sexta-feira, março 31, 2006

Dá Lulla

Provocação militar

no mínimo volta à primeira página NoBlog

No mesmo dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indica o ministro da Controladoria-Geral da União, Waldir Pires, como futuro ministro da Defesa, o comandante do Exército, general Francisco Roberto de Albuquerque, divulgou uma nota em comemoração ao golpe de 64 _ que, por motivos óbvios, os militares preferem celebrar no dia 31 de março em vez de no dia 1º de abril.

Diz a nota que o movimento foi "dignificado à época pelo incontestável apoio popular, e une-se, vigorosamente, aos demais acontecimentos vividos, para alicerçar, em cada brasileiro, a convicção perene de que preservar a democracia é dever nacional (sic)".

Detalhe importante, em 64, durante o governo João Goulart, Waldir Pires era Consultor-Geral da República. Com o golpe, foi perseguido, teve seus direitos cassados e foi exilado pela ditadura militar que hoje o seu futuro subordinado celebra. Teve como maiores adversários na vida pública, a ditadura e Antonio Carlos Magalhães.

Em compensação, o general é aquele mesmo que mandou voltar um avião da TAM que já tinha iniciado procedimento de decolagem em Campinas. E dois passageiros foram desembarcados para que ele sua esposa viajassem.

A saída única do beco VILLAS BÔAS CORRÊA

jb


O cartapácio em dois volumes, com mais de 1800 páginas, que o relator-geral da CPMI dos Correios, deputado Omar Serraglio (PMDB-PR) - depois de nove meses de investigação, ouvindo centenas de depoimentos, confrontando dados, amadurecendo conclusões - em oito horas de leitura confirmou para o país o esquema de corrupção no financiamento de campanha do caixa 2 e do mensalão teve o efeito de uma bomba lançada sobre um palácio com frestas no teto e rachaduras nas paredes, atingindo a vila em ruínas de casas geminadas que abriga os três poderes.

Nada, ninguém escapa no desmonte das denúncias confirmadas, que salpicam no presidente-candidato Lula, com respingos no filho Lulinha, o favorito dos financiamentos privilegiados; inundam o Congresso no lodaçal da corrupção e arranham o Judiciário, que paga os pecados da calamitosa presidência do ministro-político Nelson Jobim.

A extensão do estrago e as suas conseqüências não podem ser avaliadas no estupor das revelações, que confirmam e provam o que se sabia; avançam, devassam esconsos desconhecidos e remexe a lama que tresanda a ardida catinga da vergonha da sociedade, vítima do logro da esperança e pronta a usar a arma do voto para a desforra na faxina de 1° de outubro.

Depois de penosas negociações com o desatinado grupo de parlamentares petistas, com o laço apertando o gogó, o presidente-candidato foi poupado no relatório, embora sem escapar da honra da citação para assistir do palanque eleitoral o final do espetáculo. Mas, em dois trancos, a situação azedou o vinho adocicado da subida dos índices de popularidade nas pesquisas e impõe uma traiçoeira pausa na caça ao voto em tempo integral para a tarefa prioritária de tentar segurar o governo desmantelado com a reforma do monstrengo de 31 ministros e secretários, que balança como goiabada bichada na vastidão do cerrado.

O arrogante candidato ao bis do mandato terá que cuidar das obra de emergência no pardieiro que ameaça desmoronar. Só no nicho governista, entre os defenestrados em episódios suspeitos e titulares com a cabeça a prêmio, o relato alinha o ex-chefe da Casa Civil, ex-deputado José Dirceu; o ex-presidente do PT, José Genoino; o ex- secretário-geral Sílvio Pereira; o ex-ministro de Comunicação e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, rebaixado a Secretário de Comunicação e mais sumido que pulga em cachorro peludo; além dos satélites que brilharam mais do que Saturno e seus anéis: o companheiro Delúbio Soares e o parceiro Marcos Valério, que viraram substantivos, sinônimos de corrupção.

Não é apenas o governo que precisa ser reestruturado, antes da meia-sola na campanha. O inegável acerto na fulminante troca do amigo, ''mais íntimo do que um irmão'', Antonio Palocci, pelo novo ministro Guido Mantega, aceito com suspiros de alívio e aplausos pelo setor financeiro, não encerra o episódio mafioso da mansão no Lago Azul da República de Ribeirão Preto. O caseiro Francenildo Costa continua a sua romaria de depoimentos, como bomba-relógio ativada.

Mas, a estrela do momento, é a CPMI dos Correios. Antes que se encerre o previsível e veemente debate sobre o relatório para a sua urgente votação, o Congresso, especialmente a Câmara, têm o que pode ser o último prazo para a articulação da saída de emergência. Com a inclusão de 20 parlamentares entre os 122 listados nos pedidos de indiciamento, além dos cinco que aguardam a decisão do Conselho de Ética, não há alternativa para a Câmara, mas uma única, estreita porta de saída que leva ao corredor da imediata reforma de usos e costumes desregrados. Para já, nas votações dos pedidos de cassação de mandatos, que devem chover sobre o plenário na corrente do salve-se-quem-puder: a opinião pública não suportará a repetição do despudor das últimas absolvições dos deputados João Magno e Wanderval Santos, que fecham o bloco da meia dúzia dos liberados pelo acordo por baixo do pano do PT com seus aliados.

Entre os tais males que vêem para bem, talvez haja uma vaga para a reação do pudor parlamentar, cutucado pelo instinto de sobrevivência.

Antes que o nojo, a raiva, o vexame engrossem com o tempero das manifestações populares na Praça dos Três Poderes, o Congresso precisa dar uma satisfação ao país. Por atos, que de falácia estamos saciados.

Extremar o confronto entre governo e oposição pode acabar mal: ao invés de garantir mandatos, implodir com a eleição. O blablablá da consolidação do regime democrático é um bom tema para discurso que deve ser usado com moderação.

Ou a deputada-bailarina, Ângela Guadagnin suspende o show das saltitantes comemorações no festival de absolvições ou quem acaba dançando é o Congresso.

A ordem saiu do Planalto

A ordem saiu do Planalto

Eduardo Graeff (31/03/06 09:23)

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Ugo Braga e Vicente Nunes do Correio Brazilense abrem mais um buraco na versão oficial do Francenildogate: a ordem para violar a conta do caseiro foi dada pelo ministro da Fazenda ao presidente da Caixa numa reunião no Palácio do Planalto. "Na reunião estavam Palocci, Mattoso, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e os presidentes do BNDES, do Banco do Brasil, do Banco do Nordeste e do Banco da Amazônia, respectivamente Guido Mantega, Rossano Maranhão, Roberto Smith e Mâncio Cordeiro. Lula participou dela por alguns minutos."

Trama dentro do Planalto

Correio Brazilense (31/03/06)

Tema do Dia - Crise ética

Pedido de Palocci para que Mattoso vasculhasse a vida bancária do caseiro foi feito durante uma reunião no palácio. Depois da ordem, o então presidente da Caixa agiu rápido e quebrou o sigilo

Ugo Braga e Vicente Nunes
Da equipe do Correio

No depoimento que deu à Polícia Federal na segunda-feira, o então presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, comprometeu o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ao admitir que lhe entregara pessoalmente cópia do extrato da caderneta de poupança do caseiro Francenildo dos Santos Costa. Há, porém, uma parte da história que, devido ao alto teor explosivo, Mattoso não contou à PF, apenas a alguns poucos auxiliares próximos: ele recebeu a ordem para xeretar a conta do caseiro dentro do Palácio do Planalto, numa reunião sobre bancos estatais.

Não se sabe exatamente em que circunstância — se chamado a um canto da sala, se antes, depois ou durante a reunião, se no instante em que Lula estava ou só depois disso —, mas Palocci dirigiu-se a Mattoso e disse ter a informação de que Francenildo estava orientado para "ferrá-lo". Assim, teria argumentado o ministro, só lhe restava atacá-lo impiedosamente. Avisou ter recebido a informação de que o caseiro havia andado há pouco tempo com grande soma em dinheiro vivo, tirado de uma poupança da Caixa. E pediu que ele descobrisse se havia recebido depósitos de alguém ligado ao PSDB ou ao PFL.

Esta reunião aconteceu na quinta-feira, 16. No mesmo dia curto depoimento de Francenildo na CPI dos Bingos, confirmando que Palocci era freqüentador assíduo da mansão alugada pelos lobistas de Ribeirão Preto (SP) acusados de armar negociatas no governo. Na reunião estavam Palocci, Mattoso, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e os presidentes do BNDES, do Banco do Brasil, do Banco do Nordeste e do Banco da Amazônia, respectivamente Guido Mantega, Rossano Maranhão, Roberto Smith e Mâncio Cordeiro. Lula participou dela por alguns minutos.

Instruções
Mattoso saiu da reunião, já no início da noite, direto para seu gabinete no 21º andar da sede da Caixa. Mandou que a secretária chamasse o consultor da instituição, Ricardo Schumann. Não foi atendido de pronto, pois Schumann estava um andar abaixo, em reunião com o diretor da sucursal de um grande veículo de comunicação do qual o banco havia ganho uma causa judicial. Quando terminou de tratar deste assunto, Schumann subiu de escada para o 21º e entrou na sala do chefe. Recebeu as instruções e foi providenciar a quebra do sigilo. Chefe e assessor se encontrariam algumas horas mais tarde, no restaurante La Torreta, já com o extrato do caseiro.

O resto da história pertence a Palocci. Até agora não veio a tona em detalhes. A CPI dos Bingos recebeu informação de que assessores do ministro vasculharam também os dados fiscais de Francenildo antes mesmo da encomenda sobre o extrato da caderneta de poupança. Mas não há indícios a respeito.

No dia seguinte à violação do sigilo, o jornalista Marcelo Netto, assessor especial de Palocci, fez o extrato chegar à sucursal de Brasília da revista Época, junto com a informação de que se tratava da prova de que o depoimento devastador prestado pelo caseiro contra Palocci tinha sido na verdade comprado pela oposição.

Àquela altura, aliados do Palácio do Planalto no Congresso já mencionavam um empresário piauiense, aparentado do senador Heráclito Fortes (PFL-PI), que estaria por trás do depoimento de Francenildo. Fortes reage com fúria a esta versão. O empresário, Eurípedes Soares da Silva, é de fato o dono dos R$ 25 mil depositados na poupança do caseiro. Diz, porém, que não pagou para fazê-lo falar contra Palocci, mas para fazê-lo calar sobre o fato de ser seu filho, fruto de um caso extraconjugal.


LULA FORA DO CASO
A senadora Ideli Salvatti (PT-SC) negou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva soubesse que existia dinheiro nas contas do caseiro Francenildo dos Santos Costa antes da quebra do sigilo pela Caixa Econômica Federal. Em discurso no plenário do Senado, na quarta-feira à noite, a senadora disse ter contado a jornalistas, no dia 18, "uma interpretação" sua sobre a reação do presidente diante da notícia de que o caseiro teria recebido depósitos em sua conta bancária. Segundo ela, a expressão de Lula "foi a de quem viu na matéria a explicação para o depoimento do senhor Francenildo". "Mas daí a concluir que o presidente saberia da quebra de sigilo vai uma infinita distância. A distância entre a realidade e o interesse político em distorcê-la para atingir Lula."

O CORDEL DO MINISTRO

EDITORIAL DA FOLHA
 
Em meio ao festival de desatinos éticos protagonizado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, dois ministros que só participavam lateralmente do lamentável espetáculo roubaram anteontem a cena ao envolver-se num deprimente bate-boca que incluiu palavras de baixo calão e ameaças dignas de colegiais.
Não é de hoje que o ministro das Comunicações, Hélio Costa, vem fazendo lobby em favor do padrão japonês da TV digital. Já foi até criticado por esta Folha por não ser capaz de arbitrar de forma isenta a disputa, como a sua posição exigiria. Mas, se Costa faltou para com a dignidade do cargo, o titular da Cultura, Gilberto Gil, achincalhou a autoridade do posto de ministro de Estado ao ler, durante um evento público, um cordel em que seu colega das Comunicações é chamado de "empresário boçal" defensor de monopólios e do qual constam outros termos impublicáveis neste espaço.
A título de resposta, Costa referiu-se ao colega como "Gilberto vil", a quem qualificou como "despreparado" e proferidor de "idiotices". Para arrematar, desafiou o titular da Cultura a repetir o cordel diante da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que se viu, assim, à revelia transformada numa espécie de fiscal do gabinete Lula. Ontem, Gil emitiu nota em que pede desculpas a Costa.
É saudável que existam divergências dentro de um governo. É fundamental, porém, que elas sejam resolvidas "intra muros" e com recurso a argumentos e demonstrações racionais. Quando as disputas se dão diante dos olhos do público e envolvem troca de insultos e palavrões, a desmoralização é total.
Em outras paragens, uma manifestação dessa natureza resultaria na demissão sumária dos dois ministros. No Brasil de Lula, porém, os descalabros são tamanhos e tão graves que a demonstração de descompostura dos titulares da Cultura e das Comunicações parece um episódio menor.

CLÓVIS ROSSI De vis, boçais e cínicos

FOLHA
SÃO PAULO - Se não existisse a oposição, o governo Lula já teria acabado há muito tempo. Os companheiros e neocompanheiros se matam entre eles e, no processo, revelam ao distinto público o caráter que eles próprios acham que o governo tem.
Para ficar só nas contendas mais recentes, há o affaire Antonio Palocci x Jorge Mattoso. O público só ficou sabendo detalhes quase completos do crime do governo contra o caseiro Francenildo graças à pendência entre eles. Um, ministro da Fazenda, o outro, presidente da Caixa Econômica Federal. Reúnem-se em pleno Palácio do Planalto, mas não discutem economia. Discutem um crime. Diz tudo a respeito do caráter de um governo. É claro que o presidente da República não sabia de nada, de novo. Também diz muito sobre o caráter do governo.
Mal as brasas começam a adormecer sobre mais esse crime do lulo-petismo, ficamos sabendo que o governo inclui um "empresário boçal", ainda por cima favorável ao monopólio, e um ministro "vil".
O "empresário boçal" seria o ministro das Comunicações, Hélio Costa, na versão vil, ops, na versão Gilberto Gil, que não teve o menor pejo de ler em público texto em que assim era qualificado seu, digamos, colega de gabinete. O "vil" é o Gil -ou o Gil é o "vil", sei lá-, na versão do "empresário boçal" em declarações aos jornalistas.
Com um ministério assim, o governo não precisa de oposição.
Só num governo assim é possível existir uma líder (no Senado) como Ideli Salvatti, que, sobre a violação do sigilo bancário do caseiro, teve o seguinte "insight": "Qualquer pessoa pode esquecer um extrato em algum lugar e alguém ler".
Poderia ter acrescentado que Francenildo teve o azar de "esquecer" seu extrato justamente na mesa da casa do ministro Palocci.
Cinismo, tudo bem. Já estamos habituados. Mas, pelo amor de Deus, com um mínimo de cérebro.

@ - crossi@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE Revolução

FOLHA
 BRASÍLIA - Calma! Não se trata do golpe de 64, "comemorado" hoje. Trata-se da revolução que ocorreu no PT depois que Lula chegou ao poder. O resultado foi a queda de toda a cúpula partidária e dos homens do presidente. E agora, como preencher os cargos de governo e de campanha? Sobram vagas, faltam candidatos.
Se sair do Senado para disputar o Palácio dos Bandeirantes, Mercadante deixará o governo entregue aos leões no Congresso, com Ideli Salvatti se esgoelando numa Casa e Ângela Guadagnin sambando na outra. E elas pelo menos fazem e acontecem. Cadê o resto da bancada?
Quanto a Jaques Wagner: optou pela campanha e pelas praias da Bahia e abre um buraco no Planalto. Quem botar na coordenação política? Dirceu, Palocci, Genoino e Gushiken caíram. João Paulo Cunha foi tragado pelo "valerioduto". Os deputados Greenhalgh e Virgílio Guimarães foram derrotados na disputa pela presidência da Câmara, nada mais, nada menos, por Severino Cavalcanti. Sobra um último moicano, Sigmaringa Seixas. E, aí, o que sobra para a campanha do PT no DF?
Entre os sobreviventes, há Tarso Genro. Como Mercadante, ele é cotado para tudo (em terra de cego, quem tem olho é rei...), mas, se não serviu para presidir o PT, por que serviria para ser coordenador político? À noite, ele foi escolhido coordenador político.
Quem não tem ministro vai de secretário-geral. E isso não é tudo. Lula está muito mais preocupado com a campanha do que com um governo em fim de festa. E tem três problemas: 1) montar uma equipe de primeiro time para coordenar a reeleição; 2) manter o namoro com a cúpula governista do PMDB, apesar de as próximas pesquisas registrarem o "efeito caseiro"; 3) enfrentar chapas poderosas do PSDB em São Paulo e Minas.
Lula não pode correr o risco de ter uma coordenação fraca de campanha, nem de empurrar o PMDB de Garotinho para o colo dos tucanos, nem de ficar em franca desvantagem nos maiores redutos eleitorais. Mas é exatamente isso o que pode ocorrer.

@ - elianec@uol.com.br

NELSON MOTTA '"Dancin" Days'

FOLHA
 RIO DE JANEIRO - A brasileiríssima expressão "no fim, tudo acaba em samba" é originalmente carioca, mas, por influência paulista, acabou se transformando em "acabar em pizza".
Agora, numa síntese interestadual pra lá de dialética, a deputada Guadagnin juntou as duas em uma e a pizza acabou em samba. A impunidade ao quadrado.
E depois ainda veio ofender os idosos, as mulheres, os gordos e os feios, que não aceitam nada do que ela comemora, dizendo que sua atitude só teve essa dimensão por sua condição de mulher madura, acima do peso e fora dos padrões de beleza vigentes. Ah!, e porque luta pela justiça. Parece que os cidadãos e cidadãs honrados que não lutam pela justiça são todos jovens, magros e bonitos. E burros.
A deputada ofendeu também milhões de machistas honestos, trabalhadores e patriotas quando sugeriu, em tom indignado e ressentido, que, se fosse uma gostosona ou um homem, não reclamariam tanto. Podem ser machistas, mas não são burros nem agüentam mais corrupção, mentiras e cinismo.
Se a Maria Fernanda Cândido fosse deputada e sambasse no plenário, seria lindo de ver, mas horroroso se fosse para comemorar a absolvição de colegas pilhados com a mão na massa. Mas Maria Fernanda não faria nem uma coisa nem outra: é uma mulher de responsabilidade e compostura.
A defesa da musa da pizza -cada momento de nossa história tem a musa que merece- faz par perfeito com Severino, dizendo-se vítima de preconceito por ser macho, nordestino, feio e barrigudo. Mas nem Severino se deu à "grotesqueria" de xaxar em plenário.
A deputada é também uma mulher de sorte; a queda de Palocci ocupou todos os espaços da mídia e tirou-a da linha de tiro. Mas nada que ela faça ou diga apagará da memória popular as inesquecíveis imagens de uma deputada rindo e sambando pela impunidade e pelo privilégio.

LUÍS NASSIF A qualidade total e a política econômica

FOLHA
Ontem em São Paulo reuniram-se empresas associadas da Fundação Nacional da Qualidade. Foi o evento anual de premiação das empresas que obtiveram maior pontuação, de acordo com os critérios de avaliação da fundação.
Nas discussões, houve consenso de que o grande desafio será o de levar a gestão ao setor público? Mas de que maneira? Em Juiz de Fora, a Belgo Mineira implantou programas de qualidade em vários hospitais públicos, criou programa de qualidade municipal e aumentou a participação dos fornecedores locais de R$ 8 para R$ 100 milhões ano. Em sua região de atuação, a CPFL está apoiando a ação de hospitais e santas casas.
Anos atrás, um dos premiados foi a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Com um plano de qualidade bem empregado, em pouco tempo reduziu de 16 horas para 8 minutos o tempo médio para marcar consulta.
Até hoje, nenhum governante deu-se conta do poder de mobilização do movimento pela qualidade. No Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, a premiação mobiliza milhares de pessoas, de pequenos empresários a grandes organizações.
Estima-se que hoje em dia pelo menos 1,5 milhão de pessoas estejam envolvidas com programas de qualidade. Trata-se de um contingente valiosíssimo, que entendeu a questão da competitividade, que passou a desenvolver um pensamento sofisticado em relação às empresas.
Ao contrário da política econômica dos últimos dez anos, as empresas que aplicaram programas de qualidade aprenderam a entender sua realidade de forma sistêmica. Cada departamento trabalha visando o resultado final para a empresa, não para seu departamento. Para tanto, tem que entender a lógica dos demais departamentos e seu papel para a estratégia final da companhia.
Compare-se esse tipo de raciocínio com o raciocínio monofásico dos gestores da política econômica. O Banco Central tem só um objetivo: o de reduzir a inflação a qualquer preço. Aplica uma taxa de juros altíssima que explode com a dívida pública. Mas aí não é mais problema seu, e sim do Tesouro e da Receita. E aprecia o câmbio com os juros praticados, mas aí o problema dos saldos comerciais é com o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior).
O Tesouro, por sua vez, quer criar uma curva de juros racional, onde quem aplica por prazo maior recebe mais juros. Mas as metas do BC impedem, porque o banco oferece o máximo de rentabilidade pelo mínimo de prazo. Aí o Tesouro resolve dar um by-pass no BC e consegue a desoneração dos investimentos externos, para tentar ampliar o prazo de colocação da dívida como se o mercado não tivesse vasos comunicantes. Ao fazer isso, aprecia mais o câmbio, mas isso é problema do MDIC.
Por seu turno, a Receita aumenta a tributação para dar conta da cobertura das despesas, desestimula as atividades econômicas ou encarece o crédito. Mas, se suas metas são atendidas, o resto é problema da Fazenda e do BC.
Há um pensamento sofisticado na análise, simples na formulação, que foi desenvolvido ao longo dos últimos 15 anos. No dia em que houver um presidente disposto a empunhar a bandeira da qualidade, a economia encontrará seu rumo.

A economia sem Palocci LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

FOLHA

Havia um consenso nos mercados financeiros de que o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci era o grande fiador da política econômica do governo Lula. Afinal foi ele o primeiro político petista que entendeu as limitações que o PT encontraria para implementar seu programa econômico após a vitória nas eleições de 2002. A desvalorização quase sem limites do real e a explosão nos índices inflacionários que se seguiu, foram suficientes para que o ex-prefeito de Ribeirão Preto entendesse o risco que corria seu partido e o novo presidente da República.
Vendeu a Lula o caminho de uma transição ordenada e que respeitasse os valores básicos de uma economia de mercado para acalmar os investidores e estabilizar novamente nossa moeda. Para tanto, bancou um aumento dos juros e uma queda na atividade econômica, no primeiro ano do governo, que levou a um crescimento do PIB de apenas 0,5%. No início de 2004, por ocasião da viagem do presidente à China, o caminho trilhado por recomendação de Palocci quase foi abandonado por Lula.
A divulgação de um índice recorde de desemprego na Grande São Paulo e as pressões sofridas por parte dos petistas históricos de sua "entourage" fizeram com que o presidente se decidisse por uma mudança de 180 graus na condução da economia. Mas ao chegar ao Brasil foi convencido, pelo então ministro da Fazenda, a esperar mais um pouco. E os resultados positivos começaram a aparecer, devolvendo a Palocci o comando do jogo.
Com o crescimento econômico em 2004 acelerando-se, o ministro da Fazenda foi convencendo o presidente a tornar perene a política econômica que deveria ser provisória. O ministro da Fazenda se fortaleceu e pôde enfrentar com sucesso seu grande adversário no governo, o ministro-chefe da Casa Civil. A queda de José Dirceu fez de Palocci o grande sustentáculo do governo, fortalecendo a opção de Lula por uma política econômica conservadora.
Os mercados passaram a ver essa aliança entre o ministro da Fazenda e o presidente como um movimento de longo prazo e assistimos, então, a uma incrível melhora nas condições de solvência externa do país. O risco soberano dos papéis brasileiros caiu de forma consistente na segunda metade de 2004 e no primeiro semestre de 2005. O real passou a se valorizar nos mercados de câmbio e a fazer parte de uma cesta de moedas dos mercados emergentes mais importantes. A inflação convergiu para a meta e os investidores começaram a visualizar o país na categoria do chamado "investment grade", isto é, de uma economia com baixo risco de crédito.
A crise política, com o chamado mensalão, passou de lado da economia, mostrando que havia uma confiança sólida nos chamados fundamentos econômicos do país e em Palocci. Apenas quando as acusações atingiram o ministro da Fazenda é que assistimos a alguns sintomas de crise e de desconfiança quanto ao futuro. Mas o esvaziamento das denúncias contra Palocci trouxe de volta a calma ao mercado.
Para uns poucos analistas estavam claras as razões desse novo comportamento da economia: o excedente de dólares em nossa balança de pagamentos e a força de nossa moeda nessa situação eram um novo fator de estabilidade. Com a queda de Palocci, descobrimos que sua função de fiador da economia não tem mais a importância de antes. Mesmo com um novo ministro que não tem a confiança do mercado, não assistimos a uma "débâcle" e a uma perda de confiança na economia brasileira.
A razão disso é a mesma de antes. Nos últimos meses, o Banco Central já comprou quase US$ 8 bilhões e o Tesouro mais de US$ 9 bilhões. Além disso o Brasil já recomprou US$ 4,2 bilhões de títulos da dívida externa pública. A âncora agora é nossa balança de pagamentos.

JANIO DE FREITAS O salto

FOLHA
 Em menos de 90 horas, entre o fim de tarde da segunda-feira e a manhã de hoje, Antonio Palocci dá um salto que só fora possível na ocorrência de golpe de Estado: passa direto do status de mais badalado ministro à cadeira do interrogatório em uma dependência policial.
Seria muito interessante se Antonio Palocci fosse acometido do mesmo surto de franqueza que levou Jorge Mattoso, então presidente da Caixa, a dizer à Polícia Federal que entregou ao ministro da Fazenda o documento com a quebra de sigilo do caseiro Francenildo. O esperado, porém, é o velho Palocci em plena forma, a mesma que exibiu em quatro arremedos de questionamento no Congresso a respeito de suas atividades, digamos, extracurriculares. Ou parte delas.
Mas se o país não foi poupado das cenas degradantes que o seu ministro da Fazenda protagonizou desde que se asilou no Palácio do Planalto, em fuga aos jornalistas, e deverá continuá-las hoje, isso também se deve ao comportamento pusilânime de senadores e deputados ditos da oposição, particularmente do PFL.
Já lançados por vários depoentes das CPIs indícios numerosos a serem cobrados de Antonio Palocci, não preenchem os dedos de uma das mãos os parlamentares que tiveram a hombridade de lhe fazer indagações objetivas e desmentidos pertinentes. A larga maioria dividiu-se entre a omissão de uns e, de outros, o oportunismo acovardado e a bajulação pegajosa. Todas atitudes dedicadas não só ao agrado de Palocci mas também, ou sobretudo, aos doadores.
Inquirições sérias tenderiam a alertar Palocci para as possíveis impropriedades de relações ou condutas suas, e até a sustá-las àquela altura, evitando os desdobramentos que tiveram. A chamada oposição composta por PFL e PSDB não tem do que se vangloriar: é parte ativa na produção da lambança.

Renúncias
Está previsto para hoje o ato, com direito a discurso, em que José Serra deixa a Prefeitura de São Paulo. A renúncia com apenas 15 meses de mandato para candidatar-se à Presidência, apoiado na justificativa da preferência por seu nome nas sondagens públicas, seria capaz de justificar-se.
A mesma renúncia para trocar a administração da cidade mais poderosa da América Latina pela administração do Estado, por importante que este também seja, não demonstra legitimidade. Mais parece a busca de um trampolim mais alto para a eleição presidencial de 2010, o que seria mais uma visão equivocada.
Não é esperável, como não se esperam dos Parlamentos brasileiros as medidas necessárias, mas a proibição de renúncias precipitadas por fins políticos seria muito conveniente para melhorar a política e as administrações. E o respeito ao eleitorado.


CELSO MING

ESTADÃO
Ameaças à Petrobrás

O novo governo boliviano chefiado pelo presidente Evo Morales está ameaçando os interesses do Brasil e da Petrobrás. E, no entanto, o governo Lula permanece agachado e mudo, incapaz até mesmo de comunicar ao governo boliviano por onde passam os interesses do País.

O ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Solíz, não se contenta em acusar a Petrobrás de neocolonialismo e de explorar seus funcionários na Bolívia. Afirma que o setor do petróleo será nacionalizado e que as empresas que operam na área, a começar pela Petrobrás, serão relegadas à condição de meras prestadoras de serviço.

Os investimentos da Petrobrás na Bolívia são de US$ 1,5 bilhão, uma fração diante do patrimônio líquido apresentado no último balanço, de US$ 36 bilhões. Em todo o caso, se a decisão do governo boliviano for mesmo estatizar seu setor do petróleo, será preciso ver como esses investimentos serão indenizados. O problema mais importante não é o patrimônio da Petrobrás, mas a ameaça ao fornecimento futuro de gás ao Brasil.

Hoje, o gás boliviano concorre com 26 milhões a 27 milhões de metros cúbicos diários, para o consumo brasileiro de cerca de 40 milhões de metros cúbicos. O contrato prevê fornecimento desse gás até 2019. Como a Bolívia não tem a quem vender esse gás, a lógica sugere que, com algumas mudanças, as regras do jogo sejam respeitadas.

Dentro de apenas quatro anos, o consumo brasileiro saltará 150%, para 100 milhões de metros cúbicos diários, como reconhece o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli. Até lá, a Petrobrás não conseguirá extrair das jazidas nacionais mais do que 20 milhões de metros cúbicos diários. Se tudo der certo, os novos campos de gás da Bacia de Santos só começarão a produzir a partir de 2012 e, ainda assim, não fornecerão mais do que 30 milhões de metros cúbicos diários.

Isso significa que o Brasil está estreitamente dependente dos suprimentos bolivianos, a menos que trate de reduzir drasticamente o consumo, até agora largamente incentivado. Se for para aumentar o suprimento boliviano, será preciso investir imediatamente. A Bolívia não dispõe desses recursos.

A esta altura não se pode dizer que os bolivianos se limitarão a reivindicar um reajuste nos preços, hoje de US$ 3,23 por milhão de Unidades Térmicas Britânicas (BTU), porque as autoridades da área falam em nacionalização do setor e em transformação das empresas que lá operam à condição de apenas prestadoras de serviços.

Gabrielli se queixa de que, oficialmente, o governo boliviano não disse o que pretende nem apresentou uma proposta, nem à Petrobrás nem ao governo brasileiro. Prefere desferir setas de zarabatana contra a Petrobrás por meio da imprensa. Em entrevista ontem divulgada, Gabrielli contra-atacou com a possibilidade de suspender os investimentos e de abandonar a Bolívia: "Não queremos ser uma prestadora de serviços."

Do ponto de vista do interesse público do Brasil, a questão mais grave é a de que o governo Lula não está dando o devido respaldo a Gabrielli. Se os ataques bolivianos provêm de um ministro de Estado, é de um ministro brasileiro de Estado que se esperam respostas. No entanto, o governo Lula não está acionando para isso nem mesmo o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau. Prefere manter a cara limpa, com o mesmo sorriso de quando derramava elogios aos arroubos nacionalistas do novo governo de La Paz.

Enfim, o governo Lula vem tratando o governo Evo Morales com muito nheco-nheco e banda de música. Levou o secretário especial, Marco Aurélio Garcia, e o Itamaraty a derramarem louvações ao grande líder do povo indígena, o primeiro a assumir a chefia de um Estado nacional. E agora, quando tem de lembrar aos bolivianos que contratos têm de ser respeitados, escala Gabrielli, um sub-do-sub na escala hierárquica dentro do governo brasileiro, para apresentar a cara para bater.


È arrivato il baritono?

ESTADÃO

Dionísio Dias Carneiro*

A despedida do ministro Antonio Palocci foi melancólica.

Os últimos esforços para preservá-lo expuseram, de modo dramático, o duplo padrão de seriedade adotado pelo governo petista no episódio da invasão de privacidade do caseiro. Os analistas políticos e as pesquisas de opinião serão capazes de avaliar os eventuais danos eleitorais que o episódio causará a Lula. Mas, em contraste com a conhecida anedota popularizada por Mário Simonsen ao deixar o governo Figueiredo, dessa vez o criticado tenor não deixou o palco em meio às vaias, amaldiçoando a platéia com o barítono. Talvez porque a platéia já conheça o barítono e os aplausos sejam apenas protocolares, não esperançosos.

A decepção é geral, para governistas e oposicionistas. Talvez porque Palocci tenha abusado das duas forças principais que costumam transformar credibilidade em credulidade: a vontade de acreditar e os interesses pessoais, que transformam em verdade o que tudo leva a crer que é mentira. Os fatos desmontaram a credulidade. Agora, a perda de credibilidade contamina outros aspectos do governo e atinge as expectativas de mercado, estimulando fatores que amplificam as turbulências. Por enquanto, a preservação do Banco Central é o que resta ao governo em matéria de confiança econômica contra os riscos de que Mantega tente fazer o que sempre achou correto, quando estava (segundo suas palavras) "do outro lado do balcão".

Os acontecimentos dão início à transição ainda não refletida nos mercados. Há até poucas semanas, o otimismo era alimentado por um cenário: na pior das hipóteses, a continuidade do governo Lula, em edição piorada por conta do fim do mito de partido ético, era amparada por uma agenda econômica, defendida por Palocci contra os "do outro lado do balcão". Agora, qualquer que seja a evolução das chances das candidaturas nos próximos meses, é difícil esperar um segundo mandato de Lula no qual a confiança econômica possa ser ancorada num "novo" Palocci, sensato, tranqüilizador e influente. Para os mercados dominados por eventos de curto prazo, o resultado é um aumento da volatilidade ao sabor dos sinais difíceis de decodificar. Em especial, analistas e estrategistas dos mercados de renda fixa (cujo otimismo estimula a adoção de carteiras mais arriscadas e tem permitido ao Tesouro aumentar o prazo da dívida pública e melhorar sua denominação) devem reagir. A nova transição fica cada vez mais parecida com a de 2002. O empenho do Tesouro, sob Joaquim Levy, em sanear a dívida e a teimosia do Banco Central, sob Henrique Meirelles, em seguir um caminho suave para a queda dos juros eram criticados como ortodoxia pelo atual ministro, quando este "pressionava" o governo de dentro do governo. Os efeitos da transição sobre juros e câmbio devem ser bem menos graves e desorganizadores do que em 2002, ainda que se deva esperar uma elevação dos prêmios de risco.

A perspectiva de prazo mais longo, entretanto, é preocupante. Temos tratado, nos últimos três artigos neste espaço, da fragilidade das concepções de crescimento econômico que identificamos por detrás das promessas dos candidatos. A cadeira de Palocci foi ocupada por um loquaz da insatisfação interna do PT com a gestão do Tesouro e do Banco Central, em nome de um desenvolvimentismo baseado no gasto público - que não deixou marca brilhante no BNDES. Não sobra estoque de credibilidade para que chavões, como "a política econômica é do presidente Lula", bastem para sepultar as suspeitas de mudanças para pior. É significativa a debandada dos quadros competentes, que foram desqualificados publicamente pelo atual ministro por não terem uma "visão de longo prazo" suficiente para violar a responsabilidade fiscal. Murilo Portugal fará falta para reverter a deterioração fiscal em andamento.

O barítono tem um caminho duro para compor, com sua tropa desenvolvimentista, a equipe de gestores da Fazenda, ministério que ancorou a confiança, pois Palocci não permitiu que o aparelhamento substituísse a competência e o respeito pela experiência. A platéia aguarda os primeiros acordes, tolerante com as inevitáveis desafinações que ocorrerão, porque alguns instrumentistas já abandonaram a orquestra. Intolerável será a cacofonia da linguagem confusa. Esta soará como um alerta de uma desorganização econômica semelhante àquela que se temia ser resultado da eleição de Lula.

*Dionisio Dias Carneiro, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, é diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica (Iepe/CDG)

Iniqüidade penal

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO
Iniqüidade penal

Em vez de se destinar a presos reincidentes e de alta periculosidade, o sistema prisional brasileiro vem sendo ocupado cada vez mais por autores de pequenos delitos. O caso do Cadeião de Pinheiros (Dacar 4), como mostrou reportagem de Rosa Bastos, no Estado de domingo, é exemplar. 30% das mulheres que hoje se encontram ali detidas estão sendo processadas ou já foram condenadas por terem furtado ou tentado furtar vidro de esmalte, xampu, fraldas, queijo, doce de leite, chocolate, caixa de chá, suco em pó, bolacha e outras ninharias.

Além de trancafiar um número cada vez maior de autores de crimes eventuais e sem potencial ofensivo, o sistema prisional dispensa a todos eles um tratamento degradante. Nenhuma das presas, no Cadeião de Pinheiros, recebe pasta de dente, papel higiênico e absorventes. Nas celas, cuja maioria não tem colchão e lençol, amontoam-se 25 presas em condições degradantes.

A reportagem do Estado mostrou o caso, que pode ser considerado emblemático da crise do sistema jurídico-judicial, no âmbito criminal, da doméstica de 18 anos que passou quatro meses presa no Cadeião de Pinheiros em condições absolutamente degradantes, por ter tentado furtar uma lata de manteiga no mercado de seu bairro, na zona leste. Para conseguir o benefício de aguardar o julgamento em liberdade ela precisou entrar com seis pedidos de habeas-corpus. Os cinco primeiros foram recusados pela Justiça estadual e o que foi acolhido teve de ser impetrado em Brasília, a mil quilômetros de distância de São Paulo.

Esse caso revela a insensibilidade de juízes que mantêm encarcerados por longo período homens e mulheres pobres detidos pela prática de pequenos furtos. O mais grave é que o congestionado sistema prisional não tem condições de receber esses presos. Embora o Cadeião de Pinheiros tenha sido projetado para acolher só as pessoas que aguardam o julgamento de seus crimes, lá também se encontram mulheres já condenadas, que deveriam estar cumprindo pena numa penitenciária, onde poderiam trabalhar e estudar, usufruindo direitos assegurados pela Lei de Execução Penal. Das 1.360 mulheres presas no Cadeião, 700 estão em situação ilegal.

As autoridades estaduais reconhecem a superlotação, mas alegam em sua defesa que a situação só poderá ser atenuada quando for concluída a reforma da antiga Penitenciária Feminina. Já o promotor responsável pelo caso da doméstica que tentou furtar uma lata de manteiga afirma que "roubo é roubo" e que, "se afrouxar, vira baderna".

De fato, se todo delito de menor gravidade for tratado com leniência pelo Ministério Público e pela Justiça, o afrouxamento na aplicação das leis penais pode levar à disseminação ainda maior do sentimento de impunidade, que contribui para o aumento dos já altíssimos índices de criminalidade. Mas ser rigoroso na aplicação de uma lei não significa mandar obrigatoriamente para a prisão quem delinqüiu, independentemente da gravidade da infração. Para evitar isso, o direito prevê punições diferenciadas - das penas alternativas às penas privativas de liberdade.

Previstas para pequenas infrações praticadas por réus primários, as penas alternativas não são sinônimo de impunidade. Ao contrário, são punições com comprovada eficácia educativa e que ajudam a descongestionar as prisões, abrindo vagas para os autores de infrações graves e criminosos de alta periculosidade. Dos condenados a penas alternativas, só 12%, em média, voltam a delinqüir. Entre os que cumprem pena privativa de liberdade, 80% reincidem no crime. O problema das penas alternativas é que, apesar de terem sido introduzidas na legislação há mais de 20 anos, muitos promotores e juízes se recusam a adotá-las. O resultado inevitável é a superlotação das prisões e sua conversão em verdadeiras usinas de revoltas e rebeliões.

É sobre isso que as autoridades judiciais deveriam refletir, para não confundir rigor na punição de autores de pequenos furtos com encarceramento e para tentar restabelecer em nosso sistema prisional aquilo que ele perdeu há muito tempo: o respeito à dignidade da pessoa humana.

Uma conta de chegar

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO

Uma conta de chegar

Quando se fala para dizer exatamente o que se pensa, sem censuras mentais, se procura utilizar a linguagem mais simples e corriqueira com preocupação precípua de ser claro. Já quando se é obrigado a dizer algo que não é o que realmente se pensa, quanto mais rebuscada e tortuosa a linguagem, melhor.

É o que nos vem à mente, de imediato, quando se lê, no cartapácio de 1.800 páginas, em dois volumes, que constitui o relatório final da CPI dos Correios, o trecho sobre o presidente Lula e o mensalão - cuja existência o documento confirma, sem eufemismos nem circunlóquios. "O mensalão", escreveu singelamente o relator Osmar Serraglio, do PMDB paranaense, "foi uma realidade."

E Lula sabia? Teria ele autorizado ou, por outra, teria ele podido impedir que vicejasse o que o deputado definiu como "prática ilícita de cooptação política, financiada com dinheiro escuso de cofres públicos e privados (...), a degradação de um escambo imoral de favores, que teve importantes membros da classe política como protagonistas"? Constatada a realidade da ilicitude, nenhuma outra indagação poderia ser mais importante do que essa. Desde junho do ano passado, quando o então deputado Roberto Jefferson introduziu o neologismo mensalão no léxico político nacional e à medida que se empilhavam as evidências do suborno sistemático de deputados para servir ao governo, a questão mais explosiva era a da cumplicidade ou não do presidente com o esquema.

O relator ficou com a segunda alternativa, mas deixando uma brecha para que se deduza de seu parecer que ele poderia ter estancado a lambança. Na requintadamente obscurecida linguagem de Serraglio: "Como é de sabença, não incide, aqui, responsabilidade objetiva do Chefe Maior da Nação, simplesmente, por ocupar a cúspide da estrutura do Poder Executivo, o que significaria ser responsabilizado independentemente de ciência ou não. Em sede de responsabilidade subjetiva, não parece que havia dificuldade (grifo nosso) para que pudesse lobrigar a anormalidade com que a maioria parlamentar se forjava. Contudo, não se tem qualquer fato que evidencie haver se omitido."

Essa passagem sintetiza os insuperáveis limites que cercam toda apuração parlamentar de práticas de corrupção, como a protagonizada pelo PT, operada pela dupla Marcos Valério-Delúbio Soares, e reduzida pelo presidente da República, numa estranha entrevista em Paris, a mero crime eleitoral - o uso de caixa 2 -, com a atenuante de se tratar, segundo ele, de algo feito "sistematicamente" no País. A rigor, o resultado de uma CPI é uma conta de chegar. Ali, a busca da verdade objetiva sofre os efeitos tanto da preocupação da maioria dos seus integrantes de tirar proveito eleitoral dos holofotes da mídia quanto dos cálculos de conveniência de governistas e oposicionistas - que se traduzem ora em arreglos, ora em confrontos que pouco elucidam.

Encarado com filosófica resignação, o Relatório Serraglio - que dificilmente será aprovado como veio - pode ser comparado ao proverbial copo meio cheio, meio vazio. Os seus pontos fortes são o desmascaramento da farsa petista dos recursos não contabilizados; o pedido de indiciamento do ex-ministro José Dirceu, que "estava a par de todos os acontecimentos e coordenava as decisões, junto com a diretoria do PT", e do seu então colega Luiz Gushiken, acusado de tráfico de influência e corrupção ativa, entre pelo menos 135 citados; a identificação do Fundo Visanet (gerido pelo Banco do Brasil), e das empresas Brasil Telecom, Usiminas e Cosipa, como fontes do valerioduto.

Os seus pontos fracos são - além da "absolvição" de Lula - a omissão do seu filho, Fábio Luis, no trecho de quase 300 palavras dedicado ao polêmico investimento de R$ 5 milhões da Telemar (de que participam os fundos Petros e Previ) na pequena empresa GameCorp, de que Fábio é sócio; a menção de apenas 19 deputados envolvidos no mensalão (porque se desistiu de investigar outros); e o silêncio sobre a falta de iniciativa da comissão de quebrar os sigilos de algum parlamentar. Decerto se deveria ir mais fundo e mais longe na devassa do mensalão. Sirva de consolo que o relatório tenha rebatido o chorrilho de mentiras que o PT e os seus cúmplices quiseram impingir à opinião pública desde a hora zero do escândalo sobre a natureza de seus malfeitos.


DORA KRAMER Oposição fecha cerco ao PT

ESTADÃO

A idéia é começar por isolar o partido nos três maiores colégios eleitorais

DORA KRAMER

O tucano José Serra deixa hoje a Prefeitura para se candidatar ao governo de São Paulo; em Minas Gerais o governador Aécio Neves fecha ampla aliança para disputar uma reeleição praticamente sem concorrentes; e no Rio de Janeiro não é absurdo pensar que o PFL venha a fazer vista grossa para o apoio do PSDB ao candidato do PMDB, Sérgio Cabral Filho, o favorito nas pesquisas.

Está assim, desenhado, o ponto de partida do cerco eleitoral que a oposição - aí considerados por maiores partidos - pretende fazer ao PT na execução do projeto comum de impedir a reeleição do presidente Luiz Inácio da Silva e colaborar com o já previsto enfraquecimento da representação petista no Parlamento a partir de 2007.

São Paulo, Rio e Minas somam 42% do eleitorado nacional, num conjunto conhecido na política como Triângulo das Bermudas: quem cair ali, reza o dogma, será tragado pelas urnas.

E é exatamente isso o que pretendem, prioritariamente, o PSDB, o PFL e a ala oposicionista do PMDB. Tão empenhadas estão essas três forças na execução do projeto (para o qual esperam também contar com o auxílio de legendas menores como PDT, PPS e PSOL), que já trataram de arquivar velhas arestas acumuladas durante os oito anos de governo Fernando Henrique e expostas à visitação pública na campanha de 2002.

A lembrança do fracasso, aliás, serve de freio aos ensaios de atritos. O prefeito do Rio, por exemplo, adepto pioneiro e ferrenho da candidatura de José Serra à Presidência, tornou-se um soldado de Geraldo Alckmin.

Quem quiser constranger um pefelista, basta lembrar o rompimento com FH, o lançamento da candidatura de Roseana Sarney (depois aliada de Lula) e as agressivas acusações de que o então governo federal havia posto a Polícia Federal à caça de Roseana para expor o dinheiro armazenado nos cofres da empresa da candidata.

Os tucanos também estão dispostos a esquecer que fundaram o PSDB porque não queriam conviver no PMDB com figuras por eles consideradas de baixa estatura moral, como Orestes Quércia.

O plano de "espremer" os petistas em São Paulo inclui uma aliança com Quércia, agora já promovido, na percepção tucana, à condição de correligionário eficaz.

O mesmo ocorre em relação a Anthony Garotinho, cujos porcentuais nas pesquisas, a natureza populista do discurso e a já exibida capacidade de se opor a Lula com agressividade ímpar tiveram o condão de dissolver desqualificações de outrora e guindá-lo à condição de interlocutor de Fernando Henrique Cardoso.

Para a oposição, a luta, óbvio, é para eleger o presidente da República. Mas, se porventura os votos não derem para tanto, desde já dão como certas e satisfatórias as vitórias no "triângulo", com especial atenção para São Paulo, onde reside a força maior do PT.

Isonomia

A despeito de alguns arroubos oposicionistas em defesa da inclusão no relatório final da CPI dos Correios de julgamentos mais severos em relação ao presidente Lula, o PSDB se deu por satisfeito com o texto do relator Osmar Serraglio.

Agora, se o PT insistir em cobrar igualdade de critérios, o tucanato vai propor o indiciamento do presidente da República por uso de caixa 2. Tal como ocorreu com o senador Eduardo Azeredo.

História, volver

A ato público patrocinado pela OAB em desagravo a Francenildo Costa remete aos tempos da ditadura, quando era comum entidades saírem em defesa de cidadãos ameaçados pelo Estado autoritário.

O gesto agora soa algo passadista, mas não deixa de ter caráter preventivo contra outras ousadias institucionais.

Fina estampa

Diz o código de conduta da Comissão de Ética Pública federal: "Constitui infração quando a autoridade se manifestar publicamente sobre a honorabilidade e o desempenho funcional de outra autoridade federal."

Um artigo que expõe a advertências os ministros Gilberto Gil, da Cultura, e Hélio Costa, das Comunicações. A menos que, pelos critérios da comissão, não configure ofensa trocarem referências na base do "vil" e do "boçal".

Brancaleone

Governistas e petistas tanto fizeram para proteger Paulo Okamotto naquele padrão de dar o passo seguinte de modo a sempre piorar o anterior, que conseguiram dirimir qualquer dúvida a respeito das suspeições que cercavam o presidente do Sebrae em suas atividades de trem pagador.

Essa última de Okamotto se esconder no gabinete para não receber a convocação para acareação com Paulo de Tarso Venceslau vai entrar para a antologia da central petista de produção de armas à oposição.

Compõem ainda a galeria a dança da Guadagnin, os dólares nas cuecas vindas lá do Ceará, o aval de Lula à prática do caixa 2, o Land Rover do Silvinho e a espionagem nas contas do caseiro.

Só queria a Presidência, mas já gosta da idéia de ser governador

ESTADÃO

Candidatura ao Bandeirantes caiu no colo de Serra, que se encantou com o projeto, garantem seus amigos

Carlos Marchi

José Serra nasceu predestinado a ser presidente do Brasil. E o primeiro a achar isso, antes de seus pais, aliados e admiradores, foi ele mesmo. Por esse sonho, queimou etapas: o mais paulista dos políticos brasileiros nunca pensou em ser governador de São Paulo, garantem seus amigos. Desde 2002, quando desperdiçou sua grande chance, ele se preparava para tentar novamente. Perdeu a indicação por causa de suas incertezas, alimentadas pelo trauma das rasteiras de 2002. No fim, a candidatura ao governo estadual caiu-lhe no colo.

A surpresa, revelada por vários amigos, é que ele agora está encantado com a idéia de governar o Estado, embora certamente apreciasse mais governar o Brasil. Antes mesmo de deixar a Prefeitura, já pediu números, informes e projetos novos para o Estado. Segundo um auxiliar próximo, ele disse que tem várias idéias novas e se diz empolgado em começar a governar um Estado "resolvido e ajustado", com as contas em dia e muito dinheiro em caixa. Nos últimos dias, todas as conversas para sair da Prefeitura já incluíram cálculos sobre os assessores que deixará e os assessores que eventualmente levará para o Estado, se vencer as eleições.

Nos últimos seis meses, Serra viveu uma queda-de-braço atípica com o governador Geraldo Alckmin pela indicação presidencial do PSDB. Atípica, porque um dos braços empenhados na disputa - o dele - nunca se materializou. O governador começou a sair a campo no segundo semestre de 2005, visitando alguns Estados sem dizer-se candidato. A partir de dezembro, declarou-se em disputa e começou, lentamente, a construir uma vantagem que ao fim foi fundamental para que ele batesse o prefeito.

Serra concorreu sem dizer que concorria, temeroso de anunciar-se candidato depois de apenas um ano como prefeito de São Paulo, cargo que prometeu exercer até o fim, o que o constrangia a ficar. No fundo, explicam seus aliados, ele temia, mais que tudo, os desacertos que fizeram naufragar sua campanha em 2002.

O trauma da divisão do partido, potencializado pelo desvanecimento do sonho, foi o grande fantasma que bloqueou Serra na disputa com Alckmin. Mesmo sem dizer-se candidato, ele esteve à frente do governador, na preferência da cúpula do partido, todo o tempo. O principal argumento a protegê-lo foi a competitividade contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele chegou ao auge da preferência partidária quando passou Lula na intenção popular. Seria ultrapassado perto da linha de chegada, por sua insistência em só aceitar a candidatura mediante o abraço coletivo do PSDB inteiro - inclusive Alckmin.

PESQUISAS

O PSDB resolveu fazer baterias cruzadas de pesquisas quantitativas e qualitativas em todo o País, tarefa executada pelo cientista político Antônio Lavareda. Os resultados finais foram muito favoráveis a Serra, o que lhe fortaleceu a primazia junto à cúpula do partido. Naquele momento, se fizesse um mínimo sinal, Serra seria ungido candidato: por ele, desde o início, batia o coração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; logo Aécio passou a apoiá-lo, principalmente porque Serra lhe garantiu que, presidente, só ficaria um mandato (e Aécio pode ser candidato em 2010).

As pesquisas de Lavareda convenceram Tasso. Serra passou a contar com os três votos. Mas Alckmin fincou pé em sua candidatura, o que negava a unanimidade que o prefeito exigia. A disputa tucana virou uma novela sem final à vista e, pior, com a possibilidade de um desfecho infeliz. Alckmin chegou a falar em prévia dentro do partido, o que, no PSDB, está perto de ser uma maldição. Depois recuou. Aos poucos, começou a ganhar a simpatia do triunvirato, irritado com a indefinição de Serra.

Todo o tempo, o governador se expunha cada vez mais como candidato, desempenhando um papel que Serra se julgava impedido de cumprir, por seu mandato na Prefeitura.

Nas muitas conversas com o triunvirato, Serra recusou-se a aceitar uma candidatura a todo custo, argumentando que precisava de tempo para decidir. Quando março chegou, o triunvirato marcou prazo - a decisão viria, irrecorrivelmente, até o dia 13. Pressionado pelos três, Serra continuou insistindo em ganhar tempo, afirmando que precisava fazer novas avaliações. Fez incontáveis pesquisas próprias para saber a reação do eleitorado paulistano se ele deixasse a Prefeitura.

FUGA E XEQUE-MATE

Os resultados foram favoráveis, mas nem assim ele se decidiu. Ainda se sentia a cavaleiro, principalmente porque as pesquisas da época não mostraram evolução de uma hipotética candidatura Alckmin. Mas, antes de terminar a primeira semana de março, ele já não tinha o mesmo favoritismo de antes - a candidatura que fora sua por pelo menos dois meses inteiros agora lhe fugia entre os dedos.

Cansados e desgastados pela tarefa de escolher o candidato, os integrantes do triunvirato resolveram desaparecer a partir do carnaval. Aécio foi com a filha Gabriela para uma estação de esqui no Canadá, Fernando Henrique partiu para um seminário no Equador e Tasso refugiou-se em sua fazenda, na serra do Baturité, interior do Ceará.

Quando voltaram, os três procuraram Serra e lhe cobraram uma resposta imediata. Mais uma vez ele refugou, dizendo que precisava de mais tempo. Nessa conversa, foi Aécio quem lhe deu o xeque-mate, dizendo-lhe que não havia mais prazo: naquele momento, era sim ou não.

Serra ainda tentou empurrar a decisão. Ganhou não mais que um dia, graças à superstição de Tasso, que não toma nenhuma decisão nos dias 13. O triunvirato deu-lhe até a manhã do dia 14 de março para um "sim" ou um "não".

No dia 14, ainda assim, Serra não respondeu ao triunvirato com um "sim" ou um "não" incondicionais; voltou, uma última vez, a insistir em que sua resposta final era "sim", mas esse "sim" encerrava uma condição: a velha e surrada tese do abraço coletivo do partido, incluindo Alckmin. O triunvirato deu por encerrada a conversa e foi ungir Alckmin como o candidato do partido à Presidência.

ESTRATÉGIA

O governador mostrou que, além de uma boa estratégia para ganhar dentro do partido, tinha bons planos para ganhar fora. Quando os dois ainda disputavam, os partidários de Alckmin começaram a disseminar a idéia de lançar Serra para o governo do Estado. No início, os aliados do prefeito ficaram furiosos e descartavam inteiramente a hipótese. Depois da escolha de Alckmin para concorrer à Presidência, a resistência caiu completamente.

Serra ameaçou repetir a novela da primeira fase, mas agora tinha uma barreira insuperável à sua frente - o calendário eleitoral, que obriga à desincompatibilização dos que ocupam cargos públicos e querem concorrer nas eleições de outubro até o dia 31 de março. Desta vez, Serra não pôde negociar por três meses, mas arrastou a decisão até o prazo que lhe era possível postergar.

"FHC acha que pode dar jeito no Brasil; eu tenho certeza"

ESTADÃO

"FHC acha que pode dar jeito no Brasil; eu tenho certeza"

Desde 2002, Serra alimentava a esperança de tentar de novo a Presidência

Quando amigos, numa roda de conversa, lhe perguntaram quem era mais megalômano, ele ou Fernando Henrique Cardoso, seu alter ego na política e na vida, José Serra respondeu de bate-pronto: "Fernando Henrique acha que pode dar jeito no Brasil; eu tenho certeza." Foi com essa certeza e uma obsessão nascida na juventude que ele concorreu à Presidência contra Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Perdeu. De lá para cá, Serra alimentou todos os dias a expectativa de ganhar uma nova chance.

No meio do caminho, foi empurrado pelo PSDB inteiro para disputar a Prefeitura de São Paulo. "No sacrifício", como se diz na política, ele foi e ganhou. Agora, achava-se no direito de ganhar novamente a indicação presidencial para compensar o sacrifício e porque, até recentemente, continuava a ser o nome tucano mais competitivo contra o carisma de Lula.

Em 2002, Serra foi listado como candidato à direita de Lula. Mas, além de ter sido o último presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), de tradicional alinhamento à esquerda, antes do golpe de 1964, Serra é o único político em atividade que discursou no incendiário comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no dia 13 de março de 1964, que ajudou a deflagrar o golpe militar.

Filiado a um dos mais radicais grupos de enfrentamento da ditadura militar, a Ação Popular (AP), Serra voltou ao Brasil em plena ditadura, em 1965, para tentar reorganizá-la, sendo abrigado em São Paulo pela atriz Beatriz Segall, sua amiga até hoje. Por último, em setembro de 1973, foi preso no Chile e levado para o Estádio Nacional, onde dezenas de militantes foram fuzilados.

Foi retirado do Estádio Nacional, em Santiago, por gestões da embaixada italiana, e foi fazer doutorado na Cornell University, já na área de economia, abandonando a engenharia, que cursara em São Paulo. O exílio, contam os amigos, não lhe deixou amargor; nele aprendeu a se expressar em várias línguas e ganhou uma ampla dimensão de mundo, reconhecem as pessoas próximas.

Apesar das acusações inevitáveis, seus adversários alinham qualidades que o transformam num adversário duro de enfrentar: tem uma sólida formação intelectual, uma memória prodigiosa, argumenta bem, defende encarniçadamente suas posições e resiste bravamente a fazer concessões políticas em troca de apoio.

Esteve perto de ganhar o Ministério da Fazenda pelo menos duas vezes em sua carreira: logo após o impeachment de Fernando Collor, o então senador Fernando Henrique Cardoso sugeriu seu nome, recusado pelo futuro presidente Itamar Franco; no início do governo seguinte, o próprio Fernando Henrique descartou seu nome, colocando-o como ministro do Planejamento e, depois, da Saúde, onde fez uma gestão marcante.

No meio político, Serra ganhou fama de mal-humorado. Uma amiga conta que ligou para ele em 19 de março, dia de São José, seu aniversário. Era um telefonema para cumprimentá-lo, mas Serra respondeu secamente que estava com a mãe. Sem graça, a amiga desejou-lhe feliz aniversário e ele fechou a conversa: "Obrigado." A amiga desligou naturalmente desapontada, mas reconheceu que esse "é o jeito dele".

A outra amiga, ele jurou por todos os santos que não seria candidato a prefeito de São Paulo. Lastreada no juramento, a amiga fez várias apostas nesse sentido - e perdeu todas. Ficou furiosa com ele. Quem o conhece de perto afirma que a fama de mal-humorado não é justa e desconfia que ela decorre da aversão de Serra ao assédio de políticos clientelistas. Segundo essas pessoas, antes de ser antipático, Serra é um negociador duro, que não faz concessões de nenhuma espécie.

Em compensação, quando está numa roda de amigos, não olha para o relógio - empolga-se com papos que avançam pela noite (até porque costuma dormir tarde). Nas conversas, o realce vai para sua erudição - é um leitor voraz - e sua memória prodigiosa, que o faz guardar de cor poemas enormes, citações de romances e obras filosóficas e dados completos de filmes de arte, em especial obras do neo-realismo italiano.

A formação cosmopolita, no entanto, não abalou seu vínculo com as raízes de família. Filho único, todo domingo, chova ou faça sol, vai visitar a mãe Serafina e as tias Carmelita e Teresa, que até hoje moram na Mooca, tradicional bairro italiano de São Paulo, em que Serra nasceu. Quando assumiu a Prefeitura, uma de suas grandes preocupações era um projeto de revitalização do bairro.

Por ser filho de italianos de Cosenza, adora um bom vinho tinto e um bom prato, principalmente da cozinha italiana. E apesar de ser filho de italianos de Cosenza, tem duas aversões famosas - odeia cebola e alho.

Serra é filho de um imigrante italiano que tinha uma banca de frutas no Mercado da Cantareira, na qual ele, menino, trabalhava. Amigos e adversários lhe reconhecem os dotes intelectuais, além de uma inesgotável ansiedade para realizar projetos e de uma excepcional capacidade de gestão.

Em sua estada no Chile, como asilado, Serra casou-se com a então bailarina, hoje socióloga, Monica Allende, prima do presidente Salvador Allende, assassinado durante o golpe militar de 1973.


Odisséia no espaço João Mellão Neto

ESTADÃO


O negócio mais lucrativo do mundo, se fosse possível, seria comprar petistas pelo tanto que valem e revendê-los por quanto eles julgam valer.

Um petista convicto não precisa de analista. Sua auto-estima, em qualquer circunstância, é inabalável. Remorsos e culpas não o atormentam. Consciência pesada é aflição de pequeno-burguês. Faça o que fizer, ele confia na justificação pela fé. Pois, segundo as Escrituras, aqueles que por ela vivem são os justos e nela se salvarão.

Não se trata, aqui, da fé no sentido pregado por São Paulo. Deus não entra no evangelho marxista. Trata-se de fé na revolução. No Armagedon que advirá quando o Bem, representado pela classe trabalhadora, terçará contra o Mal, encarnado pela burguesia capitalista. Há que se preparar para a luta. Tudo o que se fizer é válido no sentido de municiar os legionários da boa causa.

A falta de escrúpulos revelada no episódio da quebra do sigilo bancário do caseiro revoltou a Nação, mas, sintomaticamente, não é um caso isolado. Segundo notícias dos jornais, a Receita Federal, no atual governo dos justos, já bisbilhotou a movimentação financeira de pelo menos seis milhares de pessoas. Ora, o sigilo de dados, em especial os bancários, é inviolável e resguardado pela própria Constituição, no seu Título II, que dispõe sobre os Direitos e Garantias Fundamentais. Ele só pode ser quebrado por explícita autorização judicial. Caso contrário, é crime. E é exatamente disso que se trata aqui.

Os petistas são contumazes reincidentes em casos dessa natureza. Tempos atrás, enquanto se desenvolvia a CPI do Banestado - que apurava eventuais remessas ilegais de dinheiro para o exterior -, a imprensa denunciou que o relator da comissão, o já notório deputado José Mentor (PT-SP), repassava todos os dados secretos que obtinha diretamente a José Dirceu, então o todo-poderoso chefe da Casa Civil. Obviamente, Dirceu não guardava tais informações, movido pelo mesmo tipo de prazer que motiva colecionadores de selos ou de borboletas. Sua real intenção, pode-se presumir, era munir-se de instrumentos de chantagem para eventualmente intimidar todos os odiosos burgueses que se atrevessem a levantar a voz contra o autoproclamado governo do povo. A grita foi geral e o vazamento de informações foi estancado a tempo. No Congresso, à época, fazia sucesso o bem apropriado refrão "Stalin não morreu, encarnou no Zé Dirceu!"

A vocação totalitária do petismo se revelou em diversas outras ocasiões. A frustrada tentativa de criar o Conselho Federal de Jornalismo - que serviria, na prática, para amordaçar a imprensa - é um exemplo eloqüente desse vezo policialesco. Iniciativa análoga foi detectada a tempo no projeto governamental de controlar a produção audiovisual. Nada disso é estranhável num governo que, de forma preocupante, incensa Fidel Castro e Hugo Chávez como exemplos de grandes estadistas.

Reza o ditado que "esperteza, quando é muita, vira bicho e come o dono". Pois foi isso que ocorreu no episódio do Francenildo. Os comissários do povo, agora, se voltaram contra alguém do próprio povo. Uma pata de elefante foi usada para esmagar a cabeça de um simples caseiro. A reação popular era inevitável. Desta vez não mais cabia o argumento de que os governantes, coitados, estavam sendo vítimas de uma sórdida "conspiração das elites". Nesse caso, eram eles a elite e a vítima da sordidez conspiratória não passava de um pobre cidadão. Caiu a máscara do governo dos humildes. Não era indefeso; era, isso sim, indefensável.

Em que pese o seu bom desempenho à frente da economia, Palocci não merece as nossas lágrimas. Como no famoso romance, ele era, ao mesmo tempo, o médico e o monstro. Lá em Ribeirão Preto, sua casa, o aguardam nada menos que duas dezenas de processos criminais.

Enquanto isso, a Nação se distrai, orgulhosa e embevecida, com a aventura espacial do primeiro astronauta brasileiro. Com todo o respeito que merece o coronel Pontes, na verdade há muito pouco de que se ufanar. A nave é russa, a tecnologia, idem, e não cabe ao nosso compatriota, nessa missão, nenhuma atribuição relevante. Embora tenha os seus méritos, o tripulante tupiniquim só está viajando porque o governo brasileiro se dispôs a pagar - e caro - a passagem e a hospedagem. Há precedentes. Antes dele já embarcaram dois milionários norte-americanos, cuja única credencial era a de terem vaidade e dinheiro suficientes para bancar o traslado e a estada na estação espacial. O brasileiro, como eles, está viajando na condição de turista. Não há nada de épico em sua jornada. Nem ele é indispensável à equipe. Tanto que voltará à Terra apenas oito dias após ter partido. Não fosse pelo apelo simbólico - que é positivo para a nossa auto-estima -, poderíamos dizer que se trata apenas de mais uma patriotada, uma bela jogada de marketing, tão ao gosto da mentalidade petista.

O simpático Marcos Pontes carregará para sempre o honroso título de primeiro astronauta profissional do Brasil. Mas ele não é o primeiro nem o único brasileiro a perscrutar o cosmo. Gente como Genoino, Delúbio e Silvinho, por exemplo, já faz tempo que saiu de órbita. José Dirceu, qual um foguete, foi arremessado há quase um ano. Berzoini, por tudo o que diz, deixa claro que reside na Lua. Os argumentos de Aloizio, por sua vez, evidentemente não são deste mundo. Palocci e Mattoso, a esta altura, já estão cruzando a estratosfera.

Eu chego a desconfiar de que a missão do nosso astronauta não tenha objetivos apenas científicos. Trata-se, isso sim, de uma secreta expedição precursora. Urge preparar o terreno. Porque logo mais, em outubro, é o próprio Lula que vai para o espaço.

Comentário da cientista política Lucia Hippolito na CBN:Novela sem fim?

"Governistas e oposicionistas ameaçam guerra aberta para alterar o relatório do deputado Osmar Serraglio, na CPI dos Correios.


O PT já está elaborando um relatório separado para apresentar aos membros da CPI. Há um grande risco de não ser votado relatório nenhum, como aconteceu na CPI do Banestado, em que o relator apresentou um documento e o presidente apresentou outro. Resultado: não se votou coisa nenhuma.


Acontece que a CPI dos Correios não é igual à do Banestado. A CPI dos Correios é a mais popular CPI de toda a história do Congresso brasileiro. Nem a CPI do PC Farias, que contribuiu para o processo de impeachment e afastamento do ex-presidente Fernando Collor, foi tão popular.


Afinal, todo o escândalo do mensalão foi acompanhado em tempo real, pelo rádio, TV aberta, TV a cabo, Internet, blogs, jornais e revistas. Enfim, o mensalão caiu na boca do povo.


Hoje, todo mundo sabe o que é mensalão, o que é caixa 2, o que foram os dólares na cueca, conhece a história do Land Rover presenteado ao então secretário geral do PT, conhece as andanças do tesoureiro petista Delúbio Soares.


Os depoimentos mais importantes, como os de Roberto Jefferson, José Dirceu, Marcos Valério, Delúbio Soares, Silvio Pereira, Duda Mendonça, foram assistidos em clima de Copa do Mundo.


Tudo isto está sendo contado, pesado e medido pela sociedade brasileira. É claro que vai ter algum efeito eleitoral.


O PT sai muito fragilizado deste escândalo todo. É o partido do governo, teve toda a sua cúpula envolvida no escândalo, perdeu suas maiores estrelas.


Mas ainda existem muitos deputados do PT que vão tentar a reeleição em outubro. O eleitor do PT é, tradicionalmente, um eleitor de opinião. Um eleitor urbano, atento, rigoroso na fiscalização dos governos dos outros partidos, preocupado com o comportamento de seus representantes.


Será que este eleitor vai aceitar a intenção do PT de melar a CPI dos Correios? Justo o PT, que sempre pediu CPI para tudo, que sempre foi atuantíssimo em outras CPIs.


O eleitorado do presidente Lula é de outra natureza. Até porque Lula já se descolou do PT há muito tempo. Chega a ser chocante a frieza com que joga ao mar companheiros que vieram com ele desde a fundação do partido e que foram, em grande parte, responsáveis por sua eleição a presidente e pela melhor parte de seu governo.


Será que os deputados petistas pensam que também vão ser reeleitos pelo Bolsa-Família?!


Acho bom alguém acordar."

Enviada por: Ricardo Noblat

Corrupção estatal

O GLOBO EDITORIAL

O relatório da CPI dos Correios ficará algum tempo no centro do turbilhão de um debate movido por paixões político-partidárias. O PT e o governo lutarão para suavizar, se possível eliminar, as referências a seus militantes, autoridades e ex-autoridades companheiras, atitude a ser imitada pelos tucanos na tentativa de salvar Eduardo Azeredo, citado no relatório por crime eleitoral, de fato cometido.

O texto ainda será votado. Poderá ser emendado, atenuado. Se for mantido o tom, o PT avisa que editará um relatório paralelo. Há inclusive o risco de a CPI não chegar a qualquer acordo e ficar sem um documento formal — o que será lamentável. Tudo dependerá do jogo de pressões e contrapressões no Congresso.

Mas, haja o que houver, a sociedade já tem à disposição um relatório detalhado, com uma ampla radiografia de um dos mais extensos esquemas de tráfico de dinheiro sujo de que se tem notícia na história da política brasileira. A peculiaridade do resultado das investigações sobre o esquema do mensalão e do propinoduto, montado em parceria pelo mineiro Marcos Valério e pela cúpula do PT, não está apenas na dimensão da obra de engenharia de captação, lavagem e distribuição dos recursos. Está também na origem deles. Como bem foi lembrado, os anões do Orçamento, flagrados dentro do Tesouro nacional na década de 90, eram especialistas em dragar dinheiro público no atacado, na administração direta. No mensalão distribuído por Valério, Delúbio Soares e outros, a fonte de financiamento da corrupção foi outra: passou da administração direta para as estatais.

De forma mais dissimulada ou menos, e por artifícios ainda a serem descobertos por investigações que precisam ser deflagradas a partir do Ministério Público, saiu de empresas públicas a maior parte do dinheiro usado para comprar o apoio ao governo no Congresso. Entre outras finalidades.

Nos dois volumes de quase duas mil páginas apresentados pelo relator Osmar Serraglio, o golpe dado na Visanet pelo aparelho petista existente no Banco do Brasil é explicado em minúcias. Está lá, com notas fiscais e outras provas, como milhões foram antecipados à DNA, uma das agências de Marcos Valério; e a forma pela qual, numa operação articulada com o BMG, um empréstimo foi feito para acobertar a transferência de R$ 10 milhões para o PT.

A própria auditoria do Banco do Brasil detectou falhas gritantes na generosidade com que a diretoria de marketing do BB, sob controle do petista Henrique Pizzolato, doou altas cifras para a DNA, abastecendo o valerioduto. Daí vem o indiciamento, pelo relator Serraglio, do ex-ministro Luiz Gushiken, responsabilizado por Pizzolato — também na lista dos indiciados — pela liberação do dinheiro.

Os Correios saem da CPI como um concorrido balcão de negociatas. As jogadas feitas em contratos na área do correio aéreo de fato transformam Maurício Marinho num "petequeiro", como o chamou o ex-deputado Roberto Jefferson, em nome de quem Marinho disse trabalhar na estatal para conseguir propina destinada ao PTB. E, como se viu naquele vídeo, para o próprio bolso.

A existência de estatais com dinheiro em caixa e a salvo dos obstáculos burocráticos existentes na administração direta permitiu que o aparelhamento da máquina pública empreendido pelo PT e aliados resultasse no valerioduto. Essencial para a montagem desse esquema de ordenha de dinheiro do contribuinte via estatais foi a aproximação entre Marcos Valério e petistas espertos, tarimbados — sabe-se hoje — em conseguir "recursos não contabilizados" em prefeituras controladas pelo partido.

O publicitário mineiro lhes deu acesso à tecnologia de desviar dinheiro público e lavá-lo em agências de publicidade — método também à disposição de empresários privados com interesse em ficar benquistos junto a poderosos em Brasília. É por isso que muito dinheiro saiu de estatais para agências de publicidade de Marcos Valério sob a justificativa formal do pagamento por algum serviço que, descobriu a CPI, não foi prestado. Golpe de mestre.

Entre as recomendações, a CPI propõe maiores controles sobre as estatais e a redução, de 24 mil para quatro mil, do número de cargos à disposição de nomeações políticas na União. Merece apoio. O problema, no entanto, é mais grave e por isso requer um tratamento mais adequado: um outro ciclo de privatizações.

Se o IRB já tivesse saído do controle do Estado, o PTB de Roberto Jefferson não teria transformado a empresa de resseguros numa fonte de arrecadação de dinheiro ilegal. O mesmo vale para muitas das 66 estatais que ainda existem.

O bem construído relatório da CPI dos Correios na verdade indica o caminho das privatizações como antídoto eficaz contra propinodutos de qualquer tendência partidária e colorido ideológico. É a única maneira infalível de se cortar a fonte de suprimento da corrupção.

Luiz Garcia Um buquê e tanto

O GLOBO

Opedido de demissão de Antonio Palocci foi a penúltima gentileza que recebeu do governo Lula. A sua participação na conspiração — carregada de deslavado abuso de poder — para desmoralizar o caseiro Francenildo exigiria, em senso estrito, que partisse formalmente do presidente Lula a decisão de afastá-lo.

Seria a maneira legítima, pelo menos do ponto de vista formal, de o governo se dissociar de uma conspiração vergonhosa (que só avançou porque a imprensa brasileira ainda tem muito a aprender sobre o tratamento correto de denúncias de paternidade oculta que lhe caem no colo) contra uma testemunha tão humilde quanto corajosa.

Em parte, entende-se. Tanto o governo quanto o país têm uma dívida com Palocci, tão óbvia que não é preciso gastar papel para detalhá-la. Quase ninguém que leva o país a sério discorda da necessidade de que o ministro Mantega pise nas pegadas do antecessor nas linhas principais de sua gestão.

Mesmo assim, a posse do novo ministro foi estranho espetáculo. Lembrou como eram antigamente os casamentos de noivas grávidas: ninguém tirava os olhos do buquê, às vezes imenso, que mal e mal escondia o tamanho da barriga da moça, mas qualquer sussurro a respeito era grave falta de educação.

O discurso de Lula —- a última gentileza —- foi um buquê e tanto. Sua única referência à causa da demissão foi breve menção, quando disse que a vida do homem público é marcada "às vezes por leviandades, às vezes (por) acusações que temos que humildemente provar que não são verdadeiras."

O presidente, como sabido, improvisa mal. Diz o senso comum que acusações não verdadeiras pedem resposta enérgica, não humildade. Também não se entende a singela referência a leviandades. A conspirata contra o caseiro não pode ser assim definida, nem mesmo indiretamente: foi uma deslavada invasão da privacidade de um cidadão. Tentou-se desmoralizá-lo com uma explícita tentativa de convencer a opinião pública de que teria sido subornado.

De tão indireta, era até dispensável essa solitária menção ao motivo da queda. E não é possível confrontar a atuação no Ministério da Fazenda com o comportamento no caso do caseiro e decidir que há saldo ou déficit na conta do ex-ministro. Seria o mesmo que perdoar alguém que deu um chute numa velhinha porque antes ajudara um bando de outras velhinhas a atravessar a rua.

Enfim, a demissão de Palocci parece ter sido rápida o suficiente para não prejudicar a política econômica, limitando a repercussão externa e interna. Pelo que ele fez pelo país nestes três anos, poucos discordarão de que merecia enterro de primeira classe. Teve-o, na medida do possível.

O resto é com a polícia.

MERVAL PEREIRA Trapalhadas tucanas

O GLOBO

Nem bem escolheram seu candidato à Presidência da República, os tucanos já estão se debatendo entre si pela eleição de 2010, como se Geraldo Alckmim não tivesse condições de vencer Lula nas eleições de outubro. Ou como se já houvesse um consenso sobre fim da reeleição. O prefeito de São Paulo, José Serra, ao que tudo indica deixará o cargo para disputar o governo de São Paulo, já de olho na Presidência

Até mesmo é aventada a hipótese de que, se desincompatibilizando hoje, Serra poderá, na eventualidade de a candidatura de Alckmim não decolar, ser indicado como candidato do PSDB na convenção de junho.

O governador Aécio Neves, por sua vez, anunciou que se candidatará à reeleição, mas já fala em um "projeto nacional" para 2010 e critica a hegemonia paulista, demonstrando que será uma pedra no caminho de Serra ao Palácio do Planalto. Ou será que está pensando também em inviabilizar uma eventual tentativa de reeleição de Alckmim?

O governador mineiro sinaliza a segunda etapa de seu projeto político com a realização em Belo Horizonte de eventos de alcance nacional, e até mesmo internacional, como a reunião do BID que acontece lá, ou o show da turnê de despedida do tenor Luciano Pavarotti, adiado para o meio do ano.

Em evento paralelo à reunião do BID, o governo mineiro está promovendo um seminário que reunirá o formulador do Consenso de Washington, o economista John Williamsom, e dois prêmios Nobel — Douglass North (1993) e Joseph Stiglitz (2001) — além do economista-chefe do Departamento de Relações Econômicas e Sociais da ONU, Jan Kregel.

O candidato oficial do PSDB, Geraldo Alckmim, terá que conviver com esses fantasmas, embora tenha uma vantagem sobre o que aconteceu com Serra em 2002: mesmo que não queiram, tanto Aécio quanto Serra levarão para Alckmim muitos votos nos dois maiores colégios eleitorais do país.

O Lula de hoje não é o da outra eleição, que tinha o apoio majoritário da população. Hoje, com o eleitorado dividido entre Lula e o anti-Lula, e com os escândalos de corrupção comendo a credibilidade do governo, não há muito espaço para alianças "brancas" que favoreçam o governo.

Ao que tudo indica, em São Paulo os dois tucanos não terão que dividir o eleitorado com um candidato petista forte, como aconteceu em 2002. De qualquer maneira, não tem sentido dar início à disputa de 2010 sem nem ter começado a deste ano. Outro dia, um tucano radiante fez o seguinte comentário: "Não é preciso oposição, esse governo se atrapalha por si mesmo, só dá tiro no pé".

É verdade, mas os tucanos também não ficam atrás em suas trapalhadas. Só há uma diferença entre os dois: a rapidez com que os tucanos se livram de seus incômodos políticos e a lentidão com que os petistas resolvem suas pendengas.

Os tucanos devem ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a lição de agir rapidamente quando apanhados no contrapé. Já na campanha de 1994, quando o então ministro da Fazenda Rubens Ricupero foi alcançado pela parabólica se gabando da própria esperteza — "O que é bom a gente divulga, o que é ruim a gente esconde" — sua substituição foi fulminante, apesar de ser um ministro altamente popular na ocasião.

O então governador do Ceará, Ciro Gomes, assumiu a Fazenda num golpe de marketing perfeito, pois Ciro também era muito popular naquele momento. Fez uma série de "bondades" no ministério, como a tarifa zero para importação de certos produtos por pessoas físicas, que acarretaram vantagens eleitorais claras para Fernando Henrique naquele clima entusiasmado do início do Plano Real.

Já no governo, depois de ter trocado o vice original, Guilherme Palmeira, pelo senador Marco Maciel, que nunca gerou um pingo de desconfiança em sua atividade política, o presidente Fernando Henrique não poupou os principais colaboradores a cada situação embaraçosa que se apresentava.

Foram substituídos sucessivamente, por decisão própria ou premidos pela situação, em movimentos rápidos, o ministro do Desenvolvimento e amigo fraterno Clóvis Carvalho; o secretário particular Eduardo Jorge; os economistas Pérsio Arida, André Lara Resende e Luiz Carlos Mendonça de Barros; Xico Graziano; o diplomata Julio César Santos; o ministro da Aeronáutica Mauro Gandra, e por aí vai. Todas ações fulminantes, para não dar margem à exploração política dos casos.

Quando fugiu dessa prática, contra a opinião de Fernando Henrique, no caso recente do senador Eduardo Azeredo, acusado de ter iniciado o esquema de Marcos Valério de financiamentos de campanha política em 1998 em Minas, o PSDB se expôs politicamente. Azeredo era não apenas o presidente do partido como também um político muito querido, e seus pares custaram a exigir sua renúncia ao cargo.

Hoje, indiciado na CPI dos Correios, é o exemplo usado pela situação de que o PSDB tem os mesmos hábitos petistas no financiamento de campanhas eleitorais, embora seu caso seja claramente de caixa dois e não de mensalão através do valerioduto.

O governador Geraldo Alckmim também agiu rápido ao tirar de seu governo o secretário de imprensa Roger Ferreira, um de seus homens de confiança, depois que surgiram denúncias de que verbas publicitárias da Nossa Caixa foram usadas para financiar órgão de imprensa ligados a políticos em troca de apoio na Assembléia. Mas está lento demais nas explicações sobre os 400 vestidos de alta costura que sua mulher teria recebido de presente de um costureiro paulista.

MIRIAM LEITÃO BC ajuda Lula

O GLOBO

O relatório de inflação divulgado ontem mostrou que continua a haver espaço para a queda dos juros. Haverá mais quatro reuniões do Copom até as eleições e uma outra entre o primeiro e o segundo turno. Mas o tom do relatório não indica que o Banco Central vai acelerar a queda. Pelo contrário: no segundo semestre, as taxas talvez passem a cair bem mais devagar. O ministro Guido Mantega ficará no dilema: se falar o que pensa, pode causar atrito com o BC; se ficar em silêncio, estará engolindo o que pensa.

O cenário econômico favorece o governo neste ano que prenuncia ter uma das mais violentas campanhas eleitorais. Em parte pelo trabalho do órgão mais criticado da República — o Banco Central —, a inflação está em queda e os juros vão continuar caindo. E porque os juros estão caindo, há chance de recuperação do nível de atividade nos próximos trimestres. No relatório de ontem, o BC disse que a queda da inflação se deve também à ação da taxa de juros. Ela está, na verdade, desabando. Ontem, a deflação no IGP-M levou o índice em doze meses a ficar em 0,4%, o menor número desde 1944.

A evolução da conjuntura criou um ambiente curioso: a tão condenada política de juros é que está criando o pano de fundo favorável à reeleição de Lula. O próprio trabalho do Banco Central vai ser mais fácil este ano. Primeiro, porque, como lembrou o Relatório de Inflação, a diferença entre a meta e a inflação nos doze meses anteriores era, no ano passado, de 2,5 pontos percentuais (inflação de 7,6% para o objetivo de 5,1%). Agora o esforço é bem menor: a inflação está em 5,3% e a meta é 4,5%. Segundo: pela projeção do BC, se os juros não caíssem nada nos próximos meses, a inflação chegaria, ao fim do ano, em 3,7%. Ou seja: os juros podem e vão baixar.

Isso cria um cenário fácil para o governo: exatamente quando o presidente está em campanha eleitoral e precisa muito de fatos econômicos bons para os seus discursos, os juros estarão caindo; exatamente quando assume um ministro que faz parte do coro antijuros, as taxas estão em queda. Isso significa que Lula terá o que quer e Guido Mantega não precisará fazer críticas ao Banco Central.

Podem ocorrer ruídos por causa do ritmo de queda. O que o BC diz no capítulo das perspectivas de inflação, a partir da página 103 do relatório, é que a inflação está caindo graças à política de juros, mas que é preciso cautela por dois motivos: o efeito "intertemporal" da queda das taxas de juros e os preços do petróleo. Ou seja, a redução dos juros, que começou no ano passado e continua atualmente, pode ter efeito inflacionário mais adiante e a escalada dos preços do petróleo no mercado internacional pode acabar alterando as projeções de inflação. Outra situação curiosa porque, se o problema é preço de petróleo e o governo já deu demonstração de que usa a Petrobras politicamente, a alta internacional pode simplesmente não ser repassada. Diante disso, o que poderá fazer o Banco Central? Calcular o que aumentaria caso se seguissem os preços internacionais?

É possível que os juros caiam mais 0,75 ponto percentual em cada uma das duas próximas reuniões: 19 de abril e 31 de maio. Se for assim, os juros chegarão ao fim do primeiro semestre em 15%. Por um lado, será uma boa notícia para o governo; por outro, a queda não estará sendo acelerada como gostaria o governo e este nível continua sendo alto demais em qualquer comparação. Certamente, Guido Mantega gostaria de inaugurar seu período com quedas maiores de juros. O que alimentará essa vontade do ministro será o quadro da inflação: ela está baixa e caindo, como mostrou o IGP-M de ontem. A tendência da inflação é de queda por vários motivos: o câmbio está baixo demais e puxando os preços para baixo; a crise de alguns alimentos, como os do setor carne, está derrubando os preços internamente, a gripe aviária reduz o consumo de milho e o preço também tende a cair. O IGP-M divulgado ontem mostrou que caíram de preço: arroz, milho, soja, café e aves. Devido a esses resultados, os preços por atacado na área agrícola (IPA-M agrícola) tiveram deflação de 2,36% este mês. Por causa dos juros, do câmbio e até das fatalidades, a inflação tende a cair nos próximos meses. Com base nisso, o ministro ficará tentado a pressionar por quedas maiores de juros, mas nada poderá fazer. Se o fizer, pode acabar criando uma crise que prejudicaria o próprio presidente-candidato.

O Banco Central continuará reduzindo a Selic no ritmo lento de sempre. Os diretores estão convencidos de que é assim que funciona. No segundo semestre, será uma incógnita. Alguns analistas acham que, nas reuniões de 19 de julho e 30 de agosto, os juros podem cair apenas 0,25 ponto percentual em cada reunião. Isso já levaria a taxa a níveis baixos para os padrões brasileiros, 14,5%, mas essa redução do ritmo será, sem dúvida, um ponto de atrito entre o ministro da Fazenda e o BC.

Se tudo acontecer como o Banco Central está calculando, o ano termina com um crescimento de 4%, juros reais de um dígito, juros nominais mais baixos da nossa história recente e inflação na meta. Ou seja, os ortodoxos diretores do Banco Central, debaixo de críticas do governo e do PT, terão criado a melhor chance que o governo petista tem de ser reeleito. Se o PT perder a eleição, não terá sido por causa do inimigo que tanto odeia, a taxa de juros, mas por seus próprios erros na área moral. Serão os negócios escusos com o dinheiro público, e não o preço do dinheiro, o calcanhar-de-aquiles do governo na eleição de 2006.

quinta-feira, março 30, 2006

AUGUSTO NUNES Toga vira escudo de amigo suspeito

JB
Toga vira escudo de amigo suspeito

Brasileiro vaia até minuto de silêncio, dizia Nelson Rodrigues. Vaiar é esporte nacional, mas algumas espécies sempre foram poupadas desse constrangimento. Padre de vilarejo, por exemplo. Defunto com parentes perto do caixão. General em desfile do 7 de Setembro. Ou, até sexta-feira passada, ministro do Supremo Tribunal Federal.

O fim do privilégio ocorreu em Porto Alegre, no salão nobre da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi decretado pela multidão de estudantes que anunciou com uma vaia estrondosa a chegada do ministro Nelson Jobim. A mais notória toga do país pretendia fazer bonito na aula magna. Protagonizou um fiasco.

Os berros e apupos alvejaram tanto o acadêmico diplomado na turma de 1968 quanto o jurista sessentão. No ano da formatura, o jovem Jobim participou do furto do sino que anunciava o começo e o fim das aulas. Muito mais tarde, o magistrado Jobim se furtaria ao dever de honrar a toga. O sumiço do sino pode ser debitado na conta das audácias da mocidade. O sumiço do ministro, trocado pelo político, não merece perdão.

Ele trata as duas delinqüências com superior ironia. Entrevistado pelo jornal Zero Hora, informou que a relíquia da escola não seria devolvida. "Agora é o símbolo da Ordem do Sino", explicou. Assim foi batizada a confraria dos autores do furto. No dia da vaia, abriu a discurseira com a frase provocadora: "Havia nesta faculdade um sino que não está mais aqui", sorriu. Mais vaias.

Jobim informou mais de uma vez que manifestações hostis ou comentários críticos não o perturbam. Menospreza as evidências de que, sob seu comando, o Supremo se transformou numa contrafação de partido político, sempre a serviço do governo.

Concedidos pelo STF, habeas-corpus preventivos autorizaram criminosos a mentir nas CPIs. Firulas jurídicas retardaram o julgamento dos réus. Exigências abusivas bloquearam investigações do Congresso e invadiram o território do Legislativo. Figuras suspeitíssimas ganharam salvo-condutos para percorrer o pântano sem medo.

Nesse bando figura Paulo Okamotto, presidente do Sebrae. Velho amigo de Lula, Okamotto não ofereceu explicações aceitáveis para o caso do empréstimo do PT ao Primeiro Companheiro. Garante que tirou do bolso o dinheiro que pagou a dívida. Não apresentou comprovantes dos depósitos que jura ter feito. A CPI dos Bingos tentou duas vezes quebrar o sigilo bancário do amigo tão generoso. A primeira esbarrou no ministro César Peluso. A segunda foi rechaçada pela bancada de Jobim.

Interditada a estrada principal, a CPI buscou a trilha aberta pelo depoimento de Paulo de Tarso Wenceslau, o militante expulso do PT por ter denunciado bandalheiras envolvendo prefeitos e dirigentes do partido. Segundo o depoente, Okamotto era um dos chefes do esquema de arrecadação de propinas.

A CPI resolveu promover uma acareação entre o acusador e o acusado. A terceira tentativa de devassar o prontuário de Okamotto foi vetada pelo ministro Eros Grau, cuja toga exibe as marcas do suor despendido no esforço para salvar o ex-deputado José Dirceu.

Para o STF, o amigão de Lula levita quilômetros acima de quebras de sigilo e acareações. E não se fala mais nisso. É o que pensa o bloco jobinista do Supremo. Engano. As agressivas manobras forjadas para proteger Okamotto só reforçam a desconfiança de que nesse armário existem cadáveres.

A força da verdade permitiu a um caseiro derrubar dois pais da pátria. Não será neutralizada pela arrogância dos ministros políticos.

[30/MAR/2006]