quinta-feira, março 30, 2006

AUGUSTO NUNES Toga vira escudo de amigo suspeito

JB
Toga vira escudo de amigo suspeito

Brasileiro vaia até minuto de silêncio, dizia Nelson Rodrigues. Vaiar é esporte nacional, mas algumas espécies sempre foram poupadas desse constrangimento. Padre de vilarejo, por exemplo. Defunto com parentes perto do caixão. General em desfile do 7 de Setembro. Ou, até sexta-feira passada, ministro do Supremo Tribunal Federal.

O fim do privilégio ocorreu em Porto Alegre, no salão nobre da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi decretado pela multidão de estudantes que anunciou com uma vaia estrondosa a chegada do ministro Nelson Jobim. A mais notória toga do país pretendia fazer bonito na aula magna. Protagonizou um fiasco.

Os berros e apupos alvejaram tanto o acadêmico diplomado na turma de 1968 quanto o jurista sessentão. No ano da formatura, o jovem Jobim participou do furto do sino que anunciava o começo e o fim das aulas. Muito mais tarde, o magistrado Jobim se furtaria ao dever de honrar a toga. O sumiço do sino pode ser debitado na conta das audácias da mocidade. O sumiço do ministro, trocado pelo político, não merece perdão.

Ele trata as duas delinqüências com superior ironia. Entrevistado pelo jornal Zero Hora, informou que a relíquia da escola não seria devolvida. "Agora é o símbolo da Ordem do Sino", explicou. Assim foi batizada a confraria dos autores do furto. No dia da vaia, abriu a discurseira com a frase provocadora: "Havia nesta faculdade um sino que não está mais aqui", sorriu. Mais vaias.

Jobim informou mais de uma vez que manifestações hostis ou comentários críticos não o perturbam. Menospreza as evidências de que, sob seu comando, o Supremo se transformou numa contrafação de partido político, sempre a serviço do governo.

Concedidos pelo STF, habeas-corpus preventivos autorizaram criminosos a mentir nas CPIs. Firulas jurídicas retardaram o julgamento dos réus. Exigências abusivas bloquearam investigações do Congresso e invadiram o território do Legislativo. Figuras suspeitíssimas ganharam salvo-condutos para percorrer o pântano sem medo.

Nesse bando figura Paulo Okamotto, presidente do Sebrae. Velho amigo de Lula, Okamotto não ofereceu explicações aceitáveis para o caso do empréstimo do PT ao Primeiro Companheiro. Garante que tirou do bolso o dinheiro que pagou a dívida. Não apresentou comprovantes dos depósitos que jura ter feito. A CPI dos Bingos tentou duas vezes quebrar o sigilo bancário do amigo tão generoso. A primeira esbarrou no ministro César Peluso. A segunda foi rechaçada pela bancada de Jobim.

Interditada a estrada principal, a CPI buscou a trilha aberta pelo depoimento de Paulo de Tarso Wenceslau, o militante expulso do PT por ter denunciado bandalheiras envolvendo prefeitos e dirigentes do partido. Segundo o depoente, Okamotto era um dos chefes do esquema de arrecadação de propinas.

A CPI resolveu promover uma acareação entre o acusador e o acusado. A terceira tentativa de devassar o prontuário de Okamotto foi vetada pelo ministro Eros Grau, cuja toga exibe as marcas do suor despendido no esforço para salvar o ex-deputado José Dirceu.

Para o STF, o amigão de Lula levita quilômetros acima de quebras de sigilo e acareações. E não se fala mais nisso. É o que pensa o bloco jobinista do Supremo. Engano. As agressivas manobras forjadas para proteger Okamotto só reforçam a desconfiança de que nesse armário existem cadáveres.

A força da verdade permitiu a um caseiro derrubar dois pais da pátria. Não será neutralizada pela arrogância dos ministros políticos.

[30/MAR/2006]