quinta-feira, junho 30, 2005

Governo de coalizão ou monopólio político?



Carlos Pereira e Timothy Power, Valor Econômico (30/06/05)

Ao tomar posse em 2003, a primeira medida do governo Lula foi a expansão do número de ministérios em 66%, tendo passado de 23 postos no governo FHC para 35 no atual governo. Diferentemente do governo anterior, cujo partido do presidente (PSDB) ocupava apenas 26% dos cargos ministeriais, as novas posições criadas pelo presidente Lula foram fundamentalmente ocupadas por integrantes do Partido dos Trabalhadores que, mesmo com uma bancada de apenas 18% das cadeiras (91 deputados), ocupou 60% dos ministérios (21 postos). Por outro lado o PMDB, com 15% das cadeiras (78 deputados), se juntou posteriormente à coalizão deste governo e conseguiu ocupar somente 6%; ou seja, 2 ministérios (ver tabela ao lado, com todos partidos da coalizão).

De acordo com Octávio Amorim (FGV), a proporcionalidade entre o número de cadeiras legislativas e o número de ministérios indicados por cada partido pertencente à coalizão caiu de 0.76 no governo FHC (sem contar o último ano de seu governo) para 0.50, no governo Lula. Trata-se de um gabinete altamente partidarizado e nominalmente majoritário, único dentre os 20 formados desde a redemocratização em 1985. Este índice de proporcionalidade se assemelha quase à condição de monopólio, situação na qual os preços são definidos pelo monopolista; neste caso o PT. O governo Lula preferiu alocar os espaços do seu gabinete com as várias tendências internas do PT. Naturalmente que os outros partidos da coalizão, que esperariam partilhar dos recursos de poder fruto da sua condição de aliado, sentiram-se progressivamente excluídos do jogo. Para tentar compensar esta progressiva frustração decorrente da desproporcionalidade dentro da coalizão de governo, o monopolista, que não apresentou disposição de compartilhar espaços, abrindo mão de fatias de poder e de recursos, teve que recompensar os aliados de outras formas mais heterodoxas. Este foi o custo da desproporcionalidade.

O governo FHC não caiu neste jogo porque ao consorcializar, de forma mais proporcional, os espaços do seu governo com os membros da sua coalizão, sinalizou para os aliados que tinha restrições sobre o que e quanto poderia negociar. Ou seja, emendas orçamentárias e cargos no Executivo. A forma monopolista e nominalmente majoritária de governar gerou uma armadilha ao proporcionar incentivos crescentes aos aliados, superestimando assim o preço do apoio e lealdade, bem como aumentando chances de defecções dos insatisfeitos. Quanto mais proporcional for um governo de coalizão, mais satisfeitos ficam os seus membros e, conseqüentemente, menores são os custos de coordenação e de obtenção de lealdade. Por outro lado, quanto menos proporcional o governo, menos satisfação existe, e mais custos de lealdade o governo passa a enfrentar.

Forma monopolista de governo, desconfiada com os aliados e sem compartilhamento de gestão, está em crise

Se estivermos corretos, um quadro de superdominância no Executivo e subdominância no Legislativo encontrado no governo Lula, cedo ou tarde, leva a uma falha de mercado político. Neste caso, defecções, como a de Roberto Jefferson funcionam como o soar de um alarme de incêndio e simbolizam uma tentativa de reequilíbrio da coalizão. Ou seja, de "correção de mercado" na taxa de proporcionalidade monopolizada. Da mesma forma que o valor de uma moeda pode ser distorcido com políticas equivocadas de um banco central, o preço do mercado de apoio político ao governo no Congresso foi distorcido com essa taxa de proporcionalidade extremamente baixa do governo do PT. Cedo ou tarde o mercado político corrigirá o preço do apoio, como ocorre em qualquer outro mercado. A taxa de proporcionalidade de um presidencialismo de coalizão funciona como uma espécie de média do índice da bolsa de valores que é observado atentamente pelos membros da coalizão. O colapso da coalizão do presidente Lula pode ser assim interpretado como se os fundamentos desta coalizão estivessem ruins, dada a supervalorização de um de seus membros. Fazendo uma analogia com uma empresa, existem muitos "investidores" no governo Lula com os mais variados interesses, mas não lhes é permitido definir os membros da "diretoria". Apenas o PT tem esse poder. Em outras palavras, há uma quantidade excessiva de membros do PT no governo e um pequeno número de insatisfeitos "shareholders", até pouco tempo dispostos a manter o José Dirceu como CEO da coalizão do atual governo.

Desta forma, não é o presidencialismo de coalizão que está em crise, mas a forma monopolista, desconfiada com os aliados e, conseqüentemente, não partilhada de governar implementada pelo PT. Pistas deste perfil monopolista de governar são facilmente encontradas na sua história. A peculiaridade do PT sempre foi a centralização e a diferenciação dos demais partidos, como estratégia de construção de uma identidade política "límpida" para colher frutos eleitorais desta "virtude". Entretanto, quando percebeu que não poderia governar de forma majoritária, se viu obrigado (e a contragosto) a conviver com partidos muitas vezes contrários às suas preferências. Mas, equivocadamente, o fez de maneira não partilhada e monopolista. Tendo gerado uma falha no mercado político com os seus aliados, não sustentou as demandas crescentes dos insatisfeitos e cruzou o limite da legalidade. O PT foi assim vítima de seu próprio veneno. Diante da crise atual, alguns "acionistas" resolveram vender suas ações do governo Lula. O PMDB está comprando-as a preço baixo, na expectativa de que seu valor aumente em 2006. Investir em ministérios é sempre um bom negócio na política brasileira, mas um duopólio PT-PMDB apresentaria alguns dos mesmos riscos que o monopólio petista praticado desde 2003. No sistema político brasileiro, governabilidade é sinônimo de proporcionalidade!


Carlos Pereira é Professor da Escola de Economia de São Paulo (FGV), da Michigan State University (MSU). E-mail: carlospereira@fgvsp.br

Timothy Power é professor da Florida International University (FIU). E-mail:powertj@fiu.edu

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