sexta-feira, março 31, 2006

Luiz Garcia Um buquê e tanto

O GLOBO

Opedido de demissão de Antonio Palocci foi a penúltima gentileza que recebeu do governo Lula. A sua participação na conspiração — carregada de deslavado abuso de poder — para desmoralizar o caseiro Francenildo exigiria, em senso estrito, que partisse formalmente do presidente Lula a decisão de afastá-lo.

Seria a maneira legítima, pelo menos do ponto de vista formal, de o governo se dissociar de uma conspiração vergonhosa (que só avançou porque a imprensa brasileira ainda tem muito a aprender sobre o tratamento correto de denúncias de paternidade oculta que lhe caem no colo) contra uma testemunha tão humilde quanto corajosa.

Em parte, entende-se. Tanto o governo quanto o país têm uma dívida com Palocci, tão óbvia que não é preciso gastar papel para detalhá-la. Quase ninguém que leva o país a sério discorda da necessidade de que o ministro Mantega pise nas pegadas do antecessor nas linhas principais de sua gestão.

Mesmo assim, a posse do novo ministro foi estranho espetáculo. Lembrou como eram antigamente os casamentos de noivas grávidas: ninguém tirava os olhos do buquê, às vezes imenso, que mal e mal escondia o tamanho da barriga da moça, mas qualquer sussurro a respeito era grave falta de educação.

O discurso de Lula —- a última gentileza —- foi um buquê e tanto. Sua única referência à causa da demissão foi breve menção, quando disse que a vida do homem público é marcada "às vezes por leviandades, às vezes (por) acusações que temos que humildemente provar que não são verdadeiras."

O presidente, como sabido, improvisa mal. Diz o senso comum que acusações não verdadeiras pedem resposta enérgica, não humildade. Também não se entende a singela referência a leviandades. A conspirata contra o caseiro não pode ser assim definida, nem mesmo indiretamente: foi uma deslavada invasão da privacidade de um cidadão. Tentou-se desmoralizá-lo com uma explícita tentativa de convencer a opinião pública de que teria sido subornado.

De tão indireta, era até dispensável essa solitária menção ao motivo da queda. E não é possível confrontar a atuação no Ministério da Fazenda com o comportamento no caso do caseiro e decidir que há saldo ou déficit na conta do ex-ministro. Seria o mesmo que perdoar alguém que deu um chute numa velhinha porque antes ajudara um bando de outras velhinhas a atravessar a rua.

Enfim, a demissão de Palocci parece ter sido rápida o suficiente para não prejudicar a política econômica, limitando a repercussão externa e interna. Pelo que ele fez pelo país nestes três anos, poucos discordarão de que merecia enterro de primeira classe. Teve-o, na medida do possível.

O resto é com a polícia.