e estadista, falecido em 1954, Alcide De Gasperi é reconhecido como o "Reconstrutor da Pátria", conforme epitáfio inscrito sobre sua pedra tumular na Itália. Considerado, ao lado do alemão Konrad Adenauer e do francês Robert Schuman, um dos idealizadores do projeto da União Européia, dizia que o democrata tem idéias, e não ideologias.

Ser liberal, antes de um ideário ou doutrina, é uma conduta existencial, uma atitude de vida

Sem pretender interpretar a sentença, é provável que De Gasperi considerasse a ideologia como um dogmático sistema de idéias, uma hermética cosmovisão, mesmo porque não se pode ignorar os muitos pontos de intersecção política entre poder e ideologia. Esta, afinal, "mescla descontentamento com o que se tem e esperança com o que se quer ter" e "desenha um mundo desejável, às vezes confundindo realidade com utopia", como observa Rodrigo Borja, ex-presidente do Equador, na sua "Enciclopédia Política".
No Brasil, desde que os partidos políticos foram alçados à condição de entes constitucionais -e fomos um dos primeiros países a fazê-lo, há 60 anos-, deles se exige, para seu registro, tão-somente manifesto e programa.
Com relação ao partido de cuja fundação participei, nascido de um movimento histórico que ensejou a transição para a democracia, caberia, preliminarmente, recordar que ser liberal, antes de um ideário ou doutrina, é uma conduta existencial, uma atitude de vida, visto que "o liberalismo não conhece verdades políticas absolutas, a liberdade de espírito é ponto fundamental e, nesse sentido, a tolerância é condição necessária", como apontou Karl Flach em "O Futuro da Liberdade".
Nem toda democracia, como se sabe, é liberal, mas só é liberal um regime que seja democrático. Esse silogismo parece deixar claro considerar-se democrático qualquer sistema político que respeite o princípio da maioria, calcado em eleições livres, competitivas; conviva com a renovação periódica dos mandatos; e pratique o pluralismo. Mas também resulta inquestionável que mesmo um sistema com essas características pode não ser liberal, na medida em que liberalismo transcende a democracia.
Isso não significa afirmar que o liberalismo criou o Estado democrático de Direito e, menos ainda, a democracia. Ajuda, porém, a explicar porque o liberalismo se aloja em pressupostos mais amplos que a democracia.
Mencione-se, a propósito, nossa própria evolução política. O império no Brasil, desde a outorga da Constituição de 1824 até sua revogação, em 1889, constituía um Estado de Direito. Havia eleições periódicas que atendiam ao princípio competitivo da época e se admitiu o pluralismo político e doutrinário, como era corrente nas principais democracias do começo do século 19. Entretanto, um sistema que convivia com a escravidão jamais poderia ser caracterizado como liberal.
O que diferencia, portanto, o liberalismo da democracia é o fundamento ético de ambos. Os valores fundamentais e permanentes da democracia são a liberdade e a diversidade, entendida a primeira como princípio sobre o qual deve fundar-se a organização política da sociedade, e a segunda, como corolário que leva necessariamente ao pluralismo. Sob o ângulo político, parece claro que esses valores podem existir em qualquer regime ou sistema democrático, sem que isso prefigure um modelo liberal, cujos fundamentos partem do pressuposto de que não existe liberdade sem igualdade, nem pluralismo ou diversidade sem eqüidade.
Etimologicamente, igualdade e eqüidade se equivalem. Contudo, a idéia de eqüidade difere da idéia de igualdade.
O ideal da justiça liberal, de que fala John Rawls, por exemplo, é permitir que todos tenham um tratamento eqüitativo, o que não significa igual, mas, ao contrário, diferenciado. Igualdade é o princípio de acordo com o qual todos devem contribuir com a mesma parcela para o bem comum. Eqüidade é o princípio pelo qual as contribuições são repartidas de forma proporcional, e não igual. Logo, sob a ótica liberal, igualdade e eqüidade são princípios éticos e políticos distintos, na medida em que o último é compensatório, e não meramente regulatório.
Nessas condições, enquanto o princípio utilitário da democracia é a garantia da liberdade e a igualdade de tratamento para todos, o do liberalismo é não só a garantia da liberdade com as mesmas oportunidades mas algo mais transcendente, que é a busca da eqüidade.
Por fim, é apropriado lembrar que, como na lição bíblica, o joio cresce com o trigo. Assim, não é correto associar o liberalismo com liberismo, um distorcido modo de aplicação do ideário liberal à economia; menos ainda transformá-lo em "neoliberalismo". Aliás, como afirma Vargas Llosa, na obra "O Liberalismo entre Dois Mistérios", neoliberalismo "equivale a dizer semi ou pseudoliberal, ou seja, um puro contra-senso".

Editorial da Folha de S Paulo

POBREZA NA METRÓPOLE

Editorial
Folha de S. Paulo
30/1/2006

Há mais pobres, em termos absolutos e relativos, nas metrópoles brasileiras do que na zona rural. A pobreza em São Paulo e no Rio de Janeiro, que aliam baixa geração de emprego e alto custo de vida, tem se mantido estável.
Essas conclusões de Sônia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade, deveriam levar a reflexões sérias sobre as diretrizes das políticas públicas brasileiras.
De 2003 para 2004, enquanto a economia do país cresceu quase 5%, o contingente de 7,5 milhões de pessoas pobres habitando a região metropolitana de São Paulo ficou inalterado. Pelo cálculo de Rocha, houve até mesmo um pequeno acréscimo, de mais de 200 mil pessoas, em suas fileiras, o que levou a taxa de pobreza no conurbado a 41,6% da população.
A metodologia da pesquisadora tenta expressar o que o senso comum intui: deixar de ser pobre em São Paulo requer mais rendimento nominal do que em Salvador, por exemplo. Seu estudo demarca a linha da pobreza em R$ 250,79 mensais por pessoa para o primeiro caso e em R$ 181,19, para o segundo.
Políticas de transferência de renda ignoram tal assimetria ao estabelecer padrão único para o território nacional. São menos eficazes onde o custo de vida é mais alto e talvez até extrapolem o razoável onde o dinheiro compra mais. Seguindo o raciocínio, é preciso questionar se a concentração de programas de renda mínima no Nordeste rural e das pequenas cidades já não está em desacordo com a distribuição nacional da pobreza.
Mais importante é notar que a economia das maiores regiões metropolitanas não tem gerado postos de trabalho necessários para que a pobreza diminua. Enquanto isso, o arranjo de políticas de desenvolvimento regional continua a responder ao diagnóstico dos anos 50 e 60. Passa da hora de corrigir tal distorção. Se a evidência econômica não bastar, que se leiam os gráficos de mortes por homicídio nessas áreas onde vivem mais de 20 milhões de pobres.

O alckmista- VINICIUS TORRES FREIRE



Artigo
Folha de S. Paulo
30/1/2006

SÃO PAULO - Geraldo Alckmin nasceu numa incubadora política. Na verdade, brotou em Pindamonhangaba, mas floresceu na estufa de Mário Covas. Sua aparência asséptica e sem cicatrizes não vem só daí. Não se arranhou no combate à ditadura, pois algo jovem (53 anos) e muito municipal para participar das principais refregas. Não tomou parte da convulsão populista da Nova República. Como deputado constituinte e federal não foi desimportante. Nem importante, apesar de seu papel decisivo nas leis que criaram o sistema federal de saúde e a assistência social federal, aliás bem-feitas.
A primeira idéia política a transparecer em Alckmin foi o enxugamento dos governos, corte de gastos e privatização, idéia que emanou logo quando firmou raízes como vice-governador. Embora não seja má idéia, foi a primeira e a última. Desde então, o governador compartilha certos dons com o alquimista Paulo Coelho: embora saiba fazer ventar (na política), é capaz de não ser notado, de ficar invisível (ideologicamente).
Alckmin pode até estar no caminho de se tornar o puro espírito da luz gerencial, o anjo iluminado da administração, que em breve encarnará também o financismo. Talvez por isso seja tão admirado por uma parcela dourada e gorda do empresariado paulista, que por inclinação profissional admira gerentes e por hábito detesta política de verdade, sendo até outro dia adepta da ditadura e malufista, disfarçando hoje seu reacionarismo com a fantasia gerencial.
Talvez não seja correto implicar com a falta de eloqüência ideológica de Alckmin. Seus secretários falam por ele. Gabriel Chalita fala por si, por Alckmin e por quem quiser, com suas dezenas de livros de sentimentalismo algo religioso e muito kitsch, profeta do primeira-damismo e filósofo do chá de caridade. Saulo de Castro também fala pelos tubos -de revólver. Trata-se do crisântemo e da espada, da manteiga e do canhão; com o gerencialismo da obra de Alckmin, também conhecida como Opus Dei, formam a trindade ideológica da direita que quer derrotar Lula.

Agendas e objetivos diferentes - LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA




Folha de S. Paulo
30/1/2006

OPINIÃO ECONÔMICA

Nos últimos 25 anos a economia brasileira se manteve semi-estagnada, crescendo a uma taxa per capita de cerca de 1% ao ano, quando nos 30 anos anteriores crescia 4% ao ano. O baixo crescimento durante os primeiros 14 anos explica-se pela alta inflação e pelo esgotamento do modelo de desenvolvimento anterior -o modelo de substituição de importações. Nesse primeiro período, porém, foram feitas reformas importantes, em especial a abertura comercial que eliminou o elemento protecionista, a privatização das empresas estatais que operavam em mercados competitivos e, o que é mais importante, debelou-se em 1994 a alta inflação inercial com o Plano Real. Não obstante, nos 11 anos seguintes (1995-2005), a economia permaneceu semi-estagnada. Por quê?
Desde 1995 até hoje, passando por dois governos, as autoridades econômicas adotaram fielmente a política recomendada por Washington e Nova York. Essa política, fruto do saber convencional dominante, traduz-se, no curto prazo, pela prioridade ao combate à inflação via redução do déficit público e juros elevados, e no médio prazo, pela proposta de reformas institucionais microeconômicas orientadas para o mercado e pela estratégia de crescimento com poupança externa com abertura da conta capital. Seus pressupostos são os de que, garantido o controle da inflação e da dívida pública e feitas as reformas, o mercado se encarregará de promover o desenvolvimento. Venho fazendo a crítica sistemática dessa política de curto e médio prazo, não apenas porque ela é irrealista quanto às possibilidades de que o mercado apenas, sem estar acoplada a ele uma estratégia nacional, possa produzir a retomada do desenvolvimento mas também porque ela não produz a estabilidade macroeconômica que visa. Ao contrário, devido às altas taxas de juros e à baixa taxa de câmbio (valorizada) que provoca, mantém o país em permanente semi-estagnação e o sujeita a recorrentes crises de balanço de pagamentos, como, de fato, aconteceu em 1998 e em 2002.
Observe-se, porém, que minha crítica não se confunde com o saber convencional dominado que reclama do excesso de ajuste fiscal, sugere que o país se volte novamente para o mercado interno, defende gastos públicos maiores para estimular a demanda efetiva e faz propostas irresponsáveis de "renegociação" da dívida interna e externa. A terceira posição que defendo nesta coluna -e que denomino "novo-desenvolvimentista"- envolve, pelo menos em um primeiro momento, mais ajuste fiscal e não menos, mas seu objetivo principal não é baixar a inflação, mas baixar a taxa de juros básica do Banco Central, que é hoje a verdadeira grande doença da economia brasileira, e administrar a taxa de câmbio de forma a manter a economia brasileira competitiva e dotada de maior capacidade de gerar poupança interna.
Existe aqui, portanto, um problema de definição da agenda nacional, mas nessa definição estão implícitos objetivos diferentes. A ortodoxia convencional, ao enfatizar apenas a política fiscal e de juros, recusando-se a administrar a taxa de câmbio, na verdade não tem como objetivo o desenvolvimento econômico, mas neutralizar a capacidade competitiva do Brasil. Interessa, portanto, aos países ricos, e não a nós. Não objetiva nem sequer a estabilidade macroeconômica, porque taxa de juros básica tão alta como a brasileira é incompatível com qualquer definição de estabilidade e porque a combinação de abertura financeira com a recusa de administrar a taxa de câmbio implica necessariamente instabilidade cambial.
Essa diferença de agenda não significa, naturalmente, que não seja importante controlar a inflação. Entendo que a taxa atual, em torno de 6%, é ainda muito alta. Não há nenhuma razão para o Brasil não ter um nível de inflação girando entre 2% e 3%. Mas a forma de alcançar esse objetivo não é o Banco Central estabelecendo juros básicos estratosféricos, que indexam toda a dívida pública do país e provocam um custo fiscal de 8% do PIB, e sim definindo uma estratégia de baixa da taxa de juros. É aprofundar o ajuste fiscal durante o período de baixa da taxa de juros, promover uma reforma financeira que elimine a indexação dos títulos de longo prazo pela Selic e terminar com todo tipo de indexação dos preços administrados. Em outras palavras, é completar o Plano Real, que foi um plano de desindexação, mas que manteve ainda indexados os ativos financeiros públicos e os preços dos serviços públicos.
Essa diferença de agenda não significa tampouco que as reformas microeconômicas orientadas para o mercado não sejam necessárias. Desde que bem pensadas e moderadas, elas são muitíssimo necessárias. É especialmente necessário levar adiante a reforma da gestão pública de 1995 e a reforma da previdência pública. Mas essas reformas não substituem uma competente política macroeconômica que defina corretamente os objetivos e as prioridades e rejeite qualquer ortodoxia, qualquer saber convencional.


Editorial da Folha de S Paulo

"SPREAD" ABUSIVO



30/1/2006

Apesar do movimento de queda na taxa de juros básica promovido pelo Banco Central, o "spread" cobrado pelos bancos nas operações de crédito aumentou, contribuindo para elevar os juros pagos por empresas e consumidores. O "spread" é a diferença entre os custos de captação e o de aplicação dos recursos financeiros. Ele cobre os gastos com as instalações, os salários, os impostos, os depósitos compulsórios, a inadimplência esperada e a margem de lucro desejada.
Em dezembro de 2004, o "spread" médio nas operações de crédito era de 26,8 pontos percentuais. Um ano depois, havia subido para 28,8 pontos percentuais, de acordo com o BC. Apesar de o custo de captação médio ter recuado para 17,1% ao ano, as taxas de juros cobradas nas operações de crédito subiram para 45,9%.
Esse movimento está em flagrante contradição com as perspectivas para o crédito doméstico. No final de 2004, a taxa de juros básica apresentava forte tendência de alta.
Já a partir de setembro de 2005, a situação se inverteu.
Parece evidente que o aumento no "spread" decorre basicamente da expansão das margens de lucros dos bancos. Em algumas modalidades, como o crédito ao consumidor, a taxa média de juros praticada pelos bancos aumentou 8,8 pontos percentuais, acima da registrada em novembro de 2005, saltando para 65,2% ao ano em dezembro!
O crescimento na oferta de financiamento foi liderado pelos bancos privados, cujas carteiras de crédito se expandiram 25,3%, em comparação com dezembro de 2004. Nos bancos públicos, o aumento foi de 16,1%. A expansão ocorreu no segmento de taxas de juros livres, que apresentaram um crescimento de 25,6%.
O fato reforça o sentimento de que existe uma atuação oligopolista dos bancos brasileiros. Se aumentou a procura por crédito, deveria haver mais competição pelos clientes, o que redundaria na redução dos "spreads". Mas o caso brasileiro ignora o que reza a cartilha liberal. Aqui, a margem dos bancos cresceu.

Fernando Rodrigues - Os marqueteiros




Folha de S. Paulo
30/1/2006

BRASÍLIA - Vários publicitários de renome no mundinho político tendem a ficar de fora das eleições neste ano. Nizan Guanaes, Nelson Biondi e Duda Mendonça são alguns -por motivos públicos diferentes.
Há uma profunda mudança em curso na área político-propagandística brasileira. Parece que a moda agora é ser "conhecido pela discrição", como se tal feito fosse possível quando se trata de marketing.
O fenômeno dos marqueteiros no Brasil passou por alguns estágios. Na volta do país à democracia, nos anos 80, a maioria desses profissionais vinha do jornalismo, fazia propagandas pobres esteticamente na comparação com a já boa qualidade técnica da TV nacional. A inflexão foi em 1989, com Fernando Collor -emblematicamente tendo Duda Mendonça entre seus colaboradores.
Os anos 90 foram para os profissionais de marketing político no Brasil uma espécie de eldorado. Cobravam-se milhões de dólares. Os políticos pagavam. Em 98, alguém teve a idéia de levar para um pequeno Estado do Nordeste um técnico em software de edição digital de vídeo. O assombro dos locais foi parecido ao dos índios quando viram Caramuru atirar para o ar com uma carabina.
Políticos ignorantes, publicitários gananciosos e falta de estrutura partidária decente foram três fatores que fizeram a riqueza de muitos desses marqueteiros.
Chegou o século 21 e hoje até os políticos do interior têm acesso à internet. Fazer um clipe com qualidade razoável custa centavos de real. A fórmula de uma campanha eleitoral já é conhecida por todos: pesquisas quantitativas, qualitativas, grupos assistindo ao programa previamente e momento histórico adequado.
É possível que ainda alguns ganhem muito dinheiro na eleição de outubro. Pode até ser. Nesse caso, são políticos e marqueteiros de mãos dadas enganando os eleitores.

Clóvis Rossi - O declínio do império, segundo Soros




Folha de S. Paulo
30/1/2006

DIÁRIO DE DAVOS

A derrota é pesada até para os ricos e famosos. Em anos anteriores, George Soros, o megainvestidor (ou megaespeculador), mal podia caminhar no corredores do Centro de Congressos de Davos, sempre procurado pelos participantes e jornalistas.
Este ano, teve tanta tranqüilidade que mesmo sua habitual entrevista coletiva, sábado, ficou com a (pequena) sala a ela reservada quase vazia.
Soros lançou, de todo modo, o único raio no céu azul das previsões feitas no Fórum: disse que há riscos políticos sérios, decorrentes do que considera "declínio do poder e da influência dos Estados Unidos no mundo".
Nesse suposto vácuo, entrariam o que Soros chamou de "cevadores de problemas". Primeiro na lista: o Irã e seu programa nuclear, que, sempre segundo o investidor, goza internamente de "grande popularidade".
Perguntei a Soros se suas avaliações não estavam envenenadas pelo fato de ter gasto milhões de dólares na campanha eleitoral norte-americana, para tentar evitar a reeleição de George W. Bush, que, no entanto, ganhou. "Minha resposta simples é sim."
Enviesada pelo despeito ou não, difícil discordar dele quando reclama cooperação internacional, lamenta que os Estados Unidos não trabalhem nesse sentido e diz que o aquecimento global e a proliferação nuclear são "um perigo para nossa civilização".

ABRAÇO DE CHÁVEZ
Até ao falar de América Latina, Soros olha para as carências da gestão Bush. Elogia a eleição de Evo Morales na Bolívia, por ser indígena, mas acrescenta: "Infelizmente, será abraçado por Hugo Chávez, não por Washington". E diz que uma "frente anti-americana está surgindo na América Latina".

LOBBY ARMADO
Aproveitei a visita para ler o jornalista David Morton dizer que a vitória no plebiscito da proibição de armas no Brasil se deveu ao "empréstimo" de "argumentos e táticas da NRA". É a National Rifle Association, "talvez o mais poderoso lobby político da América".

O SEDUTOR CLINTON
Bill Clinton pode ser ex, mas continua um sedutor. Prendeu a atenção do público que ouviu seu diálogo, no sábado, com Klaus Schwab, o presidente e criador do Fórum Econômico Mundial.
Cativa não apenas pelas análises bastante serenas e informadas, mas pelas "boutades". Exemplo: ao falar sobre o Irã, disse que o atual presidente fez campanha pedindo aos eleitores que votassem nele que ele "assinaria os cheques".
Emendou rápido sem nem mesmo sorrir: "Poderia ser candidato a prefeito na América".
Não só na América do Norte, Bill.

Editorial de O Estado de S Paulo

O bonde passa, de novo



30/1/2006

A mais perversa forma da famosa impontualidade latino-americana é a que se manifesta no hábito de perder o bonde da História. Um claro sinal de que o bonde está sendo novamente perdido é o baixo crescimento da maior parte da América Latina, enquanto outras economias em desenvolvimento, especialmente na Ásia, aproveitam o dinamismo do mercado global e se transformam com rapidez. O mundo percebe esse contraste e essa percepção foi revelada sem disfarce na reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos. Enquanto Índia e China ocupavam enorme espaço na pauta de palestras, debates e entrevistas, a agenda do encontro reunia mexicanos e brasileiros num almoço, para discutir as causas de seu modesto crescimento nos últimos anos.

Num ambiente de quase depressão, empresários e políticos dedicaram-se a um exercício penoso de auto-análise e o resultado, afinal, não foi desprezível. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, comentou, horas depois, que os latino-americanos pelo menos aprenderam a não mais culpar os outros por seus problemas. O ministro está certo apenas em parte. O discurso populista, que volta ser ouvido na América Latina, retoma o velho mote da voracidade imperialista como fonte de todos os males. A retórica do presidente venezuelano Hugo Chávez é somente o exemplo mais notório e não um caso isolado.

Em vez desse tipo de retórica, o que se ouviu naquele encontro foi um conjunto de análises nem sempre novas, mas, de modo geral, bastante realistas. Um detalhe especialmente importante é que nenhum dos empresários e políticos se deixou enredar na discussão de questões conjunturais. Além disso, ninguém contestou as vantagens da estabilidade fiscal e monetária alcançada, penosamente, na maior parte da região. É preciso promover o crescimento que falta a partir dessa estabilidade, e não ao custo de um retorno aos velhos desequilíbrios.

Esse pormenor mostra que, apesar de tudo, parte dos empresários e dos políticos da América Latina aprendeu algo com a experiência das últimas décadas. Não o suficiente para liquidar certos hábitos tradicionais, mas, de toda forma, alguma transformação de mentalidade ocorreu.

Uma das intervenções mais interessantes foi a do ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo. A América Latina, observou Zedillo, teve muitos Estados autoritários, mas não teve, e continua sem ter, Estados fortes, capazes de executar suas funções básicas, incluída a oferta básica de educação. Não há império da lei quando os Estados são fracos e isso dificulta o funcionamento da economia de mercado. Não basta, disse o ex-presidente, escolher boas políticas: é preciso dispor de instituições adequadas para executá-las.

Seu discurso foi genérico, mas é claramente aplicável à maior parte da América Latina, incluído o Brasil. O descompasso entre as instituições e as necessidades objetivas do País é uma das causas principais do baixo dinamismo brasileiro. A estrutura do orçamento é inadequada e favorece o desperdício de recursos. O sistema tributário funciona para alimentar um orçamento mal concebido e inflexível e não para ajudar o funcionamento de uma economia moderna e integrada globalmente. A separação entre objetivos de governo e objetivos de Estado nem sempre é clara e o enfraquecimento das agências reguladoras perpetua essa disfunção.

O excesso de burocracia, percebido e denunciado pelos empresários, reflete menos o interesse efetivo do Estado que o poder de grupos de interesse instalados no setor público e em certas áreas privadas. É outro sintoma da fraqueza do Estado. A tirania burocrática não é um peso somente para os negócios e, de modo geral, para a chamada sociedade civil. É um entrave também para o poder público, pois consome energias e dificulta sua operação.

Se isso é verdade, por que não se reforma o aparelho estatal? Porque é preciso, para isso, derrubar interesses muito bem defendidos. No caso do atual governo brasileiro, o problema é agravado pelas velhas ligações entre o funcionalismo público, especialmente o federal, e o PT. O quadro das deficiências latino-americanas se completa com a incapacidade, ainda dominante em vários segmentos políticos, de perceber que a região não é o mundo e que é preciso tomar como referência os melhores padrões globais. Alguém pode duvidar de que essa falha de percepção seja uma das causas principais do fiasco do Mercosul?