FOLHA
MADRI - Em 1992, eu estava como correspondente desta Folha em Madri. No domingo em que a revista "Veja" começou a circular com a entrevista de Pedro Collor que detonaria o processo que levaria à queda do irmão-presidente, Alon Feuerwerker, então no comando da Sucursal de Brasília, chamou-me e disse: "Gostaria que você estivesse aqui em Brasília amanhã cedo (segunda-feira)".
Já não havia vôos de Madri para o Brasil. Foi uma correria para conseguir a conexão Madri/Lisboa/Rio/ Brasília. Quando me sentei finalmente no avião de uma Varig ainda em forma, ia respirar aliviado quando vieram as recomendações a respeito do cólera, que então assolava a pátria amada. Estava havia pouco em Madri, mas é facílimo e rapidíssimo acostumar-se à civilização.
Duro é o choque de ser trazido de volta à realidade de um país primitivo a ponto de ter problemas com uma doença medieval.
Catorze anos e quatro presidentes depois, o choque retorna. Ler a Folha com mais atenção, para me atualizar após uma semana de debates em Davos, é ler a história de um país primitivo, bárbaro.
Só um caso, por falta de espaço: a história de Shirley da Silva Santos, atingida por uma bala perdida em tiroteio entre a polícia e ladrões, é a história da roleta-russa que é viver em São Paulo (ou no Rio ou mesmo em outras grandes e pequenas cidades do Brasil). Shirley havia apenas saído inocentemente no domingo em um bairro supostamente tranqüilo. Não estava no Iraque.
No mesmo caso, Jóbson Coelho Lopes teve seu carro roubado pelos ladrões, que, depois, se envolveram no tiroteio. O carro não estava na rua, de onde, no mundo todo, carros são roubados em penca. Estava em um estacionamento. Pior: Jóbson deu graças a Deus por ter tido apenas o carro roubado sem que ele estivesse presente.
Não é primitivo um país em que a vida é roleta-russa e em que ser "apenas" roubado é uma bênção?