sexta-feira, março 31, 2006

Odisséia no espaço João Mellão Neto

ESTADÃO


O negócio mais lucrativo do mundo, se fosse possível, seria comprar petistas pelo tanto que valem e revendê-los por quanto eles julgam valer.

Um petista convicto não precisa de analista. Sua auto-estima, em qualquer circunstância, é inabalável. Remorsos e culpas não o atormentam. Consciência pesada é aflição de pequeno-burguês. Faça o que fizer, ele confia na justificação pela fé. Pois, segundo as Escrituras, aqueles que por ela vivem são os justos e nela se salvarão.

Não se trata, aqui, da fé no sentido pregado por São Paulo. Deus não entra no evangelho marxista. Trata-se de fé na revolução. No Armagedon que advirá quando o Bem, representado pela classe trabalhadora, terçará contra o Mal, encarnado pela burguesia capitalista. Há que se preparar para a luta. Tudo o que se fizer é válido no sentido de municiar os legionários da boa causa.

A falta de escrúpulos revelada no episódio da quebra do sigilo bancário do caseiro revoltou a Nação, mas, sintomaticamente, não é um caso isolado. Segundo notícias dos jornais, a Receita Federal, no atual governo dos justos, já bisbilhotou a movimentação financeira de pelo menos seis milhares de pessoas. Ora, o sigilo de dados, em especial os bancários, é inviolável e resguardado pela própria Constituição, no seu Título II, que dispõe sobre os Direitos e Garantias Fundamentais. Ele só pode ser quebrado por explícita autorização judicial. Caso contrário, é crime. E é exatamente disso que se trata aqui.

Os petistas são contumazes reincidentes em casos dessa natureza. Tempos atrás, enquanto se desenvolvia a CPI do Banestado - que apurava eventuais remessas ilegais de dinheiro para o exterior -, a imprensa denunciou que o relator da comissão, o já notório deputado José Mentor (PT-SP), repassava todos os dados secretos que obtinha diretamente a José Dirceu, então o todo-poderoso chefe da Casa Civil. Obviamente, Dirceu não guardava tais informações, movido pelo mesmo tipo de prazer que motiva colecionadores de selos ou de borboletas. Sua real intenção, pode-se presumir, era munir-se de instrumentos de chantagem para eventualmente intimidar todos os odiosos burgueses que se atrevessem a levantar a voz contra o autoproclamado governo do povo. A grita foi geral e o vazamento de informações foi estancado a tempo. No Congresso, à época, fazia sucesso o bem apropriado refrão "Stalin não morreu, encarnou no Zé Dirceu!"

A vocação totalitária do petismo se revelou em diversas outras ocasiões. A frustrada tentativa de criar o Conselho Federal de Jornalismo - que serviria, na prática, para amordaçar a imprensa - é um exemplo eloqüente desse vezo policialesco. Iniciativa análoga foi detectada a tempo no projeto governamental de controlar a produção audiovisual. Nada disso é estranhável num governo que, de forma preocupante, incensa Fidel Castro e Hugo Chávez como exemplos de grandes estadistas.

Reza o ditado que "esperteza, quando é muita, vira bicho e come o dono". Pois foi isso que ocorreu no episódio do Francenildo. Os comissários do povo, agora, se voltaram contra alguém do próprio povo. Uma pata de elefante foi usada para esmagar a cabeça de um simples caseiro. A reação popular era inevitável. Desta vez não mais cabia o argumento de que os governantes, coitados, estavam sendo vítimas de uma sórdida "conspiração das elites". Nesse caso, eram eles a elite e a vítima da sordidez conspiratória não passava de um pobre cidadão. Caiu a máscara do governo dos humildes. Não era indefeso; era, isso sim, indefensável.

Em que pese o seu bom desempenho à frente da economia, Palocci não merece as nossas lágrimas. Como no famoso romance, ele era, ao mesmo tempo, o médico e o monstro. Lá em Ribeirão Preto, sua casa, o aguardam nada menos que duas dezenas de processos criminais.

Enquanto isso, a Nação se distrai, orgulhosa e embevecida, com a aventura espacial do primeiro astronauta brasileiro. Com todo o respeito que merece o coronel Pontes, na verdade há muito pouco de que se ufanar. A nave é russa, a tecnologia, idem, e não cabe ao nosso compatriota, nessa missão, nenhuma atribuição relevante. Embora tenha os seus méritos, o tripulante tupiniquim só está viajando porque o governo brasileiro se dispôs a pagar - e caro - a passagem e a hospedagem. Há precedentes. Antes dele já embarcaram dois milionários norte-americanos, cuja única credencial era a de terem vaidade e dinheiro suficientes para bancar o traslado e a estada na estação espacial. O brasileiro, como eles, está viajando na condição de turista. Não há nada de épico em sua jornada. Nem ele é indispensável à equipe. Tanto que voltará à Terra apenas oito dias após ter partido. Não fosse pelo apelo simbólico - que é positivo para a nossa auto-estima -, poderíamos dizer que se trata apenas de mais uma patriotada, uma bela jogada de marketing, tão ao gosto da mentalidade petista.

O simpático Marcos Pontes carregará para sempre o honroso título de primeiro astronauta profissional do Brasil. Mas ele não é o primeiro nem o único brasileiro a perscrutar o cosmo. Gente como Genoino, Delúbio e Silvinho, por exemplo, já faz tempo que saiu de órbita. José Dirceu, qual um foguete, foi arremessado há quase um ano. Berzoini, por tudo o que diz, deixa claro que reside na Lua. Os argumentos de Aloizio, por sua vez, evidentemente não são deste mundo. Palocci e Mattoso, a esta altura, já estão cruzando a estratosfera.

Eu chego a desconfiar de que a missão do nosso astronauta não tenha objetivos apenas científicos. Trata-se, isso sim, de uma secreta expedição precursora. Urge preparar o terreno. Porque logo mais, em outubro, é o próprio Lula que vai para o espaço.