quinta-feira, junho 30, 2005

Governo de coalizão ou monopólio político?



Carlos Pereira e Timothy Power, Valor Econômico (30/06/05)

Ao tomar posse em 2003, a primeira medida do governo Lula foi a expansão do número de ministérios em 66%, tendo passado de 23 postos no governo FHC para 35 no atual governo. Diferentemente do governo anterior, cujo partido do presidente (PSDB) ocupava apenas 26% dos cargos ministeriais, as novas posições criadas pelo presidente Lula foram fundamentalmente ocupadas por integrantes do Partido dos Trabalhadores que, mesmo com uma bancada de apenas 18% das cadeiras (91 deputados), ocupou 60% dos ministérios (21 postos). Por outro lado o PMDB, com 15% das cadeiras (78 deputados), se juntou posteriormente à coalizão deste governo e conseguiu ocupar somente 6%; ou seja, 2 ministérios (ver tabela ao lado, com todos partidos da coalizão).

De acordo com Octávio Amorim (FGV), a proporcionalidade entre o número de cadeiras legislativas e o número de ministérios indicados por cada partido pertencente à coalizão caiu de 0.76 no governo FHC (sem contar o último ano de seu governo) para 0.50, no governo Lula. Trata-se de um gabinete altamente partidarizado e nominalmente majoritário, único dentre os 20 formados desde a redemocratização em 1985. Este índice de proporcionalidade se assemelha quase à condição de monopólio, situação na qual os preços são definidos pelo monopolista; neste caso o PT. O governo Lula preferiu alocar os espaços do seu gabinete com as várias tendências internas do PT. Naturalmente que os outros partidos da coalizão, que esperariam partilhar dos recursos de poder fruto da sua condição de aliado, sentiram-se progressivamente excluídos do jogo. Para tentar compensar esta progressiva frustração decorrente da desproporcionalidade dentro da coalizão de governo, o monopolista, que não apresentou disposição de compartilhar espaços, abrindo mão de fatias de poder e de recursos, teve que recompensar os aliados de outras formas mais heterodoxas. Este foi o custo da desproporcionalidade.

O governo FHC não caiu neste jogo porque ao consorcializar, de forma mais proporcional, os espaços do seu governo com os membros da sua coalizão, sinalizou para os aliados que tinha restrições sobre o que e quanto poderia negociar. Ou seja, emendas orçamentárias e cargos no Executivo. A forma monopolista e nominalmente majoritária de governar gerou uma armadilha ao proporcionar incentivos crescentes aos aliados, superestimando assim o preço do apoio e lealdade, bem como aumentando chances de defecções dos insatisfeitos. Quanto mais proporcional for um governo de coalizão, mais satisfeitos ficam os seus membros e, conseqüentemente, menores são os custos de coordenação e de obtenção de lealdade. Por outro lado, quanto menos proporcional o governo, menos satisfação existe, e mais custos de lealdade o governo passa a enfrentar.

Forma monopolista de governo, desconfiada com os aliados e sem compartilhamento de gestão, está em crise

Se estivermos corretos, um quadro de superdominância no Executivo e subdominância no Legislativo encontrado no governo Lula, cedo ou tarde, leva a uma falha de mercado político. Neste caso, defecções, como a de Roberto Jefferson funcionam como o soar de um alarme de incêndio e simbolizam uma tentativa de reequilíbrio da coalizão. Ou seja, de "correção de mercado" na taxa de proporcionalidade monopolizada. Da mesma forma que o valor de uma moeda pode ser distorcido com políticas equivocadas de um banco central, o preço do mercado de apoio político ao governo no Congresso foi distorcido com essa taxa de proporcionalidade extremamente baixa do governo do PT. Cedo ou tarde o mercado político corrigirá o preço do apoio, como ocorre em qualquer outro mercado. A taxa de proporcionalidade de um presidencialismo de coalizão funciona como uma espécie de média do índice da bolsa de valores que é observado atentamente pelos membros da coalizão. O colapso da coalizão do presidente Lula pode ser assim interpretado como se os fundamentos desta coalizão estivessem ruins, dada a supervalorização de um de seus membros. Fazendo uma analogia com uma empresa, existem muitos "investidores" no governo Lula com os mais variados interesses, mas não lhes é permitido definir os membros da "diretoria". Apenas o PT tem esse poder. Em outras palavras, há uma quantidade excessiva de membros do PT no governo e um pequeno número de insatisfeitos "shareholders", até pouco tempo dispostos a manter o José Dirceu como CEO da coalizão do atual governo.

Desta forma, não é o presidencialismo de coalizão que está em crise, mas a forma monopolista, desconfiada com os aliados e, conseqüentemente, não partilhada de governar implementada pelo PT. Pistas deste perfil monopolista de governar são facilmente encontradas na sua história. A peculiaridade do PT sempre foi a centralização e a diferenciação dos demais partidos, como estratégia de construção de uma identidade política "límpida" para colher frutos eleitorais desta "virtude". Entretanto, quando percebeu que não poderia governar de forma majoritária, se viu obrigado (e a contragosto) a conviver com partidos muitas vezes contrários às suas preferências. Mas, equivocadamente, o fez de maneira não partilhada e monopolista. Tendo gerado uma falha no mercado político com os seus aliados, não sustentou as demandas crescentes dos insatisfeitos e cruzou o limite da legalidade. O PT foi assim vítima de seu próprio veneno. Diante da crise atual, alguns "acionistas" resolveram vender suas ações do governo Lula. O PMDB está comprando-as a preço baixo, na expectativa de que seu valor aumente em 2006. Investir em ministérios é sempre um bom negócio na política brasileira, mas um duopólio PT-PMDB apresentaria alguns dos mesmos riscos que o monopólio petista praticado desde 2003. No sistema político brasileiro, governabilidade é sinônimo de proporcionalidade!


Carlos Pereira é Professor da Escola de Economia de São Paulo (FGV), da Michigan State University (MSU). E-mail: carlospereira@fgvsp.br

Timothy Power é professor da Florida International University (FIU). E-mail:powertj@fiu.edu

Augusto Nunes - Especialista em retiradas



Coisas da Política
Jornal do Brasil
30/6/2005

Derrubado do Planalto pelo megaventilador de Roberto Jefferson, o primeiro-ministro José Dirceu perdeu o latifúndio no coração do poder e a tarja de capitão presenteada por Lula. Não perdeu a pose: invocou a necessidade de cumprir na planície uma dupla missão. O autonomeado comandante das tropas do PT, da CUT e do MST liquidaria o exército de golpistas que inventam casos de corrupção para derrubar o governo. Como deputado, reduziria a pó as denúncias e acusações documentadas que vão ampliando o pântano da corrupção. Uma por falta de soldados, outra por escassez de argumentos, as duas versões de Dirceu falharam na missão. E já bateram em retirada.
Nesta semana, essa flor de esquizofrenia deveria comparecer à Comissão de Ética da Câmara para demolir as acusações de Jefferson. Achoumais sensato adiar o depoimento. Se o Congresso mantiver o cínico recesso de julho, só em agosto a hora da verdade chegará. Para contornar o confronto, apresentou uma desculpa desconcertante: precisava cuidar da mudança. Em vez de monitorar buquês de grupos de trabalho interministeriais, desta vez teria de vigiar o embarque no caminhão da penteadeira, embalar faqueiros, contar lençóis. No dia previsto para o depoimento, não fez nada disso. Estacionado no café da Câmara, gastou o tempo atacando fatias de bolo.

Talvez tenha sido o mais bisonho dos muitos recuos. São tantos que permitem desconfiar de que a formação militar em Cuba não se limitou à escolinha de guerrilheiros freqüentada pelo "compañero Daniel". O histórico do combatente sugere que ele decerto se diplomou, com louvor, também num curso de especialização em retiradas precedidas por bravatas belicosas. Ainda nos anos 70, voltou clandestinamente ao Brasil para derrubar a bala a ditadura militar. Notou que a paisagem andava bem mais feia que a vislumbrada do Caribe. Retirou-se para uma cidade no interior do Paraná e ali ficou escondido cinco anos. Disfarçado de comerciante. No começo de 2003, mandava e desmandava na Casa Civil quando foi golpeado na testa pelo escândalo protagonizado por Waldomiro Diniz. Ainda convalescente da pancada, já sobraçava a metralhadora portátil.

Principal assessor de Dirceu, Waldomiro aparecera na TV como astro do videobandido em que tentava extorquir propinas de um bicheiro. Além de assessor de elite, Waldomiro era amigo havia nove anos de Dirceu, com quem dividira um apartamento em Brasília. "Daqui a alguns dias vou colocar os pingos nos is nessa história", disparou o ministro. A voz ameaçadora sugeria alguém com granadas na garganta. Pura bazófia.Obravo guerreiro bateu novamente em retirada.

Entrincheirado na Casa Civil, não tocou no assunto durante 15 meses. Os pingos nos is que Dirceu sonegou também faltam ao inquérito que se arrasta na Polícia Federal. A investigação padece de anemia encomendada. Quem esbanja saúde é o extorsionário trapalhão. Dispensado da incumbência de atrair para o rebanho governista deputados sensíveis a dinheiro ou nomeações, Waldomiro trocou as batalhas no Congresso por incursões pelos supermercados de Brasília. Recomenda-se atenção aos gerentes.

O estilo do guerrilheiro "Daniel" manifestou-se exemplarmente nosmovimentos executados depois da queda recente. Mandado para a reserva, o velho capitão de Lula jurou retomar a guerra na planície.Nodia do regresso à Câmara, o terno do deputado parecia coberto por um impalpável sobretudo de marechal- de-campo. Dirceu escalou a tribuna com a nova fantasia: era umNapoleão no inverno.Falou muito, nada explicou.Nãose livrou de nenhuma das acusações que lhe rondam o pescoço. Assustado com clima hostil, achou melhor – outra vez, denovo, como sempre – cuidar da retirada. E fugiu da Comissão de Ética.

Tentou camuflar a fuga com uma parada de 40 minutos na comissão de sindicância da Corregedoria-Geral daCâmara, mobilizada para investigar sabe-se lá o quê. Ali, respondeu a 30 perguntas. Somadas perguntas e respostas, cada questão consumiu um minuto e trinta. Não é muito tempo. Talvez tenha permitido à comissão conhecer o estado civil do depoente, o atual endereço, possíveis alergias, lugar de nascimento e outras irrelevâncias.

O guerreiro em retirada pode adiar a pior estação do calvário, mas dela não escapará. Logo veremos a performance de Dirceu na CPI. Ali o aguardam inquisidores cada vez mais ansiosos

Miriam Leitão :Melhor em 50

o globo

O Brasil pode terminar o ano com a menor dívida externa líquida/exportações dos últimos 50 anos. No ano passado, essa forma de medir a dívida chegou a 1,54 vez, ou seja, a dívida externa do país significou em 2004 uma vez e meia tudo o que o Brasil exportou no ano. Em 2005, a relação deve cair mais um pouco ficando abaixo do que foi registrado no distante ano de 1956.

Caiu a dívida ou aumentou a exportação? Ambos. A dívida externa, pública e privada, tem diminuído e o Brasil anda batendo recordes sucessivos na exportação, mesmo com o dólar chegando a níveis impensáveis. A cada mês, a taxa de rolagem da dívida privada tem diminuído. Se o empresário endividado rola menos, é porque está pagando a dívida.

Por outro lado, a exportação só faz crescer nos últimos tempos. Com os dados de junho, o saldo comercial brasileiro acumulado é de mais de US$ 19 bilhões. Isso apesar do crescimento das importações, que registram, também no acumulado até este mês, um aumento de 20% sobre o mesmo período de 2004.

Há várias explicações para esse desempenho, mas, em geral, são constatações posteriores. O último Boletim do Ipea lista as explicações possíveis para esse resultado: preços aumentaram, há uma defasagem entre queda do câmbio e o seu efeito nas exportações, a desvalorização do dólar foi um fenômeno geral. Descontando-se tudo isso, continua sendo impressionante o resultado de US$ 38 bilhões de superávit nos últimos 12 meses num contexto de moeda se apreciando e aumento das importações. Mas, em algum momento, a exportação sentirá o peso da queda do dólar. Alguns setores vão reduzir suas exportações durante o último semestre.

— Fico preocupado com o que pode estar acontecendo neste segundo trimestre. No primeiro, ainda se trabalhava com um dólar na média acima de R$ 2,60, mas agora ele está muito mais baixo. Grandes mudanças podem demorar a vir; mas vão acontecer mudanças em algum momento — comenta Bruno Levacov, da Investidor Profissional.

O setor de celulose não tem motivos, pelo menos por enquanto, para se preocupar. Está vivendo um ano de demanda aquecida e forte aumento no preço que, só em 2005, já subiu 20%. Desta vez, explica Rogerio Ziviani, diretor de Negócios Internacionais da Suzano, a razão não é a China, que este ano comprou bem menos, mas, sim, Europa e Estados Unidos, que estão demandando uma celulose barata e de melhor qualidade. Além disso, a China vai repor seus estoques no segundo semestre e a Finlândia, importante produtora, vive uma greve que paralisou as fábricas.

— Sazonalmente, o segundo semestre é melhor. Mas este ano pode ser ainda melhor que nos anos anteriores -— avalia Ziviani.

A Suzano Papel e Celulose exporta 80% de sua produção, 70% dessa celulose são negociados em contratos de longo prazo, de 2, 3, 5 anos. Ou seja, exporta-se de qualquer maneira e, com os preços altos, exporta-se com qualquer câmbio.

O setor de calçados está, sim, sentindo bastante a questão cambial. Nos cinco primeiros meses do ano, foram vendidos 10 milhões de pares a menos para o exterior que no mesmo período de 2004, quando 99 milhões de pares foram exportados. Apesar desta queda considerável de 10% no volume de vendas, o faturamento continua positivo pois, na troca de estações, alguns conseguiram reajustar seus preços médios.

— No nosso caso, tivemos uma queda nas exportações de 40% no primeiro trimestre, isso com um dólar com queda de 8% — conta Marcos Peixoto, diretor financeiro da Grendene.

O Rio Grande do Sul vende para outros países 70% do que é exportado pelo Brasil. Em muitos casos, a produção é feita por pequenas fábricas. Segundo a Abicalçados, por causa sobretudo da questão cambial, que diminuiu a competitividade, 11 mil pessoas já foram demitidas na região do Vale dos Sinos.

Os setores que estão com problemas são menos numerosos que os que continuam aumentando a exportação. E o fato a comemorar é a extraordinária redução da dívida externa/exportação. Em 99, o indicador registrava quatro; agora, ficará abaixo de 1,4. Mas não é hora de pendurar as chuteiras, porque o Brasil perde nesse indicador para vários países emergentes. Ganha, com certeza, apenas da Argentina. Também nesse campo.

Merval Pereira :Radicalizações

o globo


O governo ontem abriu mão de qualquer apoio da oposição na atual crise política ao manobrar claramente, até mesmo com o apoio pessoal do presidente Lula, para ampliar as investigações de corrupção, em diversos níveis, até o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, numa tentativa de acuar a oposição. Até uma antiga CPI do Sistema Único de Saúde (SUS), que já estava arquivada, foi inutilmente ressuscitada como uma ameaça.

Em movimentos erráticos que são características suas desde que as primeiras denúncias de corrupção na base aliada tornaram-se públicas, o governo, que acenara na véspera com uma reaproximação com o PSDB, no dia seguinte partiu, através do PT, com uma agressividade que parecia perdida, para incluir os últimos governos tucanos em todas as investigações. Com o acirramento dos ânimos ontem, ficou improvável qualquer negociação política para contornar a crise, o que torna imprevisível seu desfecho.

Um dia antes, o presidente Lula havia conversado com o governador de Minas, Aécio Neves, no Palácio do Planalto, e voltara a lamentar o afastamento entre o PT e o PSDB, idéia que os dois sempre defenderam. A atuação do PSDB na atual crise política fora elogiada pelo presidente, que deixou no ar a necessidade de acordos políticos futuros no Congresso.

À noite, acompanhado do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que levara Aécio ao Planalto, o senador Aloizio Mercadante se reunira com os líderes do PFL e do PSDB para negociar projetos de interesse dos estados, como metrôs e programas contra inundações na Nordeste.

Quando tudo parecia caminhar para desanuviar o clima de tensão no Congresso, acendeu-se o estopim de uma crise ainda maior na manhã de ontem. Na CPI dos Correios, a base governista só concordou em quebrar o sigilo do publicitário Marcos Valério se a decisão retroagisse cinco anos, para abarcar os últimos anos do segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique.

A situação política está tão confusa que deputados da base aliada viram-se no triste papel de defender o publicitário mineiro, hoje no centro das acusações de corrupção como seu principal agente. E os parlamentares da oposição quase passaram a defensores do deputado Roberto Jefferson, acusando o governo de estar preparando uma investigação que terminaria com apenas o deputado do PTB sendo cassado.

Na Câmara, o governo fez todas as manobras regimentais possíveis para aprovar uma CPI que já está sendo conhecida como a da "compra de votos", encabeçada pelo indefectível deputado Sandro Mabel, do PP, e pedida por todos os líderes partidários que estão sendo acusados pelo deputado Roberto Jefferson de receberem o mensalão.

Os mesmos políticos, do governo e da base aliada, que lutaram vigorosamente para tentar impedir a instalação da CPI dos Correios, agora encabeçam o pedido de uma CPI exclusiva da Câmara, para tentar impedir que a CPI mista dos Correios amplie seu escopo e aborde outras estatais e, a partir daí, consiga decifrar todo o esquema de corrupção que estaria instalado.

A CPI da compra de votos incluiria não apenas o mensalão, mas também as denúncias de compra de votos para a aprovação do instituto da reeleição em 1997. Para conseguir efetivar essa manobra, o governo abriu mão de várias matérias que havia classificado como urgentíssimas, e o Diário Oficial da União circulou em uma edição extra esdrúxula, com pequenas notas de curiosidade sobre a participação do escritor Machado de Assis na Imprensa Oficial para encher espaço e apenas uma medida provisória, assinada pelo presidente Lula, que anulava uma outra, para desimpedir a pauta da Câmara.

As manobras regimentais foram usadas intensamente pelos dois lados, e o governo contou com o claro apoio do presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, não por acaso do PP, um dos partidos mais implicados nas denúncias de compra de votos. Uma manobra que teve que colocar o presidente Lula no centro das discussões, e reduziu as possibilidades de isentar-se das acusações que estão sendo investigadas.

Se não sabia antes do que acontecia à sua volta, tese que a oposição aceitava para garantir a governabilidade, hoje sabe de todas as suspeitas e mesmo assim participa da tentativa de impedir uma investigação que não seja tão comprometida quanto essa que se arma na Câmara, onde as mesmas "más companhias" do governo manipulam o regimento para tentar controlar as investigações.

O PSDB estava tendo na atual crise um comportamento mais comedido que o do PFL, que já começara, através de líderes mais agressivos como o senador Antonio Carlos Magalhães e o prefeito do Rio, Cesar Maia, a querer levar a crise para dentro do gabinete presidencial. Ontem, com a agressividade retroativa do PT contra o governo tucano, ficou impossível contar com o apoio do PSDB em qualquer tentativa de amainar a crise política.

Crise que deve ser aprofundada hoje com a previsível radicalização do deputado Roberto Jefferson na CPI dos Correios, que já incluiu a morte do prefeito de Santo André Celso Daniel no rol das conseqüências do que classifica de "o maior esquema de corrupção" já montado. Diante da clara tentativa de deixar apenas com ele a conta das denúncias de corrupção, o deputado Roberto Jefferson deve acirrar hoje suas acusações.


Sai daí, Henrique, rápido!-PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

folha de s paulo


Nada tenho contra a pessoa do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Não o conheço, nunca o vi mais gordo. E, no entanto, como brasileiro, preciso dizer o seguinte: tem que aparecer, urgente, algum Roberto Jefferson que, empostando a voz de barítono de ópera-bufa, diga em alto e bom som: "Sai daí, Henrique, rápido!".
Como sabemos, essa exortação funcionou maravilhosamente contra o ministro José Dirceu. Além disso, as diretorias dos Correios e do IRB foram sumariamente demitidas.
Mas Henrique Meirelles é um caso a parte. As denúncias contra ele são graves e antigas. Apesar disso, sobrevive. Pelo menos, por enquanto.
Não vamos esquecer o óbvio: trata-se de um integrante do Sistema Financeiro. Merece, portanto, especial respeito e consideração. Todo lulista que se preza treme da cabeça aos sapatos quando encontra uma figura dessas.
Henrique Meirelles foi acusado de sonegação fiscal, evasão de divisas e crime eleitoral. Reação do governo Lula: propôs, por medida provisória, que o acusado fosse promovido, isto é, que se desse status de ministro de Estado ao presidente do Banco Central. Com a aprovação dessa medida, Meirelles passou a gozar do direito de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
Corre inquérito criminal contra ele no Supremo. A Folha noticiou anteontem, sem ser desmentida (até onde sei), que Henrique Meirelles está tentando evitar a quebra do seu sigilo bancário, pedida pelo procurador-geral da República. Hmmm...
Corrupção. Até os corruptos a condenam (a culpa não é individual, mas do sistema político, explicam). Obviamente, ninguém é a favor do desvio de recursos públicos para benefício de empresários, políticos e outros espertalhões.
Menos óbvio é o fato de que a política de juros do dr. Henrique deixa o "mensalão" no chinelo. Não é ilegal, mas representa um desvio muito maior e mais sistemático de recursos públicos para o bolso de banqueiros, proprietários de outras instituições financeiras, grandes empresários e demais minorias privilegiadas. Contra esse desvio, a indignação não é tão unânime. Sempre haverá economistas, bem remunerados, dispostos a dar guarida à selvageria que passa por política monetária responsável no Brasil. A razão é simples: os grandes beneficiários da política de juros são os donos do poder e as elites que se apropriam de grande parte da renda e da riqueza do país.
Do ponto de vista da maioria da população, essa política traz mais custos do que benefícios. Controla a inflação, é verdade, mas a um preço exorbitante. O estrago nas finanças do governo está sendo gigantesco. Com os juros brasileiros escandalosamente altos em termos mundiais, aumentam as entradas de capital volátil, também conhecido como capital-motel, provocando valorização perigosa do real com prejuízos para as exportações industriais, agrícolas e de serviços. A taxa de crescimento das exportações vem registrando acentuada diminuição. E os brasileiros voltaram a aumentar os seus gastos com turismo no exterior.
Nesse ambiente monetário e cambial, não há economia que possa investir e crescer em ritmo adequado. Nos meses recentes, todos reduziram as projeções para o investimento produtivo e o crescimento do PIB. Teremos, na melhor das hipóteses, crescimento medíocre. A galinha está aterrissando.
Combinação tenebrosa para um presidente que pretende (ou pretendia) candidatar-se à reeleição: denúncias graves de corrupção e economia praticamente estagnada.
Alguém precisa dizer a Lula: "Presidente, a direção do Banco Central também está botando dinamite na sua cadeira".

LUÍS NASSIF:O ajuste fiscal da Fiesp

folha de s palo 

A bandeira da redução das despesas públicas está ganhando adeptos. O último foi a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), que ontem divulgou o trabalho "Gastos Públicos: Cortar para Crescer".
A proposta da Fiesp é uma redução real de 2% nas despesas públicas durante seis anos. Ou seja, corrige-se a despesa pública do ano anterior pela inflação e se cortam 2%, cumulativamente.
O que se propõe é que esses cortes ocorram por meio da melhoria da gestão e da eficiência. Com a redução das despesas, a Fiesp supõe que, a partir de 2006, a União comece a gerar superávit operacional -ou seja, a diferença entre receita, despesas e correção monetária da dívida. Desse total, 10% iriam para amortizar a dívida, e 90%, para investimentos públicos.
Pelas hipóteses apresentadas, a relação dívida/PIB sairia de 51,8%, em 2004, para 38,3%, em 2010, e 25,7%, em 2015.
O trabalho prevê taxas reais de juros de 12,5% em 2005, 10% em 2006, e, depois, a cada cinco pontos percentuais de redução da relação dívida/PIB, a taxa cai um ponto percentual. Assume que essa hipótese de queda de juros é conservadora.
Trabalha com a hipótese de crescimento do PIB de 3,5% neste ano, 4,24% em 2006 e crescimento gradativo até 6,78% em 2015. Esse comportamento do PIB se explicaria pela mudança no perfil dos ativos financeiros. A partir do momento em que a relação dívida/PIB começa a cair, há dois efeitos na economia. No lado público, a liberação de mais recursos para investimento. Do lado privado, recursos do sistema bancário que migrarão para o setor privado.
Pelas hipóteses apresentadas, os investimentos da União saíram do patamar de 0,6% em 2005 para 3,5% em 2010 e 5% em 2015. O trabalho estima que, do crédito para o setor privado, 22% irão para investimento, e o restante, para consumo. Com isso, a taxa de investimento privado aumentara de 16,8% em 2004 para 18,4% em 2010 e 19,2% em 2015.
O trabalho levanta exemplos internacionais de ajuste vitorioso nas despesas públicas, do caso Clinton-Greenspan nos EUA à Finlândia, que conseguiu reduzir a dívida pública de 67,7% do PIB para 42,4% no período de 1996 a 2002.
Evita-se entrar no ponto politicamente mais delicado, a desvinculação das receitas -o que geraria perdas para os setores sociais, especialmente educação e saúde.
Na gestão Mário Covas, foi possível um forte ajuste fiscal, valendo-se de ferramentas de tecnologia da informação e planejamento de despesas. Há um enorme espaço para ganhos de produtividade no setor público. Mas não há nenhum sinal à vista de que o governo federal disponha de ferramentas gerenciais e quadros para implementar o chamado choque de gestão.
Sem essa garantia, como aceitar cortes em educação e saúde? Para que a proposta comece a se tornar palatável, numa ponta tem que haver um aceno objetivo do governo de que vai racionalizar ministérios e cargos. Mas também há a necessidade de indicadores objetivos, que garantam que os resultados na educação e saúde não serão afetados por esses cortes.

Lula lança pacote anticorrupção "velho"

folha de spaulo 

JULIA DUAILIBI
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No meio de uma série de denúncias de corrupção envolvendo servidores de estatais e pessoas ligadas ao PT, o governo resolveu ir para a ofensiva. Com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, será anunciado hoje um pacote de medidas anticorrupção.
Os principais itens do pacote, no entanto, já estão sendo aplicados pela Controladoria Geral da União há meses. Algumas propostas, inclusive, surgiram em encontro sobre lavagem de dinheiro promovido pelo Ministério da Justiça em 2003. Outras ações serão apenas institucionalizadas.
Uma semana depois de ter feito um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV para falar sobre as ações do governo contra o desvio de dinheiro público, o presidente tentará hoje, com o anúncio do pacote, reforçar a idéia de que não está passivo diante das denúncias.
O pacote a ser anunciado hoje, em cerimônia pela manhã com a presença de ministros no Palácio do Planalto, entre os quais Waldir Pires (CGU), unirá quatro decretos e um projeto de lei.
O governo vem enfrentando uma série de denúncias de corrupção em diferentes esferas federais. A primeira delas foi uma gravação na qual um ex-chefe de departamento nos Correios, Maurício Marinho, negocia propinas de R$ 3.000. Depois disso, o deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), denunciou à Folha um suposto esquema de "mensalão" pago pelo PT a deputados da base aliada em troca de apoio.

Medidas
Entre as ações que serão anunciadas pelo governo hoje está o envio de um projeto de lei para o Congresso que trata da criminalização do enriquecimento ilícito. A proposta do governo é que a pena vá de 3 a 8 anos de reclusão.
Lula assinará também um decreto que institucionaliza as sindicâncias patrimoniais em todos os ministérios. Trata-se de um procedimento investigatório interno, cujo foco serão os servidores públicos de alto escalão. Com o decreto, fica autorizada a troca de informações entre o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), a CGU e a Receita Federal, durante as investigações.
Será assinado outro decreto que institui um sistema de corregedoria para todo o governo, chamado Corregedoria do Poder Executivo Federal. Haverá um corregedor em cada ministério, que poderá fazer sua investigação por meio das sindicâncias patrimoniais. A nomeação dos corregedores será feita pelo ministro Waldir Pires. Um outro decreto determina que os portais dos ministérios na internet tornem públicos contratos, convênios e despesas como as realizadas com viagens. Na prática, institui formalmente o chamado Portal da Transparência, que está no ar há sete meses. Pretende tornar regra o que vem sendo feito pelo Ministério da Justiça.
O último decreto obriga os ministérios a publicarem anualmente na internet um relatório com a auditoria anual feita pela CGU

JANIO DE FREITAS :Um escândalo no escândalo

folha de s paulo

Com a promessa de mais esclarecimentos para hoje, em seu programado depoimento na CPI dos Correios, o deputado Roberto Jefferson introduziu agora em suas denúncias seriadas um assunto que é, por si só, um absurdo escandaloso: os três anos e meio sem explicação convincente e definitiva para o seqüestro e assassinato do então prefeito de Santo André, Celso Daniel.
Os ingredientes desse caso indicam, todos, um enredo de gravidades em que o assassinato não foi o primeiro nem o último crime, Celso Daniel não foi o único figurante político proeminente e nada faz crer que os antecedentes se restrinjam à área de Santo André.
Roberto Jefferson, além da menção espontânea e inesperada à relação entre o assassinato de Celso Daniel e as recentes denúncias de corrupção política, disso, fez questão de dizer, "não tem dúvida". São duas indicações das quais ele e nós outros não devemos esquecer, para os esclarecimentos prometidos ou para as eventuais cobranças. Descobrir o que houve ou há, de fato, por trás do crime de Santo André pode se revelar muito mais importante do que foi admitido até hoje.
Tanto mais que há, também encoberto por explicações inconvincentes, o assassinato de outro prefeito petista, Toninho da Costa Santos, de Campinas, motivo de reiterados pedidos a Lula, todos infrutíferos, de novas investigações.

Bingo!
CPI dos Bingos. Cria, não cria, compõe, não compõe, instala, não instala, funciona, não funciona. E se, afinal em funcionamento, a CPI encontrar indícios de que o dinheiro pedido por Waldomiro Diniz ao empresário de jogo Carlinhos Cachoeira não era para ele, apesar de sua titubeante confissão, mas para fins como o "mensalão", custos partidários e outros agora citados?
Para quem espere investigação razoável, a CPI dos Bingos até que merece uma aposta em revelações interessantes.

Anti-sociais
O noticiado fechamento de 313 salas de aula pela administração José Serra é bem a cara da administração pública à brasileira. Foram fechadas, é a alegação, porque seus respectivos alunos não somam os 15 exigidos pela regulamentação do Mova, Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos.
Onde haja analfabeto, um que seja, a administração pública tem o dever moral, a obrigação legal e a dívida humana de proporcionar-lhe a mais fácil condição para alfabetizar-se. A administração paulistana satisfez-se em mandar os dispensados procurarem a escola mais próxima (quanto será isso?) da extinta.
E por que, para salvar uma sala de alfabetização de jovens e adultos, são necessários no mínimo 15 infelizes analfabetos, e não 11 ou 9 ou 6 ou 3? Trata-se de mulheres e homens, pessoas, e não de lotes de analfabetos, como pretende esse Mova tão contrário ao próprio nome. Aos letrados desse Mova e da administração paulistana não ocorreu que a tal regulamentação não é coisa de analfabeto, mas é coisa de ignorante. E tão simples seria mudá-la.

ELIANE CANTANHÊDE:ELIANE CANTANHÊDE

folha de s paulo

BRASÍLIA - Com CPIs pipocando para todo lado e o "tratoraço" isolando a praça dos Três Poderes, o PMDB acaba de inventar uma nova modalidade de divisão: os governadores de um lado, contra o apoio ao Planalto, e as bancadas do Congresso do outro, a favor da "governabilidade".
Foi assim que o presidente do partido, Michel Temer, protocolou uma carta no Planalto agradecendo muito, alegando falta de unidade interna e dispensando os cargos. Enquanto isso, Renan Calheiros e José Sarney almoçavam com Lula para levar assinaturas das bancadas e dizer o oposto: agradecendo muito e... aceitando de bom grado os ministérios.
Temer falou em nome, por exemplo, dos sete governadores peemedebistas, endividados, irritados, desconfiados e contrários a ampliar a aliança com o governo. Já Renan e Sarney falaram em nome dos senadores e deputados, muitíssimo preocupados com a estabilidade do governo e do próprio país.
Em outras palavras: o governo não tem o apoio institucional do PMDB, mas tem o de suas bancadas no Congresso. A partir daí, é só o Planalto negociar com os governadores, um a um. Não está fácil, mas instrumentos não faltam, e Lula já está em ação.
Tudo se encaixa perfeitamente. O partido consegue o mínimo para ter os quatro ministérios que almeja e mantém um pé na oposição. Quer dizer: fica com as pastas e pronto para apoiar tanto Lula quanto um tucano em 2006. E com o discurso de candidatura própria. Brilhante.
Por ora, o acordo serve aos dois lados: o que interessa ao PMDB é garantir os cargos, e o que importa ao Planalto, desesperadamente, num momento de tantas CPIs e denúncias, não é apoio de governador, e sim maioria parlamentar. Isso, porém, não significa equilíbrio. Na verdade, quem está dando as cartas é o PMDB. O Planalto só corre atrás.
A união faz a força? Nem sempre. No caso do PMDB, é a divisão que faz a força. E garante mais ministérios.

CLÓVIS ROSSI:O Pinóquio da estrela vermelha

folha de s paulo 

SÃO PAULO - O leitor encontrará a seguir a razão pela qual tudo o que o PT e seu governo dizem é pouco ou nada confiável. São trechos da resolução política que foi aprovada pelo 12º Encontro Nacional do partido, realizado em dezembro de 2001, na bica da campanha eleitoral.
"A centralidade do social exigirá a democratização da propriedade, com um profunda reforma urbana que garanta habitação e acesso aos serviços públicos e uma ampla reforma agrária e apoio à agricultura familiar. No campo, o fim da violência e da impunidade do latifúndio é compromisso do novo governo". Alguém viu algo parecido no governo Lula?
Mais: "Em segmentos como petróleo, energia, transporte, saneamento, bancos, onde a presença de empresas públicas ainda é relevante, ela deverá ser preservada, consolidada e AMPLIADA, em novas áreas, como na pesquisa em biotecnologia e em engenharia genética". Cadê tudo isso?
Mais: "O programa de privatizações deve ser suspenso e reavaliado, auditadas as operações já realizadas, especialmente onde existem indícios de má utilização dos recursos públicos ou negligência na preservação dos interesses nacionais".
Alguém ouviu falar?
Mais: "Com relação à dívida externa, (...) será necessário denunciar o acordo com o FMI para liberar a política econômica das restrições impostas ao crescimento e à defesa comercial do país, estabelecer mecanismos transparentes de controle sobre a entrada e a saída de capital, estimular a reinversão do investimento direto estrangeiro através da taxação das remessas de lucros e dividendos". Precisa comentar?
Detalhes nada ociosos: encontro nacional é a instituição suprema do partido e as decisões do 12º Encontro jamais foram revogadas. Autor do texto parcialmente reproduzido: Celso Daniel, assassinado no ano seguinte, crime jamais devidamente esclarecido, aliás.

A CADA DIA MAIS GRAVE editorial da folha

Vai-se tornando mais difícil para o governo e a direção do PT sustentar que as denúncias do deputado Roberto Jefferson acerca do "mensalão" não passam de "mentiras inescrupulosas" visando a golpear a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Os depoimentos se sucedem e novos elementos aparecem, todos apontando para a existência de um grande esquema de movimentação irregular de dinheiro, sobre o qual o país precisa conhecer as explicações. E, até aqui, ninguém melhor para prestá-las do que o publicitário Marcos Valério Fernandes.
Com efeito, são cada vez mais clamorosos os indícios de que o sócio das agências SMPB e DNA -acusado de ser um dos operadores do "mensalão"- vinha se dedicando a assuntos sobre os quais preferiria não fazer nenhuma propaganda.
Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) indica que as duas agências de Valério sacaram do Banco Rural R$ 20,9 milhões em dinheiro entre julho de 2003 e maio deste ano. Sobre a versão de que os recursos destinavam-se a negociações pecuárias, o comentário mais ácido veio de uma anedota que circula no Legislativo, publicada ontem pelo "Painel" desta Folha: o gado de Valério provavelmente estaria confinado nas fazendas "fantasmas" que o ministro da Previdência, Romero Jucá, apresentou como garantia para um empréstimo, em 1996.
As suspeitas que recaem sobre o publicitário são especialmente graves devido às íntimas relações que mantém com dirigentes do PT, como o tesoureiro Delúbio Soares e o secretário-geral do partido, Sílvio Pereira. Não é por acaso que, enquanto o presidente Lula renova suas promessas de "limpar a casa", as forças governistas tentam empurrar o lixo para debaixo do tapete, tentando evitar que o "mensalão" se transforme no principal tema a ser investigado.
Procura-se impedir a criação de uma CPI mista para investigar as denúncias, com o intuito de circunscrever o inquérito à Câmara, onde os acusados poderiam exercer mais controle sobre as investigações.
Contestado em suas versões e incapaz, na esfera política, de reagir com vigor e credibilidade, o governo Lula vai caminhando para uma situação que se afigura cada vez mais difícil.

Caixa dois de Furnas engorda propinas do PT, diz Jefferson

folha de s paulo

RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL

Na noite de terça-feira, antevéspera de seu depoimento à CPI dos Correios, Roberto Jefferson, presidente licenciado do PTB, relatou à Folha um esquema de desvio de dinheiro a partir de Furnas Centrais Elétricas que lhe teria sido descrito pelo diretor de Engenharia da estatal, Dimas Toledo.
"Ele explicou que sobram R$ 3 milhões por mês em Furnas", diz. "Desse total, R$ 1 milhão vai para o PT nacional, pelas mãos do Delúbio [Soares, tesoureiro do partido]. R$ 1 milhão vai para o PT de Minas Gerais, por meio do doutor Rodrigo [Botelho Campos, diretor de Administração, ex-dirigente da CUT-MG]."
Dimas não foi localizado ontem pela Folha para comentar as declarações de Jefferson. Sua secretária informou que ele está em férias, em local desconhecido.
No relato do deputado, o dinheiro restante, segundo lhe teria dito Dimas, era dividido meio a meio: "R$ 500 mil ficam com a diretoria de Furnas" e "R$ 500 mil são repartidos entre um pequeno grupo de deputados".
Pertencem ao grupo, segundo Jefferson, parlamentares que, no início do governo Lula, trocaram o PSDB por siglas da base aliada por influência da Casa Civil, à época chefiada por José Dirceu.
Jefferson nomeia três integrantes desse grupo de ex-tucanos: Luiz Piauhylino (PE), que passou pelo PTB e hoje está no PDT, Osmânio Pereira (PTB-MG) e Salvador Zimbaldi (PTB-SP).
"Esse grupo conseguiu nomear o diretor financeiro de Furnas", diz Jefferson. Trata-se de José Roberto Cesaroni Cury, formado na Unicamp. Campinas é a base eleitoral de Salvador Zimbaldi.
Todos esses detalhes teriam sido apresentados a Jefferson numa visita que Dimas Toledo fez ao apartamento funcional do deputado, em Brasília, na noite de 13 de abril passado. O encontro faria parte do esforço do diretor de Engenharia de Furnas para reverter a decisão do presidente Lula de entregar o cargo ao PTB.
"O Dimas me disse tudo isso sentado aí nessa poltrona", conta Jefferson, apontando para o local da sala de estar onde, anteontem, estava uma de suas assessoras.

Pressões
Jefferson diz que, mesmo antes da visita, já se dera conta das pressões contrárias à substituição em Furnas. Nesse ponto, repete os nomes citados em sua segunda entrevista à Folha, publicada em 12 de junho. Aécio Neves, Itamar Franco, Severino Cavalcanti e grandes empreiteiras seriam alguns dos defensores, segundo Jefferson diz ter ouvido de Dirceu, da permanência de Dimas.
Na noite da visita, Jefferson havia saído com sua mulher, Ana, para assistir a uma apresentação da cantora lírica Denise Tavares, que dá aulas ao deputado. Na volta, encontrou o diretor de Engenharia à sua espera.
"Tudo o que o Dimas me explicou eu relatei depois ao Zé Dirceu. Ele confirmou que era isso mesmo", diz o deputado. "Percebi claramente que o Zé Dirceu estava jogando contra a nomeação do Pirandel [Francisco Pirandel, nome que o PTB havia escolhido para o posto em Furnas]."
Na conversa posterior à visita de Dimas Toledo, Jefferson diz ter ouvido a seguinte proposta do então ministro da Casa Civil: "Roberto, vamos resolver esse negócio por cima. Deixa o Dimas lá. A gente faz um acerto direto entre o PT e o PTB". Jefferson teria respondido com uma frase então recorrente em suas tratativas com os petistas: "Eu não sou problema". Aceitou a proposta.

Lula
Até que, às 10h de 26 de abril, Jefferson esteve no Palácio do Planalto para o que foi, segundo ele, seu último encontro com Lula. Estavam presentes também Dirceu e o ministro do PTB, Walfrido dos Mares Guia (Turismo).
A dada altura da conversa, o presidente teria cobrado um desfecho para a novela de Furnas: "Roberto, por que está demorando tanto?". Jefferson diz ter mencionado as pressões, sem entrar nos detalhes discutidos com Dimas e Dirceu, e se declarado disposto a aceitar solução de compromisso. "Nada disso", teria rebatido Lula. "O Dimas vai sair."
Pouco mais de duas semanas depois, em 14 de maio, a revista "Veja" trouxe gravação em que Jefferson é acusado de comandar a corrupção nos Correios. Em seguida, a ministra Dilma Rousseff, então nas Minas e Energia e hoje na Casa Civil, mandou suspender o processo de substituição em Furnas. Dimas Toledo permanece como diretor de Engenharia.
Em seu depoimento de hoje à CPI dos Correios, Jefferson usará o caso de Furnas para ilustrar três pontos básicos do discurso que tem repetido desde que declarou guerra à cúpula petista.
Primeiro, a idéia de que, a despeito do carimbo fisiológico aplicado aos partidos aliados, é o PT que comanda os postos mais rentáveis da administração federal. Segundo, a caracterização de José Dirceu como responsável maior pelas irregularidades.
Por fim, Jefferson segue inocentando Lula de suas acusações. Ou, numa hipótese menos branda, tratando o presidente como alguém que desconhecia o que supostamente se passava em seu governo. "Quando ele perguntou sobre a substituição do Dimas, ficou claro para mim que ele não estava sabendo de nada."

Lucia Hippolitto: Quem manda na República

blog do Noblat

 

"Em 2002, quase tivemos mais um senador na presidência.  Antes de ser ministro da Saúde, José Serra era senador da República.

 

Uma das boas explicações para esta situação é a de que o senador pode disputar quantas eleições quiser, porque tem o mandato mais longo de todos: oito anos.

 

Durante esse período, sem arriscar coisíssima nenhuma, qualquer senador pode ser duas vezes candidato à presidência e à vice-presidência da República ou a governador de estado ou ainda a prefeito.

 

E mais: pode assumir ministérios, secretarias, até embaixadas e tudo bem. Sua cadeira no Senado está mantida.

 

Agora mesmo, os senadores que têm mandato até 2010 estão se preparando para aderir ao governo Lula. Tudo em nome da governabilidade, é claro.
 

Atualmente, a lei determina que um parlamentar que seja eleito prefeito, governador ou presidente da República deve renunciar ao mandato no Congresso. Mas não existe lei determinando que os parlamentares renunciem ao mandato quando forem nomeados para um cargo no Executivo.

 

Assim, ministros, secretários de estado, dirigentes de estatais, titulares de órgãos da administração indireta podem exercer esses cargos durante algum tempo e depois voltar para o Legislativo.

 

Enquanto não se aprovar uma lei proibindo esse vaivém entre Legislativo e Executivo, os senadores, cujo mandato só fica ameaçado de oito em oito anos, continuarão a mandar na República."

quarta-feira, junho 29, 2005

Cunhado de Gushiken fatura mais com estatais

Cunhado de Gushiken fatura mais com estatais

Carlos Marchi
O Estado de S. Paulo
29/6/2005

As revistas especializadas Investidor Institucional e Investidor Individual, da Ponto de Vista Editorial, do jornalista Luis Leonel, quase dobraram as receitas decorrentes de propaganda de empresas estatais depois que o cunhado de Leonel, o ministro Luiz Gushiken, assumiu a Secretaria de Comunicação da Presidência, no início de 2003. A editora reconheceu ontem, em nota, que os anúncios de empresas estatais representavam 26% da publicidade total das revistas até fim de 2002; em 2003 e 2004 passaram a representar 47,36%% e 45,45%, respectivamente.
Leonel não quis falar à imprensa ontem e distribuiu uma longa nota para explicar sua relação com Gushiken. A nota não fala nos parentescos que pontuam a relação de Leonel com Gushiken, mas o jornalista disse ao Estado que Renata, a irmã de Gushiken, trabalha na parte administrativa da empresa há 10 anos e que sua irmã, Elizabeth Leonel Ferreira, é casada com o ministro. Mas ele insistiu que "o parentesco não tem nada a ver com os anúncios".

SEM PODER

A Secretaria de Comunicação e Governo, por meio da sua assessoria de imprensa, informou que Gushiken não tem poder de influência nas contas de publicidade das empresas estatais. Os critérios para a escolha das revistas do empresário Luis Leonel, cunhado de Gushiken, como anunciantes dos Correios, Caixa Econômica Federal, Petrobrás e Banco do Brasil teriam sido definidos pelas próprias empresas e agências contratadas.

Guilherme Fiuza:Dilma, uma miragem

no mínimo

29.06.2005 |  É bem verdade que, nos dias de hoje, não ter nenhuma ligação pessoal com Delúbio ou Valério é quase um atestado de idoneidade. Ainda assim, o personagem da super-Dilma, projetado sobre a nova ministra-chefe da Casa Civil, parece estar ligeiramente inflacionado. A distância entre Dilma Roussef e os amigos de seu camarada de armas, José Dirceu, pode ser suficiente para indicar o que ela não é. Só ficou faltando dar uma espiada no que ela é.

Ela é a primeira mulher a assumir a Casa Civil, exalta o noticiário. Esse tipo de coisa definitivamente parece tocar os brasileiros. A primeira mulher, o primeiro operário, o primeiro tesoureiro, e assim por diante. Mas não é só isso, Dilma é justiceira. Arrombou o cofre do corrupto Adhemar de Barros. Ela é macho, como disse Gilberto Gil, sem deixar de ser fêmea, e ainda por cima é técnica, sem deixar de ser executiva – uma gestora dura, sem perder a ternura. Enfim, Dilma é um achado.

Mas onde andava essa unanimidade nos últimos dois anos e meio, que ninguém reparou direito? Dilma era a ministra das Minas e Energia, e o Brasil acaba de descobrir que a gestão dela por lá foi exemplar. Agora ela vai cuidar do governo como um todo, coordenando a execução dos principais projetos nacionais, e estão dizendo que desta vez o país engrena. Foi pena que Lula não tivesse descoberto essa locomotiva antes.

O Brasil está unido torcendo pela super-Dilma, que encarnou o que se poderia chamar de "banda boa" do governo Lula. Parece um movimento saudável, mas não há punição prevista para os antipáticos que quiserem manter um olho na realidade. Na realidade, Dilma Roussef assumiu o ministério das Minas e Energia declarando que as agências reguladoras tinham poder demais. Ou seja, a gestora-política-técnica-conciliadora iniciou sua gestão dizendo que a instituição encarregada de zelar pelas regras do setor de energia elétrica estava prestes a ir pelos ares.

Pode-se imaginar como investidores, acionistas, concessionários, enfim, como o gigantesco mercado do setor elétrico passou a dormir com um barulho desses. O sinal seguinte da ministra não foi menos espetacular: colocou sob suspeita o acordo pelo qual o governo financiaria perdas de 3,5 bilhões de dólares das distribuidoras com a desvalorização do real (1999) e a crise de energia (2001). Dilma deu a entender que considerava aquilo uma colher-de-chá para empresas mal geridas, e que o BNDES não ia pagar.

É claro que essas declarações bombásticas da ministra tiveram muito mais repercussão do que o recuo dela, meses depois. Dilma acabou descobrindo, ou alguém lhe explicou, que o acordo era legítimo e que as empresas como um todo não estavam à beira do colapso por má-fé ou preguiça. O esforço e o tempo perdidos com essa turbulência também não foram, evidentemente, para o topo do noticiário.

Depois de embaralhar as cartas, a ministra assumiu o comando da rearrumação da casa. A essa altura, o recado já estava claro: agência reguladora, regras pré-estabelecidas, acordos e todo aquele aparato institucional continuava valendo, desde que tocado pela caneta da fada-madrinha. E se a fada-madrinha queria dizer ao povo que a tarifa de eletricidade estava alta demais, azar o da tarifa – e do sistema existente por trás dela.

Foi mais ou menos com esse espírito que Dilma Roussef lançou as bases de um novo modelo para o setor elétrico (já havia um novo modelo em preparação, mas a ministra não perderia a chance de conceber um novo-novo modelo). A novidade central era a instituição de um leilão nacional de energia, medida já prevista no projeto anterior, mas que Dilma assegurava que reduziria o preço da tarifa para o consumidor. Contra todas as tendências de mercado, no qual a entrada das novas usinas encarece a energia gerada, a varinha da fada-madrinha montou um leilão onde as cotações foram jogadas artificialmente para baixo (niveladas aos menores preços oferecidos).

Em outros tempos, essa varinha de condão seria também chamada de Mão de Ferro do Estado. Ou seja, a estratégia da super-Dilma é do tempo em que se acreditava em baixar preços na marra. É um filme com final previsível: ou as empresas estarão novamente asfixiadas logo adiante e precisarão de nova injeção bilionária (prepare-se, contribuinte), ou o prejuízo terá que ser compensado em futuro próximo com um tarifaço (provavelmente depois das eleições).

Em suas primeiras entrevistas como ministra da Casa Civil – dizendo sempre, em seu timbre quase gritado, ser uma pessoa que gosta muito de ouvir – a nova locomotiva de Lula procurou dar uma idéia de qual será a agenda nacional daqui para a frente. A lista inicial de prioridades é impressionante: continuar a tratar do projeto de transposição do São Francisco, dar uma regada no projeto das parcerias público-privadas, recuperar a malha rodoviária (ou tapar buraco de estrada, como soar melhor) e o item mais empolgante, dar atenção especial "ao conjunto de programas sociais".

Esta é a agenda inicial da camarada de armas Dilma Roussef, gestora exemplar, técnica com sensibilidade política e nova figura de proa da administração Lula. Quem achava que o governo tem estado meio parado ainda não viu o melhor da festa.

Lucia Hippolitto:PMDB nada tem a ganhar se unindo a Lula

blog do Noblat

 

"Os primeiros depoimentos vão confirmando algumas afirmações do deputado Roberto Jefferson. São depoimentos de uma deputada de Goiás, de uma ex-secretária, são documentos oficiais do governo federal que incriminam o publicitário Marcos Valério.

 

Enfim, ainda não se chegou ao tal do mensalão, que não sabe exatamente se existe ou não, mas alguns indícios vão ficando cada dia mais sérios. As investigações prosseguem, tanto na Polícia Federal quanto nas três comissões que estão funcionando no Congresso.

 

Isto cria para o governo Lula a obrigação de sair do impasse, retomar a iniciativa e reconstruir como puder a base aliada. Porque o presidente vai precisar de aliados no Congresso. Além disso, Lula está cada vez mais consciente de que precisa reconstruir seu próprio governo.

 

Mas não está fácil. Não se pode dizer que a primeira iniciativa do presidente da República como articulador político de seu governo tenha sido um sucesso. Parece que por inspiração do senador Aloísio Mercadante, Lula recebeu o presidente do Congresso e o presidente nacional do PMDB e se comportou como se já houvesse um acordo sacramentado entre seu governo e o partido.

Acontece que não havia. Desde o início, o deputado Michel Temer vem dizendo que considera praticamente impossível levar o apoio de todo o PMDB ao governo Lula. Embora seja este o desejo mais ardente da dupla Renan Calheiros-José Sarney.

 

O PMDB, como sabemos todos, não é para amadores. Trata-se de um partido complicado, pois é uma máquina formidável, espalhada por todo o território nacional. Tem a segunda bancada na Câmara dos Deputados, a maior bancada no Senado, sete governadores, o maior número de prefeitos e de vereadores.
 

O que é mesmo que o PMDB tem a ganhar atrelando-se ao governo Lula, um governo bombardeado diariamente por más notícias na área da política? 

 

São acusações de loteamento da administração pública entre os aliados da primeira hora; aparelhamento da máquina com a utilização de mais de 20 mil cargos de confiança, majoritariamente ocupados por petistas; inoperância do governo em várias áreas.

 

Isto sem falar no temor de que as investigações possam alcançar o próprio governo.

A esta altura, a lógica que preside todas as ações, tanto do governo quanto dos aliados e da oposição, é a lógica das eleições gerais de 2006.

 

E exatamente porque é dono de uma máquina partidária tão formidável, que o PMDB está há algum tempo pensando seriamente numa candidatura própria à presidência da República.

 

Pelo visto, este candidato não é Lula. Portanto, o PMDB parece não ter nada a ganhar atrelando-se totalmente a um governo com tantas dificuldades.

 

Provavelmente, as bancadas no Congresso continuarão na base aliada, enquanto os diretórios estaduais, governadores e toda a estrutura peemedebista nos estados pavimentam seu caminho para 2006."

Villas Boas Lula está sempre atrasado

jb


Da comédia aos pastelão, desde os tempos do rádio, do cinema mudo e dos primeiros passos da televisão, sempre arrancou gargalhadas e garantiu a popularidade de atores que exploram o humor direto para o agrado do povão, o tipo clássico do desatento que parece estar no mundo da lua, desligado e ausente e que demora o tempo exato para despertar o público para entender a piada e soltar a gargalhada no descompasso que pontua a hilaridade.

Entre os mais recentes expoentes do gênero, que certamente está na saudade da maioria, inclui-se com o merecido destaque o Seu Obturado, que ganhou vida na criação irrepreensível do extraordinário comediante Walter D'Ávila, com longa atuação no programa de Chico Anísio, até ser convocado para distrair a platéia de São Pedro.

Com todo o respeito, sem nenhuma intenção de fazer graça ou forçar semelhanças caricatas, as tardias reações do presidente Lula nos solenes temas políticos e administrativos do seu notório desagrado lembram o desligamento de Seu Obturado. Tal como agora, ante as encrencas que atormentam o governo e o enrolam nos escândalos do mensalão e da corrupção que se infiltra por todas as brechas oficiais.

Nas hesitações, na dança das dúvidas para sair do imobilismo e efetivar a reforma para valer do cortiço ministerial, com 35 ou 36 ministros e secretários, o presidente não apenas despertou depois da metade do mandato como ensaia um passo à frente, encolhe a perna e escora o rosto na mão fechada, na pose do pensador mergulhado em profundas elucubrações. No exemplo didático o erro é de raiz. Para agasalhar os companheiros derrotados pelo voto, distribuiu ministérios como quem atira balas às crianças no dia de São Comes e Damião. Só não batemos o recorde mundial porque a Índia ganha por pouco com 40 ministros.

Pois quando o bom senso e a necessidade o convenceram da urgência do emagrecimento do obeso indolente, que quase nada faz porque não tem o que fazer, sem projetos nem verbas, o presidente amanhece a cada dia com uma firme decisão que morre na praia. Não sabe se desocupa os cômodos entupidos para reduzir o número de ilustres anônimos e abrir vagas para o PMDB ou se empurra com o umbigo a chateação para o amanhã de cada dia.

A barafunda complicou-se com a urgência em tamponar os rombos na base parlamentar em frangalhos. Para tais emergências pensa-se logo no PMDB, uma legenda dividida em fatias, como bolo em festa de aniversário. E aí a negociação encaroça. O melífluo presidente, Michel Temer, esbofa-se em consultas, articulações, conversas para tentar arrancar a impossível decisão consensual: os governadores desaconselham a barganha do apoio por mais dois ou quatro ministérios, A bancada de senadores, com a sabedoria dos anos, lembra que não se deve recusar nada que o governo ofereça: o que cair na rede é peixe.

Diante de tais dificuldades, a reforma vai sendo adiada, o que não é uma má saída. O PMDB está pedindo alto e sem oferecer a garantia de entregar a mercadoria. Seis ministérios e a liberação de R$ 6,29 bilhões para o atendimento de demandas dos estados, é caro. O PMDB não vale tanto.

Depois do constrangedor reconhecimento da omissão do Ministério dos Transportes na reparação da rede rodoviária com 75 mil km de estradas em pandarecos, Lula anuncia a boa nova da agilização do processo de licitação das obras de julho a setembro. O que significa que estradas sem buracos só para o fim do governo.

No mesmo rumo do descalabro, o desmatamento da Amazônia baterá este ano o recorde histórico. Em compensação o projeto de R$ 4 bilhões para a transposição do Rio São Francisco deverá iniciar as obras em agosto, concluídas as licitações em julho. Portanto, a um ano e cinco meses do fim do mandato: um anunciado milagre do velho Chico.

Obra de bilhões confessadamente eleitoreira, a toque de caixa, em fim de mandato costuma patrocinar um festival de escândalos. Depois do mensalão, das denúncias de corrupção nos Correios e no Instituto de Resseguro e das suas CPIs, o governo esgotou a sua cota de escândalos. Não necessita de mais um para fechar o mandato na aventura da reeleição.

DESASTRE POLÍTICO editorial da folha de s paulo

 O naufrágio do que seria uma "coalizão" com o PMDB para governar o país, poucos dias depois de o presidente da República ter prometido ministérios e posado ao lado de caciques do partido, evidencia mais uma vez o desastre da articulação política do governo e sua inépcia quando se trata de tomar decisões importantes em tempo adequado.
Desorientado e lento, o Planalto deixa-se atropelar pelos acontecimentos, como ocorreu na queda do ministro José Dirceu, e encontra enormes dificuldades para definir seus rumos. Acaba, dessa forma, por descontentar a todos.
Em meio ao agravamento das suspeitas sobre o "mensalão", com novos indícios acerca da atuação do publicitário Marcos Valério, o presidente Lula segue carregando na Coordenação Política um ministro tecnicamente "morto" para a função -enquanto ele próprio comete equívocos. Foi o caso da expectativa criada com o almoço de sexta-feira no Planalto, no qual o primeiro mandatário recepcionou o presidente do PMDB, Michel Temer, e o do Senado Federal, Renan Calheiros.
Atraíram-se as atenções da mídia e sinais foram emitidos dando conta de que um amplo acordo com a legenda estava por acontecer. Mas não tardou para que governadores e líderes do PMDB recusassem a oferta, enterrando a "coalizão". Antes de expor-se ao fiasco, o presidente Lula precisaria ao menos ter obtido mais garantias sobre as perspectivas da negociação com o PMDB. O terreno deveria ter sido mais bem preparado, certificando-se o Planalto das reais condições para um entendimento.
Às vezes tem-se a impressão de que Lula acredita que sua figura e suas palavras possuem poderes encantatórios, capazes de transformar a realidade sem a necessidade de que nela se exerça a ação humana do trabalho. Faltou, nesse episódio, como tem faltado em outros, o esforço articulador de uma inteligência política, algo que, definitivamente, o governo petista não possui.

Fernando Rodrigues - Descontrole quase total




Folha de S. Paulo
29/6/2005

 BRASÍLIA - Propaga-se em Brasília que Lula tomou pé da situação. O presidente estaria ciente da gravidade da crise do "mensalão". Segundo essa visão chapa-branca, o petista constrói com êxito um cordão sanitário para autoblindar-se da lama derramada por aliados.
Trata-se de uma interpretação edulcorada da realidade. Basta andar meia hora pelos corredores do Congresso, assistir ao "Jornal Nacional" ou freqüentar as calçadas movimentadas das capitais para perceber que o escândalo do "mensalão" continua incontrolável. Os humoristas de "Pânico" e "Casseta & Planeta" falam sem a menor cerimônia da "roubalheira em Brasília". E Lula sempre lá. De forma pictórica, mas freqüente. É devastador.
São patéticos os esforços do Palácio do Planalto para dizer que as instituições investigam as acusações com rigor. Tudo o que apareceu até hoje se deve a esforços de jornalistas. Não se tem notícia de algo importante revelado pelo ministro da Justiça ou pelo controlador-geral da União.
Ontem, a CPI dos Correios recebeu um requerimento de informações endereçado ao Palácio do Planalto: quer o disquete contendo todos os cargos federais de livre nomeação, o nome do indicado e do(s) seu(s) padrinho(s). É zero a chance de o furor investigatório de Lula permitir que algo parecido seja fornecido.
Na área política, o presidente coleciona erro atrás de erro. Ofereceu aumentar de dois para quatro o número de ministérios para o PMDB. Posou para fotos com Renan Calheiros e Michel Temer no Palácio do Planalto. Humilhação suprema. Já na saída, Temer dizia ser muito difícil aceitar a proposta de Lula.
O descontrole só não é total porque algumas ameaças de governistas a quem sabe das coisas estão surtindo efeito. Para sorte geral, nem sempre os amigos de Lula conseguem chegar na hora certa a todos os locais.

Merval Pereira - Quadro instável




O Globo
29/6/2005

O governo continua falando uma coisa e fazendo outra, o que torna a crise mais grave, e mais instável o ambiente político. O presidente Lula, que agora anuncia na televisão que quer ver tudo apurado, tentou todas as manobras políticas para não instalar a CPI dos Correios, inclusive intercedendo pessoalmente junto ao deputado Roberto Jefferson, quando ele ainda era um parceiro confiável, para que retirasse sua assinatura. E continua tentando evitar as investigações através do líder no Senado, Aloizio Mercadante, que pretende impedir que a CPI dos Correios quebre o sigilo bancário e ouça o publicitário Marcos Valério, acusado de ser o operador do esquema de mensalão.

Tentar fazer com que o mensalão seja investigado apenas em uma outra CPI, a ser instalada na Câmara, é tentar postergar as investigações, separando causa e efeito. A cada depoimento, a cada inquirição, a cada nova descoberta da imprensa, fica mais evidente o que já se supunha: a corrupção dos Correios, explicitada pelo vídeo clandestino, é apenas um sintoma da infecção generalizada que tomou conta do esquema montado na estrutura governamental.

A distribuição de cargos, o fatiamento das empresas estatais entre o PT e os partidos aliados, o aparelhamento do Estado por correligionários, o uso de verbas publicitárias, tudo muito além do que poderia ser uma prática normal em um presidencialismo de coalizão, fazem parte de um mesmo sistema de conquista de poder montado a partir de gabinetes muito próximos ao do presidente da República, que já vem dando mostras de estar abatido a cada nova revelação.

O presidente Lula tem revelado a pessoas com quem esteve nos últimos dias o arrependimento de não ter tirado José Dirceu do Gabinete Civil logo quando surgiu a denúncia contra seu assessor Waldomiro Diniz, para preservá-lo e ao governo. O presidente revela disposição de não acobertar quem quer que seja que tenha "colocado a mão em cumbuca", e acha que o PT deve tomar providências internas quanto às acusações contra os dirigentes Delúbio Soares e Sílvio Pereira.

Apesar dessas manifestações, no Congresso o PT age em diversos níveis para tentar obstruir as investigações, e a oposição acha que a tentativa de conter na Câmara uma investigação sobre o mensalão não passa de manobra para transferir para os partidos políticos, em especial os deputados, a culpa por um eventual esquema de corrupção. O PSDB se irrita com as ameaças de ampliar as apurações para governos anteriores, e o PFL começa a insistir em que a origem da crise está no Executivo, o que não ajuda a criar as condições para blindar o presidente Lula nesse processo.

Da mesma forma, a maneira como o governo vem lidando com as negociações para ampliar a participação do PMDB em um eventual novo Ministério é indício de que aprendeu pouca coisa até agora com a crise em que está enterrado até o pescoço. Falar que a entrada do PMDB garantirá a governabilidade, a esta altura das apurações, é desconhecer o processo que está em curso. O que dará condições ao presidente Lula de se manter governando o país até o último dia do mandato, e eventualmente ainda tentar a reeleição, são as investigações da CPI e das comissões legislativas já instaladas. A não ser que garantir a governabilidade signifique conseguir que o PMDB ajude o governo a obstruir os trabalhos da CPI.

A conversa com o PMDB começou pelo seu lado fisiológico, com o oferecimento de ministérios com "porteira fechada", como se houvesse condições políticas, mesmo para o mais fisiológico dos peemedebistas, de aceitar uma proposta que os incluiria em um rol do qual surpreendentemente não fazem parte até o momento, apesar de terem indicado o presidente e uma diretoria nos Correios.

Também a negociação política está se mostrando desastrada, pois o governo, ao mesmo tempo em que garante ao PMDB liberdade para eventualmente ter um candidato próprio na eleição presidencial de 2006, oferece aos governadores recalcitrantes a possibilidade de apoio petista nas sucessões estaduais, o que não é crível. Se não está sendo negociada a sucessão presidencial, como negociar as sucessões estaduais? De qualquer maneira, não será com a maior ou menor participação do PMDB que o governo ganhará estabilidade política. Já se viu que não terá o PMDB integralmente, por mais cargos que ofereça.

Os apelos têm sido dramáticos, em nome da governabilidade, chegando ao ponto de ser aventada a ameaça de, falhando o apoio institucional do PMDB, o presidente Lula ver-se na contingência de apelar para o populismo na sustentação de seu governo. É o caminho que lhe está sendo oferecido pelo ex-ministro José Dirceu e pelos chamados "movimentos sociais", como o MST e as sindicais operárias.

Não parece viável politicamente esse caminho, com uma CPI em pleno funcionamento, nem as últimas decisões do governo na área econômica, aprofundando o superávit fiscal e confirmando as metas de inflação, sugerem disposição do presidente Lula para uma reviravolta desse tamanho. Pelo contrário, cresce nos bastidores o papel, inclusive político, do ministro Antonio Palocci.

Míriam Leitão - Déficit zero



Panorama Econômico
O Globo
29/6/2005

O deputado Delfim Netto está animado. Acha que a idéia que apresentou ao governo pode ser bem-sucedida, ser apoiada por partidos até da oposição e abrir uma clareira no sombrio tempo presente. "A idéia está se disseminando, já recebeu editoriais a favor e isso vai fortalecendo os mecanismos de decisão do presidente", disse. A proposta do ex-ministro é o governo congelar o gasto de custeio, aumentar a DRU e levar o déficit nominal a zero no período de quatro ou cinco anos.
Na próxima terça-feira, será feita a terceira reunião do governo para discutir o assunto. Desta vez, estarão lá banqueiros, industriais, empresários do comércio. Umas 25 pessoas. A estratégia do governo é ir testando a idéia devagar para decidir se envia ou não um projeto de emenda constitucional fixando o compromisso com o déficit nominal zero.

Houve um tempo em que era impossível sequer usar a medida nominal, porque, por efeito da inflação, o déficit nominal ficava completamente distorcido. Depois de 94, a conta dava para ser feita. O número chegou a 7,5% do PIB de déficit em 98. Vem caindo nos últimos anos. A proposta do deputado Delfim Netto é chegar a zero dos atuais 2,5%.

— Nós estamos fazendo um esforço danado há sete anos e estamos presos ao mesmo nível de inflação. Exceto por um momento na transição política que a inflação chegou a níveis maiores, a taxa anual tem estado em 7%, apesar de todo o esforço fiscal — explica.

Na sua análise, o país está numa armadilha:

— O Banco Central elevou os juros, mas, ao mesmo tempo, houve uma ampliação do crédito através dos empréstimos consignados; isso elevou os juros ainda mais e provocou uma valorização imensa do real. Em qualquer situação, o real teria se valorizado, mas os juros fizeram com que a moeda brasileira fosse a de maior valorização no mundo. Agora a inflação está caindo por causa da queda do dólar, mas quando o dólar se recuperar a inflação voltará e o Banco Central terá que subir os juros de novo. O que nós temos que fazer é liberar a política monetária desse esforço imenso. Se tem aumento de demanda elevando a inflação, vamos cortar a demanda do setor público.

Delfim acha que o superávit primário é um truque que engana a sociedade inteira:

— Fica todo mundo achando que as contas estão em ordem e se esquece de ver o déficit nominal que continua alto.

O deputado apresentou, então, um projeto que, na visão dele, enfrenta e desarma essa armadilha: congelar as despesas de custeio do governo para os próximos anos, aumentar progressivamente a desvinculação das receitas da União, a DRU, para 40% (atualmente é 20%). Estabelecer a meta futura, dentro de quatro ou cinco anos, de chegar ao déficit nominal zero.

Na visão do deputado, apesar de ser uma medida antikeynesiana, cortar gasto público terá um efeito keynesiano: liberar recursos que hoje não podem ser gastos por causa dos juros altos demais.

— Hoje o país gasta R$ 140 bilhões por ano de juros da dívida por causa dos juros altos demais. Dando-se uma sinalização ao mercado de que o déficit está em queda, os juros poderão cair; com juros menores e mais crescimento, o governo terá mais recursos para gastar da forma certa: em investimento. O investimento público tem um efeito positivo no investimento privado, e isso permitirá maior crescimento no país.

O mercado antecipa os efeitos da meta do déficit zero. Foi assim na Irlanda. Num dado momento, a sociedade percebe os efeitos do programa fiscal e os juros caem mais rapidamente e, num prazo curto, os custos ficam menores. Delfim imagina que se possa reduzir para R$ 70 bilhões o gasto com juros. Além disso, o programa permitirá uma política fiscal mais inteligente:

— Hoje ninguém mais se preocupa com gestão de qualidade. A Saúde sabe que sua receita vai aumentar a cada ano. Na Educação, é a mesma coisa. Esses dois setores estão precisando de um choque de gestão.

Paralelamente a isso, o governo faria um outro corte nas tarifas de importação para aumentar a competição na economia.

— Deixa eu lhe dizer uma coisa: na economia brasileira, houve uma concentração muito grande nos últimos anos que vai do sistema bancário, em que cinco bancos concentram a maior parte do crédito, até a distribuição de alimentos, na qual quatro a cinco redes de supermercados controlam a maior parte do mercado. Em todos os setores, existem oligopólios. Por isso, a proposta é de queda das tarifas de importação. O saldo comercial que está aí não nos serve para nada. O que aumenta o crescimento é a importação que traz novos produtos, novos insumos, novas idéias e novas tecnologias. Com mais competição, haverá ainda menos inflação e o Brasil poderá se parecer com outros países do mundo: com inflação baixa, taxa real de juros de 3% a 4% e se reduz à metade o juro nominal.

A idéia vem sendo discutida dentro do governo; primeiro em grupos menores; depois em duas reuniões com o presidente da República e, na semana que vem, com empresários e banqueiros.

— O PSDB, o PFL não ficarão contra. As corporações ficarão contra, mas aí o PT é o melhor interlocutor para convencê-las de que esse é um bom programa — afirma Delfim Netto.

Tereza Cruvinel - Reforma, apesar da recusa do PMDB



Panorama Político
O Globo
29/6/2005

Anda em falta a malícia política de um velho "partido burguês" que o PT desconhece, o PSD, que só fazia reuniões quando o resultado estava garantido. Seus próceres ensinavam que só se escreve carta política quando se conhece a resposta. O convite do presidente Lula ao PMDB para uma nova e reforçada aliança, sem sondagem prévia, criou situação embaraçosa para os dois lados e terminou em fiasco.

Ontem o presidente do partido, Michel Temer, reconheceu que será impossível um acordo com o partido inteiro. Isso todos já sabem desde dezembro do ano passado, quando a convenção contestada determinou a saída do partido do governo. Se naquele tempo o racha era já tão claro, imagine-se agora, com o governo enfrentando uma crise e com o PT, potencial aliado, na boca do povo. Mas teve o partido, desta vez, a sobriedade para reconhecer logo suas dificuldades e não ficar cozinhando o presidente, retardando a reforma ministerial concebida para enfrentar a nova situação.

Lula dará seguimento a ela, com a disposição anterior de mudar profundamente o rosto do governo. Com o PMDB, ficará tudo como antes: uma ala continuará apoiando o governo e preservará seus dois ministérios. Silas Rondeau deve ser nomeado para Minas e Energia, atendendo ao grupo liderado pelo senador Sarney. O ministro da Previdência, Romero Jucá, sairá na leva dos que serão candidatos a 2006, poupado de uma demissão por conta de seus problemas judiciais. O que Lula ainda não sabe é se manterá Eunício Oliveira em Comunicações. Tentará escolher peemedebistas que agreguem o maior número de apoios nas bancadas.

Ontem ele começou a fazer consultas a todos os ministros sobre seus projetos para 2006. Ao final, saberá quantos teria de mudar agora. Se forem muitos, talvez mantenha alguns até abril, mas está determinado a fazer a reforma ampla, incorporando inclusive alguns nomes não-partidários, mas portadores de reconhecida competência ou conceito.

As críticas à "articulação tagarela", como disse o deputado Paulo Delgado em relação à forma do convite ao PMDB, são endereçadas ao líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante, que levou Renan e Michel ao Planalto na sexta-feira. Mas seria diferente se Lula já tivesse decidido o que fazer com a Coordenação Política.

Vizinhos de porta e amigos, os ministros Jaques Wagner e Aldo Rebelo tiveram uma conversa franca, por iniciativa do último. Wagner admitiu que foi sondado para o cargo, Aldo que pediu demissão mas Lula o mandou continuar trabalhando. Até que o assunto se resolva, acertaram de não dar ouvidos a intrigas. Mas, estivesse a situação definida, o coordenador teria sido o intermediário junto ao PMDB, evitando o constrangimento da recusa e a perda de tempo.

Mas também esta demora é explicada por auxiliares do presidente. Desta vez, pretende ele mesmo conduzir a reforma, sem intermediários, num sinal de que daqui para a frente delegará menos em matéria de articulação política e relação com tão complicados aliados.

Lula quer trocar também os presidentes de estatais que tenham planos eleitorais para 2006. José Eduardo Dutra, da Petrobras, pretende concorrer ao Senado. Assim como Jorge Sameck, presidente de Itaipu.

Lula, Aécio e o velho sonho

José Dirceu sempre encarnou o antitucanismo do PT. Era no governo o maior óbice a uma aproximação com o PSDB. Ela não acontecerá agora, nem no ano que vem mas os sonhos de convergência no futuro voltaram a ser mencionados na conversa que o presidente Lula teve anteontem com o governador de Minas, Aécio Neves, levado ao Planalto pelo ministro Antonio Palocci. Falou-se da crise mas também da dependência que os dois partidos polares terão das forças políticas mais atrasadas enquanto estiverem de lados opostos. Buscando reconstruir a ponte com os tucanos que funcionou na fase das reformas de 2003, Lula teria admitido um afastamento causado pelas disputas eleitorais e também pelas divergências sobre a reforma tributária. Mas ambos teriam concordado que o problema é São Paulo, onde disputam voto a voto. De seus paulistas brigões, Lula queixou-se à larga.

Em relatos que fez a colegas tucanos, Aécio disse tê-lo achado extremamente consciente da gravidade da crise, mas determinado a levar adiante tanto a apuração das denúncias como seu compromisso com a reforma política. Ela não produzirá um sistema perfeito, concordaram, mas pode reduzir bastante as distorções e os desvios.

— Quero tudo isso em pratos limpos, não me importa quem esteja envolvido — teria repetido Lula.

De objetivo, ouviu a promessa de que o PSDB será exigente mas não apostará no impasse, na ingovernabilidade. Para o segundo semestre, poderiam retomar uma agenda comum e positiva, em torno das reformas política e tributária.

PEDE o ministro Luiz Gushiken que se esclareça melhor a natureza de seu relacionamento com o publicitário Marcos Valério, que teria ficado pouco clara em reportagem de ontem: "Eu só o conheço pela imprensa, nunca o recebi em audiência nem tive qualquer contato pessoal com ele".

 

Luís Nassif - O Grupo "Máquinas e Planilhas"




Folha de S. Paulo
29/6/2005

Não fosse a crise política, haveria razões para acreditar na economia no próximo ano. Essa é a conclusão do grupo "Máquinas e Planilhas", economistas, estrategistas e operadores de mercado, de diversas tendências, que se reúnem mensalmente em São Paulo para avaliações de conjuntura.
O expositor convidado foi Nelson Rocha, presidente da BB DTVM, que expôs a estratégia a seguir, com contribuições do grupo:
Etapa 1: mudança do mix de combate à inflação - A inflação brasileira é fruto de uma conjugação de fatores. O desafio consiste em utilizar os instrumentos de política econômica, distribuindo melhor as atribuições, desafogando a política monetária.
Etapa 2: desindexação de tarifas - O governo deverá aproveitar o fim dos contratos iniciais de telefonia, em 2006, para começar a acabar com a correção automática das tarifas.
Etapa 3: mudança do indexador de mercado - Os gestores de fundos não conseguem montar estratégias de longo prazo, porque seu curto prazo é monitorado pela comparação com o CDI (Certificado de Depósito Interbancário). A Andima tem trabalhado com o Tesouro e a Cetip para criar novos índices.
Etapa 4: alteração do perfil da dívida pública - A institucionalidade do ambiente de mercado mudou muito. Hoje em dia, já se emitem papéis de quatro anos com relativo conforto. A partir da definição de outros índices, ficará mais fácil a mudança do perfil da dívida publica. No último ano, já houve uma notável redução dos títulos cambiais e um salto nos títulos prefixados, que passaram de 17% para 23% do total.
Etapa 5: o crédito como alavanca - Existe uma enorme indústria de fundos hoje em dia, com ativos correspondendo a 40% do PIB -nível comparável a Portugal e Espanha e muito superior a qualquer país emergente. As estatísticas apontam que o crédito corresponde a 27% do PIB. Mas, se forem incluídas as debêntures lançadas até agora, esse índice sobe para 32%. Além disso, começam a ganhar corpo outros instrumentos, como os Fundos de Direitos Creditórios.
O crédito poderá se constituir em forte alavanca para a recuperação da economia, porque impacta setores de bens de primeira necessidade, onde existe capacidade ociosa. E também o mercado de capitais, com forte poder de atração sobre capitais externos.

Visão sobre juros e câmbio
Há a suspeita, por parte de alguns estrategistas, de que a inflação vai desabar e a taxa Selic cairá muito mais rapidamente do que o mercado suspeita. A convicção vem do comportamento da atual equipe do BC em 2003.
Também para o próximo ano, o comportamento da inflação será fortemente amenizado pelo "carry over" dos preços administrados. Neste ano, o "carry over" era de 12%. No próximo ano, andará na margem contrária, caminhando abaixo dos demais preços.
Se se mirar para déficit nominal controlado e para superávit primário de 4,21%, não haverá espaço para taxas de juros elevadas. Se essa percepção aumenta, passa a ser um estímulo para quem pretender comprar papel longo e apostar no mercado de capitais.

Dora Kramer - Publicidade na Câmara




O Estado de S. Paulo
29/6/2005

Parecem excessivos os gastos com propaganda de um Poder que tem rádio e TV Os números são eloqüentes: de 2003 a 2004, os gastos da Câmara dos Deputados com propaganda, mais especificamente com um contrato à firma do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, somaram R$ 5,9 milhões e R$ 10,5 milhões por ano, respectivamente.

É de se indagar por que, afinal de contas, um Poder que dispõe de televisão, rádio e jornal, gasta tanto com publicidade. Confrontado com esses valores, o presidente da Câmara à época, deputado João Paulo Cunha, alega que a despesa dobrou porque houve "divulgação das reformas e leis" acrescidas, segundo ele, de "novos produtos". Quais, não especifica.

A respeito das relações do agora personagem central das investigações da CPI dos Correios com a Câmara já se sabe um pouco mais.

O publicitário cuidou da campanha - em tese desnecessária, visto tratar-se de candidatura única - de João Paulo à presidência da Câmara, foi contratado para a campanha de Luiz Eduardo Greenhalgh a presidente da Casa no ano passado e, nesse meio tempo, teve a conta de publicidade da Câmara.

Talvez fosse o caso de requisitar cópia do contrato de prestação de serviços publicitários ao Senado, se é que existe, só para estabelecer um parâmetro comparativo de despesas, uma vez que ali também se aprovaram leis e reformas e, quem sabe, até se criaram "novos produtos" igualmente passíveis de divulgação em veículos outros que não os à disposição da Casa, criados para dar ao público informações sem depender da pauta dos meios de comunicação privados.

O exame desses contratos seguiria o procedimento adotado nas investigações em relação aos documentos de natureza semelhante firmados com empresas estatais, em virtude de Marcos Valério ter sido apontado como condutor do trem pagador de suposta mesada a deputados da base aliada ao governo e descobertos 103 saques em dinheiro, num total de R$ 20,9 milhões, feitos por ele no período aproximado de dois anos.

Se pagamento de mesadas houve, foi durante a presidência de João Paulo, sob cuja responsabilidade se abriu também sindicância na corregedoria para apurar a veracidade de informações passadas em 2004 pelo deputado Roberto Jefferson ao deputado Miro Teixeira sobre o que agora se convencionou chamar de "mensalão".

Na ocasião, a corregedoria fez um trabalho relâmpago, ao final do qual arquivou o caso sob o argumento de que não havia pistas. Situação inusitada frente à quantidade de pessoas, deputados entre eles, que se apresenta hoje para afirmar que era "voz corrente" na Câmara a existência de negociações heterodoxas envolvendo partidos cujas bancadas foram infladas no processo de troca-troca de legendas que se estendeu da posse do presidente Luiz Inácio da Silva até as vésperas da eleição de Severino Cavalcanti.

PTB, PL e PP - hoje também na berlinda - foram personagens centrais de todo aquele período. Influentes ao ponto de terem conseguido do então presidente João Paulo o engavetamento da proposta de reforma política na Comissão de Constituição e Justiça em troca do apoio à emenda da reeleição para as presidências da Câmara e do Senado, derrotada por 5 votos.

À luz dos esclarecimentos recentes, convenhamos, poder-se-ia dizer que os trabalhos da corregedoria à época foram, no mínimo, descuidados, mereceriam ser revistos e os envolvidos naquele ensaio de investigação convidados a dar suas impressões.

Segundo ato

A atuação do advogado de Roberto Jefferson ontem no Conselho de Ética da Câmara tentando provar que seu cliente não quebrou o decoro parlamentar ao denunciar a existência do "mensalão" mostra que o deputado não sublimou o mandato como afirmara.

A prestação de contas do petebista com o decoro parlamentar, porém, não diz respeito às acusações feitas por ele, mas às afirmações de Maurício Marinho na gravação da propina, de que agia a soldo de Roberto Jefferson.

Além disso, o deputado do PTB mentiu - e admitiu isso depois no Conselho de Ética - em seu primeiro discurso de defesa na Câmara, quando negou as evidências mostradas na fita e disse ter sido vítima de chantagem.

Sem espetáculo

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, nega que a Polícia Federal vá fazer ofensivas espetaculares no intuito de mostrar-se adiante dos trabalhos das investigações parlamentares.

Segundo ele, se há uma preocupação na PF hoje é a de agir com prudência e "errar o menos possível".

O preço

O presidente do Senado, Renan Calheiros - partidário da tese "o PMDB ou o caos" -, não soube responder ao presidente do partido, deputado Michel Temer, quando este lhe perguntou por que o PMDB pode garantir a governabilidade com 4 ministérios, mas não pode com os 2 que já ocupa.

Causa própria

Os 20 senadores do PMDB signatários do documento favorável à adesão não deram ponto sem nó. Como pelo menos um ministro será um senador com mandato até 2010 e dois terços não serão candidatos em 2006, legislam em causa própria.

CLÓVIS ROSSI: O velho morreu, viva quem?

folha de s paulo
 CARACAS - A América Latina, incluído o Brasil, que é apenas maior, mas não é essencialmente diferente dos vizinhos, vive a crise típica da morte do velho sem que o novo tenha aparecido. O velho, no caso, é, para simplificar, o tal Consenso de Washington, o modelo dito neoliberal que é hegemônico na região.
Hoje ninguém mais o defende, ainda que muitos reconheçam que tenha tido lá seus méritos. Nem mesmo seus codificadores, que já lançaram uma nova versão.
Que seja rejeitado é natural: nos 20 anos dos chamados "ajustes estruturais" na região, o crescimento econômico foi a metade do da Ásia e inferior ao das três décadas entre a Segunda Guerra Mundial e os anos 80, quando o modelo batizado de nacional-desenvolvimentista entrou em colapso. São as contas do economista boliviano Horst Greber, consultor da Corporação Andina de Fomento, que patrocinou um "encontro de reflexão" sobre a América Latina.
Além disso, "degradou-se a qualidade do emprego e houve crescimento da informalidade".
Do meu ponto de vista, o maior problema do Consenso de Washington deu-se menos na economia e mais na política: o debate sobre alternativas ficou interditado. Quem tentava discuti-las era, no governo passado, "jurássico" ou "neobobo". Com o governo atual, é como dialogar com surdos. Inútil.
Greber, na sua exposição de ontem a um punhado de líderes políticos e acadêmicos da região, mais este pobre repórter, propôs "um novo consenso latino-americano que seja uma síntese das duas experiências anteriores da região". Ou seja, nem a impossível volta ao passado nacional-desenvolvimentista nem continuar na trilha no mínimo insatisfatória dos anos mais recentes.
Mas esse novo consenso terá de surgir de um amplo diálogo político que rompa a ditadura do pensamento único e a inércia em que a região se arrasta. Nada fácil, mas melhor do que a mediocridade vigente.