o globo
O governo ontem abriu mão de qualquer apoio da oposição na atual crise política ao manobrar claramente, até mesmo com o apoio pessoal do presidente Lula, para ampliar as investigações de corrupção, em diversos níveis, até o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, numa tentativa de acuar a oposição. Até uma antiga CPI do Sistema Único de Saúde (SUS), que já estava arquivada, foi inutilmente ressuscitada como uma ameaça.
Em movimentos erráticos que são características suas desde que as primeiras denúncias de corrupção na base aliada tornaram-se públicas, o governo, que acenara na véspera com uma reaproximação com o PSDB, no dia seguinte partiu, através do PT, com uma agressividade que parecia perdida, para incluir os últimos governos tucanos em todas as investigações. Com o acirramento dos ânimos ontem, ficou improvável qualquer negociação política para contornar a crise, o que torna imprevisível seu desfecho.
Um dia antes, o presidente Lula havia conversado com o governador de Minas, Aécio Neves, no Palácio do Planalto, e voltara a lamentar o afastamento entre o PT e o PSDB, idéia que os dois sempre defenderam. A atuação do PSDB na atual crise política fora elogiada pelo presidente, que deixou no ar a necessidade de acordos políticos futuros no Congresso.
À noite, acompanhado do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que levara Aécio ao Planalto, o senador Aloizio Mercadante se reunira com os líderes do PFL e do PSDB para negociar projetos de interesse dos estados, como metrôs e programas contra inundações na Nordeste.
Quando tudo parecia caminhar para desanuviar o clima de tensão no Congresso, acendeu-se o estopim de uma crise ainda maior na manhã de ontem. Na CPI dos Correios, a base governista só concordou em quebrar o sigilo do publicitário Marcos Valério se a decisão retroagisse cinco anos, para abarcar os últimos anos do segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique.
A situação política está tão confusa que deputados da base aliada viram-se no triste papel de defender o publicitário mineiro, hoje no centro das acusações de corrupção como seu principal agente. E os parlamentares da oposição quase passaram a defensores do deputado Roberto Jefferson, acusando o governo de estar preparando uma investigação que terminaria com apenas o deputado do PTB sendo cassado.
Na Câmara, o governo fez todas as manobras regimentais possíveis para aprovar uma CPI que já está sendo conhecida como a da "compra de votos", encabeçada pelo indefectível deputado Sandro Mabel, do PP, e pedida por todos os líderes partidários que estão sendo acusados pelo deputado Roberto Jefferson de receberem o mensalão.
Os mesmos políticos, do governo e da base aliada, que lutaram vigorosamente para tentar impedir a instalação da CPI dos Correios, agora encabeçam o pedido de uma CPI exclusiva da Câmara, para tentar impedir que a CPI mista dos Correios amplie seu escopo e aborde outras estatais e, a partir daí, consiga decifrar todo o esquema de corrupção que estaria instalado.
A CPI da compra de votos incluiria não apenas o mensalão, mas também as denúncias de compra de votos para a aprovação do instituto da reeleição em 1997. Para conseguir efetivar essa manobra, o governo abriu mão de várias matérias que havia classificado como urgentíssimas, e o Diário Oficial da União circulou em uma edição extra esdrúxula, com pequenas notas de curiosidade sobre a participação do escritor Machado de Assis na Imprensa Oficial para encher espaço e apenas uma medida provisória, assinada pelo presidente Lula, que anulava uma outra, para desimpedir a pauta da Câmara.
As manobras regimentais foram usadas intensamente pelos dois lados, e o governo contou com o claro apoio do presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, não por acaso do PP, um dos partidos mais implicados nas denúncias de compra de votos. Uma manobra que teve que colocar o presidente Lula no centro das discussões, e reduziu as possibilidades de isentar-se das acusações que estão sendo investigadas.
Se não sabia antes do que acontecia à sua volta, tese que a oposição aceitava para garantir a governabilidade, hoje sabe de todas as suspeitas e mesmo assim participa da tentativa de impedir uma investigação que não seja tão comprometida quanto essa que se arma na Câmara, onde as mesmas "más companhias" do governo manipulam o regimento para tentar controlar as investigações.
O PSDB estava tendo na atual crise um comportamento mais comedido que o do PFL, que já começara, através de líderes mais agressivos como o senador Antonio Carlos Magalhães e o prefeito do Rio, Cesar Maia, a querer levar a crise para dentro do gabinete presidencial. Ontem, com a agressividade retroativa do PT contra o governo tucano, ficou impossível contar com o apoio do PSDB em qualquer tentativa de amainar a crise política.
Crise que deve ser aprofundada hoje com a previsível radicalização do deputado Roberto Jefferson na CPI dos Correios, que já incluiu a morte do prefeito de Santo André Celso Daniel no rol das conseqüências do que classifica de "o maior esquema de corrupção" já montado. Diante da clara tentativa de deixar apenas com ele a conta das denúncias de corrupção, o deputado Roberto Jefferson deve acirrar hoje suas acusações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.