segunda-feira, janeiro 30, 2006

Agendas e objetivos diferentes - LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA




Folha de S. Paulo
30/1/2006

OPINIÃO ECONÔMICA

Nos últimos 25 anos a economia brasileira se manteve semi-estagnada, crescendo a uma taxa per capita de cerca de 1% ao ano, quando nos 30 anos anteriores crescia 4% ao ano. O baixo crescimento durante os primeiros 14 anos explica-se pela alta inflação e pelo esgotamento do modelo de desenvolvimento anterior -o modelo de substituição de importações. Nesse primeiro período, porém, foram feitas reformas importantes, em especial a abertura comercial que eliminou o elemento protecionista, a privatização das empresas estatais que operavam em mercados competitivos e, o que é mais importante, debelou-se em 1994 a alta inflação inercial com o Plano Real. Não obstante, nos 11 anos seguintes (1995-2005), a economia permaneceu semi-estagnada. Por quê?
Desde 1995 até hoje, passando por dois governos, as autoridades econômicas adotaram fielmente a política recomendada por Washington e Nova York. Essa política, fruto do saber convencional dominante, traduz-se, no curto prazo, pela prioridade ao combate à inflação via redução do déficit público e juros elevados, e no médio prazo, pela proposta de reformas institucionais microeconômicas orientadas para o mercado e pela estratégia de crescimento com poupança externa com abertura da conta capital. Seus pressupostos são os de que, garantido o controle da inflação e da dívida pública e feitas as reformas, o mercado se encarregará de promover o desenvolvimento. Venho fazendo a crítica sistemática dessa política de curto e médio prazo, não apenas porque ela é irrealista quanto às possibilidades de que o mercado apenas, sem estar acoplada a ele uma estratégia nacional, possa produzir a retomada do desenvolvimento mas também porque ela não produz a estabilidade macroeconômica que visa. Ao contrário, devido às altas taxas de juros e à baixa taxa de câmbio (valorizada) que provoca, mantém o país em permanente semi-estagnação e o sujeita a recorrentes crises de balanço de pagamentos, como, de fato, aconteceu em 1998 e em 2002.
Observe-se, porém, que minha crítica não se confunde com o saber convencional dominado que reclama do excesso de ajuste fiscal, sugere que o país se volte novamente para o mercado interno, defende gastos públicos maiores para estimular a demanda efetiva e faz propostas irresponsáveis de "renegociação" da dívida interna e externa. A terceira posição que defendo nesta coluna -e que denomino "novo-desenvolvimentista"- envolve, pelo menos em um primeiro momento, mais ajuste fiscal e não menos, mas seu objetivo principal não é baixar a inflação, mas baixar a taxa de juros básica do Banco Central, que é hoje a verdadeira grande doença da economia brasileira, e administrar a taxa de câmbio de forma a manter a economia brasileira competitiva e dotada de maior capacidade de gerar poupança interna.
Existe aqui, portanto, um problema de definição da agenda nacional, mas nessa definição estão implícitos objetivos diferentes. A ortodoxia convencional, ao enfatizar apenas a política fiscal e de juros, recusando-se a administrar a taxa de câmbio, na verdade não tem como objetivo o desenvolvimento econômico, mas neutralizar a capacidade competitiva do Brasil. Interessa, portanto, aos países ricos, e não a nós. Não objetiva nem sequer a estabilidade macroeconômica, porque taxa de juros básica tão alta como a brasileira é incompatível com qualquer definição de estabilidade e porque a combinação de abertura financeira com a recusa de administrar a taxa de câmbio implica necessariamente instabilidade cambial.
Essa diferença de agenda não significa, naturalmente, que não seja importante controlar a inflação. Entendo que a taxa atual, em torno de 6%, é ainda muito alta. Não há nenhuma razão para o Brasil não ter um nível de inflação girando entre 2% e 3%. Mas a forma de alcançar esse objetivo não é o Banco Central estabelecendo juros básicos estratosféricos, que indexam toda a dívida pública do país e provocam um custo fiscal de 8% do PIB, e sim definindo uma estratégia de baixa da taxa de juros. É aprofundar o ajuste fiscal durante o período de baixa da taxa de juros, promover uma reforma financeira que elimine a indexação dos títulos de longo prazo pela Selic e terminar com todo tipo de indexação dos preços administrados. Em outras palavras, é completar o Plano Real, que foi um plano de desindexação, mas que manteve ainda indexados os ativos financeiros públicos e os preços dos serviços públicos.
Essa diferença de agenda não significa tampouco que as reformas microeconômicas orientadas para o mercado não sejam necessárias. Desde que bem pensadas e moderadas, elas são muitíssimo necessárias. É especialmente necessário levar adiante a reforma da gestão pública de 1995 e a reforma da previdência pública. Mas essas reformas não substituem uma competente política macroeconômica que defina corretamente os objetivos e as prioridades e rejeite qualquer ortodoxia, qualquer saber convencional.