domingo, julho 31, 2011

DILMA: OS ENORMES RISCOS DA ESTRATÉGIA DE IMAGEM! ex Blog Cesar Maia

25 de julho de 2011
            
1. A imprensa vem insistindo numa diferença vertebral entre Dilma e Lula. Ela seria rigorosa com a corrupção e Lula seria plástico. Não é bem assim. Ambos estão nas raízes dos fatos que envolveram o ministério dos transportes: ele como presidente e amigo do suplente de senador que assumiu o cargo do ministro, e ela como "mãe" do PAC e controller dos investimentos relativos. Mas se colocarmos na balança as demissões no ministério dos transportes, essas atingem um quinto escalão da política, sem qualquer expressão nacional. Palocci só saiu a fórceps, e pelos desdobramentos que a cada dia surgiam na imprensa e no boca a boca no Congresso. Com Lula, demitir Zé Dirceu -uma espécie de primeiro ministro na época- e Palocci -pleno-potenciário e fiador da política econômica- pelo caso do caseiro, foram ações muito mais complexas, de repercussão nacional e muito mais rápidas. Eram o binômio do poder.
            
2. Mas o nó da questão não está aí. Se o 'spin' de Dilma quer difundir essa imagem, em breve amargará uma rejeição de opinião pública. Uns dizem que Lula troca as bem patrocinadas palestras por turismo político pelo Brasil afora, de forma a afirmar sua tradicional imagem populista-'ciceriana'. E aí está o nó da questão. Se a estratégia de imagem do 'spin' de Dilma der certo, teremos personagens antípodas na percepção da população. E a reação a essa dicotomia será optar por uma delas e rejeitar a outra.
            
3. Certamente a opção será por Lula que, inclusive, não tem o ônus de governar, especialmente numa conjuntura adversa. O processo político -ao contrário do que muitos pensam- não são as ofertas dos políticos, mas as demandas do eleitor. Demandas, em primeiro lugar, por imagem. Se as imagens são antípodas, a opção por uma será a rejeição da outra: Fla x Flu. Quanto mais Dilma quiser parecer e adotar um perfil udenista e Lula mantiver seu perfil 'ciceriano', mais acentuadas as diferenças.
            
4. E quando os problemas se aprofundarem, virão os suspiros populares: Com Lula isso não teria acontecido. Ela é muito diferente de Lula. Aliás, pesquisas qualitativas pontuais têm ouvido isso no caso do ministério dos transportes: Se fosse com Lula isso não teria ocorrido. Ou seja, a "herança perversa" só serve para o disfrute dos analistas. O eleitor vive o presente por atalhos de informação, e pela confiança -pessoal- que a imagem do político inspira.

O poder pelo poder GAUDÊNCIO TORQUATO

O Estado de S.Paulo - 31/07/11

O momento vivido pelos EUA, um dos mais tensos de sua contemporaneidade política, é fértil em simbolismos, não apenas pela possibilidade de a maior democracia do planeta vir a dar um calote nos credores externos (coisa ainda inimaginável), mas porque põe no centro do debate a missão dos atores políticos no seio das democracias modernas. Impressiona o fato de os Partidos Republicano e Democrata, deixando de lado o papel desempenhado pelo país na textura das nações, parecerem inclinados a continuar uma luta esganiçada pelo poder e a depositar na cesta do lixo a célebre lição de John Kennedy: "Não pergunte o que a América pode fazer por você, mas o que você pode fazer pela América". Mesmo que se chegue a um acordo sobre o limite da dívida do governo federal (aumento além de US$ 14,3 trilhões), a crise aponta para o ocaso de uma era, na qual a representação política, ante a ameaça de catástrofe, esquecia divergências partidárias e se dava as mãos pela salvaguarda do bem comum. Os partidos já não acendem aquela chama de civismo que tanto maravilhou Alexis de Tocqueville, há 180 anos, quando o jovem advogado de 26 anos foi enviado pela França para estudar o sistema penitenciário estadunidense.

Descrevia ele, na obra A Democracia na América: "Os grandes partidos são instrumentos que se ligam mais a princípios que a suas consequências, às generalidades que aos casos particulares, às ideias e não aos homens". A queda de braço entre as duas estruturas que se revezam no poder e o duelo verbal entre o presidente Barack Obama e o presidente da Câmara, John Boehner, mostram que a balança dos pesos e contrapesos está quebrada. A política refunda-se sob a égide do salve-se quem puder. O altruísmo, valor tão enaltecido pela democracia norte-americana, cede lugar ao pragmatismo; o fervor social esfria, basta ver a avaliação negativa que a população confere ao presidente Obama, aos dois partidos e aos líderes. Sob essa teia de tensões, os EUA ingressam na segunda década do século 21 com a imagem de liderança no painel das democracias planetárias em franco processo de declínio. Quais as razões para tal mudança de paradigma? A principal causa aponta para a alteração da fisionomia política na sociedade pós-industrial. A política deixa de ser missão para se tornar profissão, desvio que ocorre na esteira do desvanecimento das ideologias. Ademais, o motor econômico, principalmente na moldura da globalização, passou a movimentar a máquina política, como se aduz dos atuais embates que se travam nos EUA e na Europa. Ideários e escopos doutrinários perdem substância. Tornam-se apêndices da economia. É esta que torna viável a eficácia de governos.

Dito isto, cabe indagar: como essa "nuvem de disfunção" (é assim que alguns analistas veem a crise norte-americana) afeta países como o Brasil? Ora, o fio desse rolo já chegou até nós há muito tempo. Ou o Brasil não tem nada que ver com a prática da intransigência, do impasse político e da polarização entre situação e oposição? A lupa sobre nosso modelo mostra que, por aqui, a política não dá trégua aos competidores. A gana pelo poder é tão desmesurada que os climas eleitorais se intercambiam. O panorama da eleição seguinte é divisado tão logo a paisagem anterior acomoda os eleitos em seus cargos. Não há interstício entre uma urna e outra. Quem não enxerga, por exemplo, que o teatro do pleito de 2012 já está montado? Ou que o palanque das eleições gerais de 2014 já passou a ser usado por um matreiro cabo eleitoral disposto a energizar o País? A presidente Dilma nem bem completa sete meses e uma lista de pré-candidatos já está pronta para disputar o seu lugar. Nos espaços governativos de todas as instâncias, programas e projetos, mesmo os mais abrangentes, comportam ações de cunho eleitoreiro. Políticas de longo prazo, nem pensar. O Brasil é o território do "aqui e agora", fato que motiva o megaempresário Jorge Gerdau a fazer o alerta sobre, por exemplo, nossa política cambial: "Se é só pela visão financeira, do fluxo de capital, nós poderíamos deixar como está, porque a situação é cômoda a curto prazo. Mas, numa visão estratégica de longo prazo, é preciso ter políticas de desenvolvimento industrial, ter emprego de qualidade e não depender apenas de commodities e do minério".

A ausência de estratégia de longo prazo deriva da efervescência eleitoral que impregna o ânimo dos conjuntos. Como nos EUA, por aqui não se abre espaço para a busca de consenso entre blocos de um lado e de outro a respeito de temáticas relevantes. A disputa obedece a uma lógica que Thomas Hobbes cunhou de política de golpes preventivos: A teme que B ataque e decide atacar primeiro, mas B, temendo isso, quer se antecipar, fazendo que A, pressentindo o golpe, tente reagir, e assim por diante. O ataque não abriga armas de destruição ideológica (até porque as ideologias estão no fundo do baú), mas movimentos táticos. Como se sabe, as clivagens partidárias do passado, originadas em antagonismos de classes, perdem sentido no fluxo da expansão econômica e do consequente ingresso de parcelas das margens sociais no centro da pirâmide. Todas as siglas se assemelham e seus lemas, antes ancorados em escopos de cunho ideológico, agora ganham um uníssono eco: o poder pelo poder. O vezo socializante com que certas organizações tentam selar suas identidades não se deve a uma convicção ideológica, mas às bolsas e aos pacotes destinados a colocar o pão na mesa das massas carentes.

Nem mesmo nosso sistema de coalizão partidária resiste à "política de emboscadas" que as entidades procuram engendrar para ganhar mais fatias de poder. Cada uma parece cobiçar o espaço da outra. A polis é um detalhe. As alianças, formadas ao sabor das circunstâncias eleitorais, não são firmadas sob a crença em ideários cívicos. O que há é um jogo de conveniências. O contrato de hoje pode se desfazer amanhã. A cada dia, a seiva política escorre pelo ralo.

A nova era na roda do chope JOÃO UBALDO RIBEIRO


O ESTADÃO - 31/07/11
Tou te achando muito quietinho, ultimamente, muito caladinho… Não pode ser só o Botafogo. Todo caladinho, sem dar palpite em nada…

- Não tem nada disso, cara, tu tá querendo é me provocar, eu estou a mesma coisa de sempre. É que aqui nessa mesa só sai besteira e não é sempre que eu estou disposto a dar palpite em besteira.

- Deixa de ser cara de pau, aqui nesta mesa um dos que mais falam é você, os outros tu pode enganar, a mim tu não engana. Responde com toda a honestidade, sem subterfúgio nem meias palavras, é a presidenta, não é? Só dá pra falar bem dela e aí tu cala a boca. Eu te manjo, cara.

- Você quer dizer "a presidente". Eu me recuso a usar esse barbarismo.

- Já está no dicionário e é como ela prefere, até nisso tu tem má vontade. Mas eu não quero discutir gramática, quero discutir fatos concretos. A faxina que ela está fazendo no Ministério dos Transportes, somente isso.

- Ela demitiu uns caras, eu li.

- Demitiu uns caras? Já rodaram bem uns 20 e você diz "uns caras"? Uma faxina desse porte?

- Não sei o que é que você quer dizer com "desse porte". Nesse ritmo cata-piolho, ela não dá conta nem de uma ala do ministério antes do fim do mandato. Tinha que fazer era fumigação total e na máquina toda, ministério por ministério, repartição por repartição. O governo ia ficar bastante desfalcado, mas só fumigar é que dá jeito, catar piolho não vai levar a nada.

- É impressionante como os caras como você ficam insatisfeitos, por mais que se faça.

- Já eu acho impressionante como os caras como você ficam satisfeitos, por menos que se faça. Houve as demissões e está tudo bem, não é isso? Ela fez as demissões por quê?

- Ora, por quê. Porque todo mundo sabe que os caras estão envolvidos com os esquemas de corrupção do ministério. Aliás supostamente envolvidos, hoje a gente tem que ter cuidado com o que fala. Sim, os caras são suspeitos disso. E então? Ela foi lá e demitiu.

- Era pra condecorar? Se ela demitiu, foi porque sabia de alguma coisa. Ou de muitas coisas, senão não ia demitir. E aí eles, castigados pela demissão, vão ter que ficar mais ricos montando consultorias, triste exílio para quem trabalhou no governo. Eu tenho a impressão de que até o homem do cafezinho dos palácios vai abrir consultoria para futuros homens do cafezinho, muitos deles ganham bem mais que um professor, você sabia?

- Bem, eu não li nada sobre o assunto, mas é claro que, se houver indícios de irregularidades contra os demitidos, eles serão investigados e…

- …E, se considerados culpados, serão condenados, devolverão o que ganharam ilicitamente e assim por diante. É isso que você quer que eu comente, não é? Não era melhor a gente comentar o enredo completo da Bela Adormecida, não? Ninguém merece. O cara chega aqui no domingo, para beber um chope sossegado com os amigos e esfriar a cabeça e aparece logo um mané que quer ser enrolado novamente e não se cansa nunca de ser enrolado. Vê se te manca, cara, qual é a tua, com esses papos que são sempre a mesma coisa, embora querendo mostrar outra cara. Não mudou nada! Aliás, minto. Manda a honestidade eu reconhecer que ela demite e ele não demitia. Ele deixava estatizado mesmo, ela prefere privatizar. Bonita diferença. Fica tudo como era antes, com essa diferença de estilo, que sem dúvida marcará a história da República: um não demitia, a outra demitia; e ambos permitiam.

- Você está sendo sarcástico, assim não dá para conversar. Você é desses caras que se recusa a ver que as coisas estão melhorando. Isso não é bom, acaba se voltando contra a própria pessoa. Eu não, eu observo tudo com otimismo. Otimismo equilibrado, mas otimismo. Você não tem acompanhado esse movimento da busca da felicidade, tem? Agora tem um movimento da busca da felicidade. Já era estabelecido na Declaração da Independência americana, vai ser estabelecido entre os direitos humanos nas Nações Unidas e na nossa Constituição. De agora em diante, todo ser humano tem direito nato à busca pela felicidade.

- Vai estar na lei?

- No Brasil, provavelmente.

- Ah, então será criada a Agência Nacional da Felicidade, com delegacias em todo o território brasileiro. E aí, depois de muita discussão, se estabelece o Padrão Nacional de Felicidade, em que se tentará enquadrar todos os cidadãos, sem distinção. E fazer o teste da felicidade será como o voto atualmente: é um direito, mas também uma obrigação, todo mundo vai ter que fazer. Quem for reprovado no teste, recebe uma Bolsa Felicidade de seis meses, após o que faz novo teste. Se reprovado outra vez, será incluído no Cadastro Nacional de Brasileiros e Brasileiras Infelizes, tido como doente e obrigado a submeter-se a tratamento em clínicas públicas ou credenciadas. E, enquanto não dispuserem de seus atestados de felicidade, o brasileiro e a brasileira não poderão tirar passaporte, candidatar-se a cargo eletivo, comprar casa própria e assim por diante.

- Você sempre vê tudo dessa maneira descrente e debochada.

- É o hábito, eu moro aqui há mais de 60 anos.

- Mas não vai ser nada como você está pensando.

- Eu sei, vai ser pior. Eu também sou otimista.

Teatro do absurdo MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 31/07/11

Uma semana inteira de tensões, apelos dramáticos, beira do precipício e ameaças. Assim o mundo viveu os últimos dias, estupefato, diante da maior economia do planeta. Acreditar, ninguém acredita que o impasse possa ter ido tão longe. O que leva uma democracia madura como a dos Estados Unidos a um grau suicida de polarização como a que se viveu nas últimas semanas?

Em agosto, os Estados Unidos têm de pagar uma Grécia e meia aos seus credores. Não é nada para uma economia de US$ 14 trilhões, mas, como disse o presidente Barack Obama, o problema é o sistema político, que não tem estado à altura da boa nota do crédito americano. No governo brasileiro, que tem mais de US$ 200 bilhões das reservas aplicados em títulos do Tesouro americano, caminhou-se do "eles não farão isso" para o "se eles fizerem isso, os fundos de investimento não vão se desfazer dos papéis americanos". Análise ou desejo?

Independentemente do que aconteça, o cristal trincou: já se sabe que eles podem chegar à beira do abismo. Portanto, quem trabalha com risco a sério tem de considerar que a insensatez pode contaminar o ambiente político americano e exibir em Washington um teatro do absurdo.

Para entender o que houve na política e na economia dos Estados Unidos é preciso recuar de novo ao 11 de setembro de 2001. George Bush fora eleito, em 2000, num ambiente já de polarização. O processo eleitoral foi contestado pelos seus óbvios defeitos; o país exibiu ao mundo uma contagem de votos pouco confiável, e com métodos toscos, no estado governado pelo irmão do suposto vencedor. Com baixa popularidade e um discurso de guerra fria, George Bush II assumiu restaurando o fundamentalismo entre os republicanos. O 11 de setembro feriu os Estados Unidos e criou o ambiente para erros políticos e econômicos em série.

Na política, fortaleceu a islamofobia e reforçou as piores características de uma ala da sociedade americana. Diante de duas torres derrubadas em plena Manhattan e de 3.500 inocentes mortos, a direita radical achou que tivera razão desde sempre. Duas guerras foram iniciadas para achar e matar o inimigo. Os cofres foram abertos em gastos sem limites na "guerra ao terror". A crise de confiança econômica que se seguiu ao 11 de setembro poderia levar o mundo à recessão. E também para evitar isso os cofres foram abertos e os juros derrubados a zero. Bush conseguiu se reeleger. Ele não soube como sair das guerras que entrou, os juros negativos e os gastos públicos fomentaram bolhas no mercado americano e elas explodiram na crise da quebra do Lehman Brothers em 2008. Os cofres foram escancarados, de novo, desta vez para salvar o país do seu pior fantasma, a repetição da depressão nos moldes da de 1929.

Na eleição de 2008, os Estados Unidos pareciam reencontrar o eixo moderado na política. No Partido Democrata, a disputa era entre uma mulher e um negro. Do lado republicano, na frente, estava um moderado, John McCain. Para se contrapor ao fato de que lutava contra os que sempre tinham estado fora do poder - mulheres e negros -, ele escolheu uma mulher, e mais conservadora que ele, tentando unir seu partido e agradar o eleitorado. Sarah Palin era desconhecida antes e continua sem expressão hoje, mas o sentimento conservador profundo que sempre habitou uma parte do interior do país se viu refletido nela e assim nasceu o facção republicana extremada conhecida como Tea Party.

A eleição de Obama foi com votos de latinos, negros, independentes, e do trabalhismo democrata que migrou de Hillary para o vencedor das primárias. Os republicanos perderam a Presidência e a maioria nas duas Casas. Os democratas ganharam o poder executivo e legislativo de um país economicamente em destroços e atolado em duas guerras. Elas já mataram duas vezes mais americanos que o 11 de setembro.

Os empresários americanos dizem que o presidente Barack Obama não os ouve. Nas reuniões, parece nem prestar atenção no que dizem. Obama se mostra mais à vontade em discursos diretos à população ou quando está se comunicando com tecnologias de ponta. Ontem mesmo estava tuitando para que eleitores pressionassem parlamentares.

A incapacidade de Obama de restaurar o crescimento e criar emprego azedou a relação com o eleitorado na eleição de meio de mandato. Por outro lado, o Tea Party, que parecia ser um movimento exótico e lateral, ganhou força e hoje é 25% dos republicanos na Câmara. Não têm líderes expressivos, nem número, mas já fizeram um estrago na cena política. Os mais moderados dentro do Partido Republicano foram empurrados mais para a direita. Temem perder espaço nos seus Estados por estarem entre dois fogos: o radicalismo dos Tea Party e os rivais liberais do Partido Democrata. Daí surgiu o impasse, que mesmo após a aprovação na Câmara da proposta de elevar o teto da dívida, mantém o mundo em suspense.

O discurso contra o excesso de impostos sempre fez eco na alma americana, que numa rebelião anti-impostos fez sua independência. É esse sentimento que foi manipulado nesse momento de polarização. O Partido Democrata quer suspender benefícios fiscais aos muito ricos e às grandes empresas, principalmente as do setor de alto carbono. Os republicanos tratam isso como se fosse um aumento de imposto sobre o cidadão comum. Os mais moderados entre os republicanos que tentaram negociar foram chamados de traidores pela ala radical. Os democratas, sem maioria na Câmara e apertados no Senado, foram incapazes de romper o bloqueio. Assim foram os últimos e loucos dias vividos na bicentenária democracia que governa a maior economia do planeta.

Foco errado CELSO MING

O ESTADÃO - 31/07/11Sexta-feira, a cotação do dólar voltou a recuar (1,02%) no câmbio interno, reforçando as dúvidas sobre a eficácia das decisões tomadas para reverter a tendência de baixa do dólar.


Antes, na quarta-feira, o governo entendeu que devesse intervir pesadamente no mercado de derivativos (mercado futuro do dólar), baseado no diagnóstico de que é principalmente nesse segmento que se formam os preços da moeda estrangeira. E esse tem tudo para ser o engano maior.


Se é o mercado de derivativos que, de fato, determina os preços, então o Banco Central tem falhado desde 2004, quando iniciou a compra de moeda estrangeira no segmento à vista, supostamente para dissipar volatilidades. De lá para cá, empilhou US$ 340 bilhões em reservas - principal resultado dessas compras. Estas vêm sendo justificadas como forma de blindar a economia brasileira contra a crise externa e, nisso, as intervenções foram e estão sendo eficazes. Mas, ao aceitar o diagnóstico de que o que conta são os derivativos -, o Banco Central admite implicitamente que as compras de dólares terão sido inúteis para o outro objetivo: o de evitar a excessiva valorização do real. Ou seja, o Banco Central atuou no mercado errado, menos importante na formação dos preços.


Não têm razão os dirigentes da Fiesp quando afirmam que a exportação de negócios de hedge, efeito colateral das últimas decisões tomadas, não é nada ante o esvaziamento da indústria castigada pela excessiva valorização do real. Seria este um argumento aceitável se as medidas agora colocadas em prática fossem eficazes para segurar a devastação no câmbio e no setor produtivo.


Ninguém sustenta a ideia de que mais importante do que garantir a competitividade da indústria seja preservar os negócios de derivativos no mercado interno. O foco é outro. Tiros de bazuca, como os da semana passada, são fortes o bastante para desmilinguir o mercado de derivativos de moeda estrangeira. No entanto, mais e mais dólares continuarão entrando no País, como receitas de exportações, investimentos estrangeiros e empréstimos entre empresas. E as cotações continuarão mergulhando no câmbio interno.


O grande risco é o de que, além de não frearem o tombo do dólar - objetivo mais importante -, as últimas decisões produzam ainda o efeito colateral de desintegrar o mercado interno de hedge, por meio do qual empresas e pessoas físicas se protegem do risco cambial.


O que mais preocupa não é o voluntarismo do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que decidiu fazer qualquer coisa para evitar novas valorizações do real. É o fato de que, tomado pela aflição, corte os dedos para se livrar de um câncer e, por essas e outras, nem se livre do câncer e ainda perca os dedos.


A principal causa do excessivo fortalecimento do real é a desvalorização do dólar, contra a qual pouco há a fazer. Mas, ainda assim, a melhor coisa que o governo Dilma poderia prover para corrigir esse desvio é derrubar fortemente os juros, para evitar que os capitais entrem (ou deixem de sair) a fim de tirar proveito dos ganhos no mercado financeiro.


Só que isso não se faz com voluntarismo. Para derrubar os juros, será preciso reduzir valentemente as despesas, para que recue o consumo provocado pela renda criada pela política fiscal e que a política de combate à inflação não fique toda nas costas do Banco Central.






43 minutos do 2º tempo


Faltam 48 horas para que os políticos dos Estados Unidos se entendam para definir as condições que autorizarão o aumento do endividamento do Tesouro do seu atual piso de US$ 14,3 trilhões. As finanças do Estado americano vão sendo empurradas para a beira do precipício e, enquanto isso, aumenta o risco de que se instaure um período de grande incerteza na economia global.

As marcas do atraso JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 31/07/11

Privilégios resolvidos há tanto tempo nos países medianamente civilizados ainda são inamovíveis aqui

SOB A CHUVA DE gente do Ministério dos Transportes, ocorre, quase em silêncio, uma tripla coincidência muito representativa do que ainda é este Brasil que já se acha entrado no mundo desenvolvido.
Os exatos 50 anos do escândalo de indignação nacional causado pela aprovação do recesso parlamentar remunerado, que os congressistas se deram em 1961 nos então cafundós de Brasília, ocorre quando os congressistas de hoje voltam de um desses recessos. E, de quebra, o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Cezar Peluso, propõe, sob protestos da classe, a redução dos 60 dias de férias+recesso do Judiciário para os 30 dias de férias comuns aos demais que trabalham (categoria, está visto, em que não se incluem, com duas dúzias de exceções, os congressistas).
Diz-se que 50 anos são um nada na história. Mas a transformação pode dar-se em 50 anos é toda uma história. A aprovação do recesso parlamentar remunerado se fez sob estímulo de Juscelino interessado em aplacar, por acúmulo de benesses e privilégios, as iras de políticos, funcionários e famílias com a mudança precipitada para a Brasília ainda em andaimes. Como reação, por ser o projeto considerado inconstitucional, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Oliveira Brito, um dos mais importantes no partido de Juscelino, renunciou ao cargo. E, pelo mesmo motivo, foi seguido por todos os componentes da comissão.
Agora, mas não de hoje, só se imaginariam renúncias contra o fim, em perfeita harmonia com a Constituição, de um qualquer dos privilégios componentes do acúmulo indigno gozado pelos congressistas.
Já quanto ao recesso do Judiciário, os argumentos das associações de magistrados contrárias à iniciativa do ministro Peluso estão longe de convincentes. As tensões e responsabilidades dos que julgam são acompanhadas, por exemplo, pelas dos cirurgiões, as dos que ficam 12 e mais horas no desconforto e nas apreensões de uma cabine de pilotagem, as dos obstetras, e as de tantas outras atividades em que mal há as férias normais. E, entre estas, aquelas nas quais os vencimentos e as aposentadorias integram as formas de injustiça e mesmo de humilhação.
Apesar disso, o princípio de apoio à proposta de Cezar Peluso, constatável pelas cartas de leitores aos jornais, só será justo -como convém em relação ao Judiciário- caso se desenvolva sem deixar intocado o recesso remunerado dos congressistas. Estes, que já se davam poucos ares de quem está ocupado com sua atividade formal, na atual legislatura reduziram ainda mais a sua presença semanal em Brasília. E, se lá estão, é sobretudo para buscar e transacionar cargos no governo, de ministro às terceirizações de serviços modestos. Votações? Não importa em que sentido, só se já passadas por transações que não dependem do teor e dos efeitos da coisa a ser votada.
As disparidades, privilégios e deformidades mais simplórias, resolvidas há tanto tempo, senão séculos, nos países medianamente civilizados ou mais, ainda são inamovíveis no Brasil que se regozija é com a exportação de soja, os lucros dos bancos e da Vale, e, claro, com o cassino da Bolsa e do dólar -como atestam, todo dia o dia todo, TV, rádios e jornais.

Uns craseiam, outros ganham fama FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 31/07/11

Foi em 1955 que ganhei de Simeão Leal, diretor do Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Cultura, um exemplar do livro "Tudo sobre a Crase". Tomei o ônibus que me levaria à revista Manchete, então na rua Frei Caneca, comecei a ler o livro e, antes de descer, já havia sacado um aforismo: "A crase não foi feita para humilhar ninguém".

Era de fato uma brincadeira com a preocupação dos gramáticos com o uso da crase. Esse primeiro aforismo desencadeou uma série de outros, que publiquei, meses depois, no suplemento literário do Diário de Notícias.

Essa mania de inventar aforismos me veio dos surrealistas, que faziam uso deles com humor e irreverência. Ainda outro dia citei aqui um deles, de autoria de Paul Éluard: "Bate em tua mãe enquanto ela é jovem". E este: "Parents! Raccontez vos rêves à vos enfants!" (Pais! Contem seus sonhos aos seus filhos!").

Naquela tarde, como quase não tinha nada a fazer na Redação da revista, aproveitei para bolar outros aforismos: "Maria, mãe do Divino Cordeiro, craseava mal. E o Divino Cordeiro mesmo não era o que se pode considerar um bamba da crase!".

Escrevia e ria. Borjalo interrompeu a charge que desenhava para vir saber o que me fazia rir tanto. Mostrei-lhe os aforismos e ele, rindo também, chamou o Otto Lara Resende, o diretor da revista. Este, brincalhão como era, pegou o papel de minha mão e leu alto. "Ouve aí, Armando!". Armando Nogueira, redator e repórter de fino humor, logo se juntou ao grupo. Foi uma farra.

Isso só me animou a prosseguir. Depois que o ambiente se acalmou e cada um foi cuidar de seus afazeres, continuei me divertindo: "Quem tem frase de vidro não joga crase na frase do vizinho". E este: "Frase torcida, crase escondida". Mas eis que chegou um texto para copidescar e deixei de lado os aforismos.

Voltei a eles naquela mesma noite, no quarto onde morava, em Copacabana. É que, àquela altura, ganhando melhor, mudara-me da pensão de dona Hortência, no Catete, onde dividia um quarto com Oliveira Bastos e Carlinhos Oliveira.

Sozinho, agora, no sossego daquele aposento silencioso, retomei minha tarefa divertida: "Antes um abscesso no dente que uma crase na consciência". E logo: "Uns craseiam, outros ganham fama". Escrevi mais alguns nos dias que se seguiram até que a fonte secou.

Publiquei-os com uma introdução engraçada, que infelizmente se perdeu. A verdade é que, já na semana seguinte à publicação, os estudantes universitários de Curitiba, que estavam em greve, puseram uma faixa no refeitório com o meu aforismo: "A crase não foi feita para humilhar ninguém". Mas, numa entrevista a um jornal do Recife, um crítico literário o atribuiu a Paulo Mendes Campos. Não gostei mas não dei muita importância, pois, no final das contas - disse a mim mesmo -, o que importa são meus poemas, que até agora ninguém atribuiu a outro poeta.

A vida seguiu até que alguém, escrevendo sobre erros gramaticais, citou o aforismo como sendo de Otto Lara. Comecei a ficar grilado mas me tranquilizei, lembrando que o Otto deve ter me citado e o cara não guardou meu nome. Mas não demorou muito e a autoria do mesmo aforismo foi atribuída a Machado de Assis e em seguida a Rubem Braga.

Este, porém, já a par da confusão que se armara, decidiu esclarecer as coisas: publicou uma crônica afirmando que o verdadeiro autor do aforismo, agora tão citado, era o poeta Ferreira Gullar. Fiquei felicíssimo, telefonei a ele, agradecendo.

Anos depois, veio o golpe militar e a ditadura. As circunstâncias me levaram à clandestinidade e foi no buraco onde me escondera que abri a revista Veja daquela semana e me deparei com um anúncio de página inteira: "A crase não foi feita para humilhar ninguém. Computadores IBM". Era demais. Senti-me mais que nunca explorado pelo imperialismo americano.

Nos últimos anos, talvez porque esqueceram a frase, os equívocos cessaram. Já estava tranquilo, certo de que finalmente me tornara autor do aforismo, quando, faz uns três domingos, surge um artigo em O Globo afirmando que "Carlos Drummond escreveu: ´A crase não foi feita para humilhar ninguém´". Minha esperança é que, no futuro, alguém mal informado atribua a mim, ainda que por equívoco, a autoria do aforismo que é meu.

Chapa quente DORA KRAMER

O ESTADÃO - 31/07/11

“O complicado em uma aliança com Marina seria governar depois, cumprindo os compromissos inerentes a essa união.”

Marina Silva saiu do PV carregando 20 milhões de votos, certo? Talvez sim, mas não necessariamente.

Ainda está para ser demonstrado se a votação recebida pela então senadora candidata a presidente da República em 2010 disse respeito só àquelas circunstâncias, ao anseio do eleitor por uma alternativa à dicotomia PT-PSDB, ou se pode ser considerada como um patrimônio duradouro.

Prova mesmo só haverá quando 2014 chegar. A questão, contudo, torna-se desde já pertinente visto que os possíveis concorrentes se posicionam na cabeceira da pista.

Luiz Inácio da Silva faz campanha (para si ou pela reeleição de Dilma), José Serra nem bem fecharam as urnas avisou aos navegantes que não pensava em aposentadoria, Aécio Neves acumula forças articulando apoios e Marina já deu um lance. Rumo à construção de um espaço muito mais de base social que partidária.

O ex-senadora poderia ter ficado no PV - cujos defeitos conhecia antes de se filiar - para testar seu capital político na eleição intermediária de 2012. Seria o caminho tradicional. Foi o escolhido por Fernando Gabeira e Alfredo Sirkis, que ficaram a despeito da doença nada infantil do caciquismo que assola (também) o PV e para todos os efeitos provocou a saída de Marina.

Ela não fez movimento algum para criar um partido. Falou sobre um projeto “sonhático” suprapartidário que é bonito como gesto de impacto, mas inócuo para a execução de planos político-eleitorais.

E Marina os tem. Ou não teria saído do PT para concorrer à Presidência da República nem teria sido tão cautelosa ao preservar para si os 20 milhões de votos recusando-se a entregá-los na forma de aval a um dos finalistas da eleição de 2010.

Portanto, flanando na atmosfera qual um avatar de si mesma é que a ex-senadora não vai. Entrará no jogo, isso é certo. A dúvida é sobre como e ao lado de quem jogará.

Poderá criar um partido? Poderá. Mas as dificuldades além de muitas são quase intransponíveis numa eleição “casada” em que contam as alianças e as máquinas. Ainda mais quando se trata de uma eleição disputada como a que se antevê para 2014, em que os bons espaços estarão ocupados.

No PT com a Presidência, seja Dilma ou Lula o candidato; no PSDB por Aécio ou Serra; no PSB por Eduardo Campos; no PMDB pelo que der e vier ou pelo que vier e der. O resto é adjacência.

Como enfrentar essa concorrência? É tarefa árdua. Marina sempre pode arriscar, dependendo do que pretenda. Se a ideia for fazer bonito, vale o risco. Mas, se a valente quiser ir para a linha de frente, terá de ser profissional.

Uma pensata para compartilhar com o leitor: Marina vice de Lula em 2014.

Ela deixou o governo contrariada? Deixou, mas com Dilma, não com o PT e muito menos com Lula, por quem nutre veneração. Marina precisa de uma estrutura à qual se incorporar. Lula, em tese, não precisaria de nada, dado que venceu todas as etapas da desconfiança do grande capital depois que formou chapa com o empresário José Alencar.

Mas, na realidade, precisa sim de uma novidade para evitar o efeito fadiga de material. Precisa de uma fiança ética, precisa de um simbolismo para renovar o trato perdido com a utopia, precisa sacudir a poeira acumulada nos últimos anos de compadrio com o atraso, precisa, sobretudo, de refazer os termos do pacto de esperança que, em boa medida, descumpriu.

Precisa de um toque de modernidade, precisa se arejar, se reinventar, até mirando-se no exemplo de Fernando Henrique Cardoso.

Precisa reconquistar a juventude, resgatar a bandeira do sonho a fim de motivar o eleitorado e justificar a escolha de alguém que já presidiu o País por duas vezes.

Na hipótese de juntar-se a alguém como Marina Silva ainda sinalizaria superioridade em relação às estruturas partidárias tradicionais tão desgastadas e ainda transmitiria a mensagem de que é a vez da sociedade.

Difícil? Mas nada na vida ou na política é impossível.

O complicado em uma aliança com Marina seria governar depois, cumprindo os compromissos inerentes a essa união. Mas convenhamos que se tratando de Lula tudo é possível. Principalmente dar o dito pelo não dito.

Corrupção - cortar o mal pela raiz SUELY CALDAS

O ESTADÃO - 31/07/11
Quanto custa uma obra pública? A limpeza em andamento no Ministério dos Transportes tem revelado custos disparatados, que extrapolam a racionalidade dos números, transitam pela ilegalidade e terminam em cifrasqueagridemocontribuinte.Grossomodo,aobradeveriaseguiromodelo do orçamento de um cidadão que planeja reformar a sua casa. Mas não. Afinal, por que é tão complicado?
Ao contrário da obra privada,a pública costuma incorporar custos extravagantes-doações de campanha eleitoral, a parcela do partido político do ministro, o lucro da turma intermediária do governo - ao valor do contrato com a empreiteira,quandoelaéescolhidasem licitação ou em obscuros adendos que triplicam o preço inicial que a empresa apresentou para vencer concorrentes. Há, ainda, custos decorrentes da duração da obra - propositadamente longa paraabsorverdinheiropúblicopormais tempo.Ao longo de sua existência,oTribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral da União colecionam milhares de casos estapafúrdios. Punições? Raríssimas, dá para contar nos dedos.
Há solução? Umcaminho para impedir a corrupção? A presidente Dilma tem tentado,nomeando gestores técnicos para o lugar de suspeitos.É um caminho pouco seguro,pois de pende da vontade política do governante de enfrentar a corrupção. Dilma a tem enfrentado, Lula deixou correr frouxo e até a incentivou. Resolver de forma institucional seria tirar da classe política a gestão de setores do governo que absorvem muita verba pública. Não é o que tem ocorridoeagovernabilidadeviroupalavra mágica para justificar o mal feito.
A mera substituição nada garante. Nem de pessoas nem de siglas. Desmoralizado diante da opinião pública, tal o histórico de corrupção, o antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (Dner) mudou de nome para Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Mudou a sigla, mas não a roubalheira.Também a Valec nadamaiséqueacontinuidadedepráticas desonestas que destruíram a antiga Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA).
No âmbito da reforma do Estado, FHC privatizo um uitasestataisque,administradasporpolíticos,eramsugadoras de dinheiro público, com crônicos e eternos prejuízos, causados justamente pelo seu uso político. Ferrovias da RFFSA, usinas siderúrgicas, telefônicas,distribuidoraselétricasebancosestaduais se tornaram empresas privadas lucrativas e bem-sucedidas. Com exceçãodealgumastelefônicasestaduais,todas só acumulavam rombos que o contribuinte era chamado a cobrir.
Aprivatizaçãoatraiuprotestos,sindicatoscontestavamnaJustiça-eraareaçãoaodesconhecido,numpaísquepassouumséculointeirovivendosobaproteção do Estado provedor. O mundo mudou, o papel do Estado ficou mais bem definido após a queda do Muro de Berlimeaprivatizaçãoensinouaosbrasileirosquesedesfazerdeestataisdeficitárias foi um bom caminho para desenvolveroPaíseeliminaracorrupção,pelo menos onde o estatal virou privado.
Além do reconhecimento da incompetência do Estado em concluir obras antesdaCopa,aprivatizaçãodetrêsdos maiores aeroportos do País vai evitar o queaconteceucomoschamados"puxadinhos" construídos pela Infraero. Só noAeroportodeGuarulhos(SP) foram desviados R$ 254 milhões.
Dos37 Ministérios (Lula criou 12, paraabrigar partidos aliados), há dois que merecempermanentevigilânciadeDilma, se ela realmente quer afastar e punir corruptos. Minas e Energia, responsávelpelaconstruçãodehidrelétricas,e Transportes,comsuasestradaseferrovias, são os que mais concentram obras gigantes, caras e vulneráveis a fraudes. Não só porque lidam com contratos de valoreselevados,mastambémpelasdificuldades de a fiscalização mensurar comexatidãocertoscustos,comoo volumedecimentousadonumabarragem oudeasfaltonumaestrada.Justamente pelo poder de camuflar fraudes e de canalizarrecursos públicos para fins político-privados, são Ministérios cobiçadíssimosporpartidosequeLulagenerosamente entregou ao PMDB e ao PR.

Liberdade, oh, liberdade DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 31/07/11

Ah, que maravilha: vai aonde quer, volta na hora que bem entende, sem ninguém para reclamar

TODO MUNDO quer ser livre; a liberdade é o bem mais precioso, almejado por homens e mulheres de todas as idades, e a luta para conquistá-la começa bem cedo. Desde os primeiros meses de idade só se pensa em uma coisa: fazer apenas o que quer, na hora que quer, do jeito que quer.
Crianças de meses rejeitam a mamadeira de três em três horas, mas choram quando têm fome (só querem comer quando têm fome, o que é muito justo) e quando um pouco mais grandinhas, brigam para não vestir a roupa que a mãe escolheu.
Ficam loucas para ir sozinhas para o colégio, e quando chegam em casa além do horário previsto, ai de quem perguntar onde elas estiveram. "Por aí", é o que respondem, quando respondem -e as mães que enlouqueçam.
Quando adolescentes, as coisas pioram: querem a chave da casa (e a do carro), e quando começam a sair à noite e os pais tentam estabelecer uma hora para chegar, é guerra na certa, com as devidas consequências: quarto trancado, onde ninguém pode entrar nem para fazer uma arrumação básica.
Naquele território ninguém entra, pois é o único do qual ele se sente dono -portanto, livre. A partir dos 12 anos, o sonho de todos os adolescentes é morar num apart -sozinhos, claro.
Mas o tempo passa, vem um namoro mais sério, e quem ama não é -nem quer ser- livre (para que o outro também não seja). Dá para quem está namorando sumir por três dias? Claro que não. Se for passar o fim de semana na casa da avó, em outra cidade, vai ter que dar o número do telefone, e isso lá é liberdade? Os celulares permitem, pelo menos, que eles não atendam, já que sabem quem está ligando.
Aí um dia você começa a achar que para ser livre mesmo é preciso ser só; começa a se afastar de tudo e cancela o amor em sua vida, entre outras coisas. Ah, que maravilha: vai aonde quer, volta na hora que bem entende, resolve se o almoço vai ser um sanduíche ou nada, sem ninguém para reclamar da geladeira vazia, trocar o canal de televisão ou reclamar do fumacê no quarto. Ah, viver em total liberdade é a melhor coisa do mundo.
Mas a vida não é simples, e um dia você acorda pensando em mudar de casa; fica horas pesando os prós e contras, mas não consegue decidir se deve ou não. Pensa em refrescar a cabeça e ir ao cinema, mas fica na dúvida -enfrentar a fila, vale a pena? Vê a foto de uma modelo na revista e tem vontade de cortar o cabelo igual, mas será que deve?
Acaba não fazendo nada, e depois de tantos anos sem precisar dar satisfação da vida a ninguém, começa a sentir uma estranha nostalgia.
Como seria bom se tivesse alguém para dizer que é loucura fazer uma tatuagem; que aconselhasse a não trocar de carro agora -pra que, se o seu está tão bom?
Que mostrasse o quanto foi injusta com aquela amiga e precipitada quando largou o marido, o quanto foi rude com a faxineira por bobagem. Que falasse coisas que iam te irritar, desse conselhos que você ia seguir ou não, alguém com quem você pudesse brigar, que te atormentasse o juízo às vezes, para poder reclamar bastante. Alguém que dissesse o que deve ou não fazer, o que pode e o que não pode, e até mesmo te proibisse de alguma coisa.
E que às vezes notasse suas olheiras e falasse, de maneira firme, que você está muito magra e talvez exagerando na dieta; alguém que percebesse que faltando dez dias para o final do mês você só tem R$ 50 na carteira e perguntasse se você não está precisando de alguma coisa. E que dissesse sempre, em qualquer circunstância, "vai dar tudo certo".
Que falta faz um pai.

Como Dilma está dirigindo? VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 3107/11

Programa econômico da presidente é cada vez mais marcado por intervenções do governo no mercado

AOS POUCOS, mas de modo decisivo, Dilma Rousseff adota políticas que faz uns 20 anos estão no programa de economistas "mais à esquerda", "desenvolvimentistas", "dirigistas", "heterodoxos" etc.
A intervenção no mercado de derivativos cambiais é, claro, a mais recente das derivas "heterodoxas".
O governo não apenas criou um imposto mas se atribui o poder de regular volume, prazo e tipos de instrumentos de transações cuja referência é a moeda estrangeira.
Na prática, o governo assumiu a direção desse mercado; pode tabelar ou regular preços dos negócios.
Trata-se da medida mais importante do setor desde 1999, quando o câmbio deixou de ser quase fixo para se tornar mais ou menos flutuante. A respeito das "heterodoxias", lembre-se ainda de outras como:
1) o governo limita o fluxo de dólar por meio do imposto sobre investimentos financeiros do exterior;
2) o governo passou a intervir ainda mais nos preços de combustíveis;
3) a política monetária mudou: além de gradualista, considera que, no combate à inflação, a taxa de juros pode ser substituída por meios administrativos de controle do crédito, ao menos em parte;
4) a taxa "básica" de juros do BNDES, em termos reais, é zero (para grandes empresas);
5) não há um programa, explicitado ao menos, de longo prazo para conduzir a dívida pública e a meta de inflação a níveis decentes.
O ativismo de Dilma vai além. Seu governo quer sacramentar a prática reinaugurada nos tempos lulianos de organizar grandes empreendimentos em associação com grandes empresas. Oferece subsídios e parcerias estatais (como no caso do trem-bala e de certas hidrelétricas), de resto sem contrapartidas. Organiza e subsidia a formação de conglomerados e oligopólios.
É verdade que a empresa brasileira raramente se aventurou em empreendimentos grandes e novos sem o amparo do Estado, um problema para o desenvolvimento do país. Mas quais são as medidas para desmamar o empresário nacional?
Como se pode notar, gradualmente o regime de política econômica viajou para outro planeta: acidentalmente desde Lula 2 e, agora mais programaticamente, sob Dilma 1.
No dia a dia, o que mais chama a atenção nesse modus operandi é que a política econômica tem uma quantidade cada vez maior de objetivos e metas picotadas; por vezes, aparentemente incompatíveis.
O governo acha que pode conter a inflação dando impulso ao aumento do investimento no curto prazo sem reduzir o consumo do governo e deixando correr algo solto o consumo privado ("das famílias").
Note-se que o crescimento dos empréstimos do BNDES está ainda em ritmo de boom.
O governo quer reduzir a inflação e ao mesmo tempo espera produzir alguma desvalorização do real.
O governo quer reduzir impostos sobre empresas empregadoras de muita gente e exportadoras, mas não tem caixa, pois gastou além da conta em 2010, ao menos.
O governo se preocupa com o real forte e as avarias que isso causa na indústria. Mas o real é vitaminado pelos juros altos, que assim ficarão por um bom tempo, pois o combate à inflação é gradual e prejudicado pela demanda ainda aquecida, com apoio do governo.
É um malabarismo notável.

Prévias? Não no meu partido MARCO ANTONIO VILLA

O ESTADÃO - 31/07/11

Quem quer se candidatar ao Legislativo e Executivo tem de se sujeitar ao mandão partidário, pois não há candidatura avulsa

A história do Brasil republicano é marcada pela pobreza ideológica e por uma estrutura invertebrada dos partidos. Na Primeira República (1889-1930) as agremiações eram estaduais. Durante o populismo (1945-1964), por razão legal, os partidos se organizaram, pela primeira vez, nacionalmente. Quando estavam adquirindo um perfil ideológico, veio o golpe civil-militar de 1964. No ano seguinte, todos os partidos foram extintos e o regime impôs o bipartidarismo. Durante quase uma década, a Aliança Renovadora Nacional e o Movimento Democrático Brasileiro pouco se distinguiram. A eleição de 1974 acabou sendo o divisor de águas entre o partido do governo (Arena) e o da oposição (MDB). Cinco anos depois veio a reforma partidária. Surgiram cinco partidos. Um deles, o Partido dos Trabalhadores, ameaçou ter uma organização democrática, mas, anos depois, abandonou esse projeto. Deve ser recordado que, em 1988, o PT fez, em São Paulo, para a eleição à Prefeitura, prévias. E Luiza Erundina venceu Plínio de Arruda Sampaio (curiosamente, os dois não mais fazem parte do partido).

Foi passando o tempo, surgiram novos partidos (como o PSDB), outros foram mudando seu perfil histórico (como o PMDB). Contudo uma característica esteve presente em todos eles: a ausência de democracia interna. Falam em democracia, mas só para consumo extrapartidário. Consultar as bases? Realizar, tal qual nos Estados Unidos, um sistema de prévias para indicar seus candidatos? Nada disso.

Os partidos não têm programa. É muito difícil saber o que separa um do outro. São muito mais um ajuntamento de políticos do que a reunião de cidadãos defensores de um determinado projeto. Servem para alcançar cargos e funções no Legislativo e Executivo. Dessa forma, não deve causar admiração a mudança partidária, prática rotineira no Brasil. São conhecidos casos de parlamentares que, em uma legislatura, pertenceram a três ou quatro partidos. As mudanças nunca foram devido a alguma questão ideológica. Longe disso. Rigorosamente falando, não estiveram em nenhum partido, pois sempre agiram individualmente, visando à obtenção de favores e privilégios.

A tradição brasileira é marcada pelo partido sem rosto ideológico. A identificação é pessoal. Evidentemente que há uma ou outra exceção. Mas os partidos que eleitoralmente obtiveram êxito sempre estiveram identificados com alguma liderança expressiva, tanto no plano nacional como no regional. Na esfera municipal, o problema é maior ainda: a relação político/partido é mínima, quase desprezível. É sempre o candidato que se sobrepõe ao partido.

A discussão ideológica - marca essencial dos partidos políticos nas democracias consolidadas - é considerada no Brasil, por incrível que pareça, como um instrumento de divisão política, de desunião. A competição entre lideranças e programas é intrínseca e saudável à vida partidária. Desde que estejamos pensando numa democracia, claro. É no autoritarismo que o partido é uno, indivisível, em que a direção ou o líder máximo impõe sua decisão para a base sem nenhuma mediação.

Apesar de vivermos há 23 anos em um regime com amplas liberdades democráticas, com alternância nos governos e plena regularidade eleitoral, o partido - sempre considerado essencial para a democracia - funciona como um cartório, controlado com mão de ferro por lideranças que, algumas vezes, se eternizam na direção. E o cidadão interessado em ser candidato a algum cargo no Legislativo e Executivo tem de se sujeitar ao mandão partidário, pois a legislação impede candidaturas avulsas.

A realização de prévias pode mudar esse quadro. Caso algum partido efetue um debate interno com os pré-candidatos e tenha êxito nesse processo, é provável que o exemplo seja seguido por outros. As primeiras experiências não serão fáceis. Não temos tradição de um debate de caráter democrático de ideias. Muito menos de lideranças que se sujeitem às críticas. Os líderes gostam é de ser louvados. E adorados. É como se, no campo partidário, a República ainda não tivesse sido proclamada.

As prévias também podem oxigenar o debate político extrapartidário. Com a cobertura da imprensa e o interesse das lideranças de ganhar espaço, os grandes temas estarão presentes muito antes do início, propriamente dito, da campanha. Os eleitores poderão tomar conhecimento das propostas dos partidos e de seus pré-candidatos. Ou seja, a discussão política poderá ser ampliada, temporalmente falando, e melhorada, qualitativamente falando. E o espaço do marketing político vazio, tão característico dos nossos pleitos, ficará reduzido, o que é extremamente salutar.

Os adversários das prévias são aqueles que almejam ter o controle absoluto dos seus partidos. Não admitem a divergência. Desejam impor as candidaturas e alianças sem discussão. Consideram os filiados mera massa de manobra, sem direito a palavra. Querem vencer, sem convencer, na marra. No extremo, são adversários da democracia.

Dilma se mostra Merval Pereira

O Globo - 31/07/2011

A presidente Dilma Rousseff está se saindo melhor que a encomenda. Esta pode não ser a avaliação de quem a encomendou, o ex-presidente Lula, mas ao que tudo indica é a de setores da sociedade que nem mesmo votaram nela. Como, por exemplo, Caetano Veloso, que votou em Marina no primeiro turno, mas hoje considera que Dilma é melhor presidente do que foi candidata.

Já o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que contou um segredo de polichinelo ao revelar que votou no seu amigo José Serra em 2010, nem se deu ao trabalho de fazer a ressalva, e disse que, se Serra fosse presidente, promoveria a mesma "faxina" que Dilma está fazendo no Ministério dos Transportes.

Nos últimos dias, graças à entrevista do Jorge Bastos Moreno e às suas repercussões publicadas ontem, estamos diante de uma personalidade mais rica do que se supunha, com uma sensibilidade insuspeitada que a leva a fazer comentários tanto sobre a novela das nove (deixando feliz "Douglas") quanto sobre Fernanda Montenegro, Caetano ou Chico Buarque.

E que se enternece com a filha de Obama, que se referiu ao Alvorada como uma casa, e não um palácio. Para quem mora na Casa Branca, dizer que o Alvorada é "a casa mais linda" que já viu demonstra um bom gosto precoce de Sasha que, com sua sensibilidade de criança, põe em xeque as críticas de que o grande Oscar Niemeyer constrói monumentos, não residências.

Ao mesmo tempo, o mesmo Moreno, e outros noticiários, trazem de volta ao cenário político a Dilma irascível e autoritária. Diante da franqueza exagerada do ministro Nelson Jobim, (o mensaleiro Delúbio Soares já ensinou certa vez que transparência demais é burrice) Dilma estaria disposta a demiti-lo, e só não o fez até o momento porque Lula estaria empenhado em defender o ministro indicado por ele.

Nesse episódio temos mais incoerências do que normalidades. O ex-presidente Lula, defendendo Jobim, se mostra mais conciliador do que é na verdade: "A gente não pode fazer política achando que quem não votou na gente é pior do que quem votou", pontificou o ex-presidente.

Para quem passa a vida política jogando pobres contra ricos, o "povão" contra a elite, e fez questão pessoal derrotar alguns líderes políticos da oposição, a frase soa falsa, mas a posição é boa.

Já Dilma, que tem desde seu primeiro momento na presidência distendido o ambiente político, defendendo a aceitação do contraditório e lançando a mão estendida à oposição através de gestos republicanos de aproximação com o ex-presidente Fernando Henrique, mostra-se nesse "affaire" menos conciliadora.

É verdade que o ministro Jobim dá a impressão a todo instante de que está querendo deixar o governo, e já teria dito isso à presidente, antes mesmo dos episódios públicos que reforçaram essa percepção generalizada.

Ao saudar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pelos seus 80 anos, Jobim fez referências à maneira sempre gentil com que ele tratava seus assessores, "sem nunca elevar a voz", o que pareceu a todos uma indireta diretíssima para a presidente Dilma, que tem a fama de gritar e dar socos na mesa.

Jobim falou também da sem-cerimônia com que os "idiotas" hoje se apresentam, o que parecia ser outra crítica, desta vez a eventuais companheiros de governo, quem sabe petistas.

Jobim saiu-se com uma desculpa esfarrapada, acusando os culpados de sempre: disse que se referia "aos jornalistas".

Superado esse primeiro impasse, o ministro de FH, Lula e Dilma deu uma entrevista explicitando o que todos já sabiam: que votara em Serra na eleição presidencial do ano passado vencida por Dilma.

Alegou depois que não costuma ser dissimulado, mas é evidente que escolheu responder diretamente à pergunta em vez de, como já fez diversas vezes, exercitar seus dotes políticos e sair pela tangente.

Experiente como é, não é razoável acreditar que Jobim tenha caído em uma armadilha jornalística. O mais correto é especular sobre o que levou Jobim a claramente, em poucos meses, querer deixar tão explícito seu descontentamento com o governo.

A própria presidente, que de boba não tem nada, senão não teria chegado onde chegou, entendeu perfeitamente o objetivo de seu (ex?) ministro, o de afrontá-la na autoridade de presidente. "E isso eu não admito", teria dito.

Em outro front, noticia-se que a presidente voltou a dar socos na mesa para enquadrar o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deixando claro que não admite adiar o anúncio da nova política industrial por causa de divergências no governo em função do tamanho da renúncia fiscal.

Fazenda e Desenvolvimento não chegam a um acordo sobre o alcance dos incentivos, devido à posição conservadora da Receita Federal, e a presidente reagiu: "No meu governo a Receita Federal não manda".

São duas faces da mesma mulher, e a mistura pode dar certo, transformando Dilma de mero instrumento de poder de Lula, que pretenderia governar através de interposta pessoa, em uma "persona" política relevante.

A "faxina" no Ministério dos Transportes tem dado a Dilma uma musculatura política que a transforma em presidente popular e respeitada.

Mas se a atitude não for a mesma nos demais feudos políticos de partidos mais influentes, como PT e PMDB, o comportamento errático pode levar à desmoralização dessa nova personalidade, transformando seu mandato em mero interregno que se perderá na História.

sábado, julho 30, 2011

A reforma tributaria possível. Ives Gandra da Silva Martins

O Estado de S.Paulo - 30/07/11



Não estou convencido de que as propostas de minirreforma tributária sinalizadas por autoridades e especialistas possam simplificar o sistema e acarretar a redução do nível de imposição.

Muito embora convencido de que a carga burocrática de nossa Federação não cabe no PIB, condicionando o elevado porcentual de tributação no País, não vejo como ela possa ser reduzida sem enfrentar o principal problema do sistema tributário, que é a guerra fiscal, provocada a partir do equívoco inicial dos formuladores da Emenda Constitucional n.º 18/65, de que seria possível "regionalizar" um tributo de "vocação nacional" mediante o princípio geral do valor agregado, ou melhor, da não cumulatividade.

Considero que a guerra fiscal, mesmo que atalhada, agora e em parte, pela Suprema Corte, necessita encontrar solução dentro de uma reforma que, sem retirar o direito impositivo dos Estados de administrarem o ICMS, equacione as pendências passadas, sobre as quais o Pretório Excelso não se debruçou. Implica definir a tributação futura, sem aumentar necessariamente a carga - que a fórmula hoje em discussão no governo fatalmente promoverá -, mediante a alteração do regime das operações interestaduais, de misto (parte beneficiando a origem e parte o destino) para regime preponderante de destino, com uma pequena compensação aos Estados exportadores líquidos, em torno de 2% do arrecadado.

Em outras palavras: se o sistema atual vier a ser alterado para o regime de destino, propiciará aos Estados "importadores líquidos" (compram mais do que vendem) um benefício real e aos Estados "exportadores líquidos" (vendem mais do que compram), um prejuízo efetivo, calculando-se, na melhor das hipóteses, uma queda da arrecadação superior a 10% somente para o Estado de São Paulo.

A solução acenada, nas diversas propostas anteriores, de uma compensação a ser ofertada pela União, à evidência acarretaria um aumento da carga tributária. É que, além de a União ter necessidade dos tributos que ora arrecada, para fazer face à sua estrutura burocrática, precisaria arrecadar mais para compensar os Estados perdedores, sendo, ainda, conhecida a enorme dificuldade de se calcular o real prejuízo que decorreria desse sistema e sua justa reposição. Tomem-se em conta, por exemplo, as compensações prometidas pela União aos Estados quando da Lei Complementar n.º 87/96, até hoje contestadas por todos eles, que se consideram lesados por terem perdido arrecadação, sem que houvesse uma justa compensação pela União em relação à eliminação do ICMS incidente sobre a exportação de produtos semi-elaborados.

Um outro problema apareceria, também: os Estados exportadores líquidos perderiam a autonomia absoluta na administração de seu imposto, pois parte de sua arrecadação ficaria na dependência da União. Pessoalmente, não vejo nenhuma viabilidade, em teoria ou na prática, de se colocar um porcentual na Constituição, na lei complementar ou na lei ordinária para quantificar os exatos valores das perdas dos Estados exportadores líquidos a serem compensados.

O certo é que, ganhando os Estados importadores líquidos e perdendo os Estados exportadores líquidos, se se adotasse o regime de destino do ICMS, teríamos um aumento da carga, diante da necessidade da União de arrecadar mais para compensar os Estados perdedores de receita. É de lembrar, ainda, que o regime de destino implica jogar o trabalho arrecadatório para o Estado exportador de mercadorias e serviços definidos na Lei Maior, e o beneficiário será o Estado importador, que receberá o tributo sem a necessidade de trabalhar para arrecadá-lo.

Bernardo Appy, em seu anteprojeto, pensou em retirar parte do aumento de arrecadação dos Estados beneficiários para formar um fundo de compensação, também de difícil implantação, levando em consideração que poderá haver em relação a tais operações interestaduais um interesse menor de fiscalização pelo Estado exportador do tributo, que terá de fiscalizar e arrecadar não em benefício próprio, mas do Estado destinatário das mercadorias.

Embora a decisão da Suprema Corte, que considerou inconstitucional a "guerra fiscal", tenha acelerado o processo de discussão, deverá - se não houver uma modulação de seus efeitos, ou seja, a determinação de que a decisão valerá para o futuro, em todos os casos - acarretar problemas profundos para todas as empresas que se estabeleceram em Estados cuja lei foi considerada inconstitucional.

Essa é a razão pela qual volto ao ponto crucial: o nó górdio de qualquer reforma tributária é manter o regime misto, com porcentual a ser ainda definido para Estados de origem e de destino, com dois complementos apenas, isto é, alíquota única para todo o território nacional e vedação absoluta à concessão de estímulos fiscais e financeiros via ICMS, pois se trata de um imposto de vocação nacional, que, no Brasil - gritante exceção no concerto das nações -, foi regionalizado. Trata-se de proposta que apresentei quando participei de audiência pública no Congresso Nacional e defendi, depois dela, perante os parlamentares.

Por outro lado, os incentivos passados deveriam ser mantidos até a promulgação de emenda constitucional, não prevalecendo, todavia, para o futuro. Essa solução parece melhor do que a que, no momento, pesa sobre todas as empresas que corresponderam à oferta de estímulos fiscais por parte dos Estados e que podem vê-los invalidados pelos últimos cinco anos.

Seria, a meu ver, a forma correta de começarmos uma reforma tributária, sem a necessidade de aumentar a carga de tributos numa Federação, cujo tamanho, repito, é maior do que o seu PIB.

Um plano para o calote Celso Ming

- O Estado de S.Paulo
Algumas pessoas ficaram escandalizadas com a disposição do governo dos Estados Unidos de dar prioridade ao pagamento dos credores e de deixar para saldar as demais despesas com o que sobrasse das receitas.

Para melhor entender o que aconteceu: na última quinta-feira, porta-vozes do Tesouro dos Estados Unidos avisaram que, em caso de fracasso do governo americano em obter do Congresso uma autorização até a data limite, a próxima terça-feira, para elevar o teto atual da dívida federal, de US$ 14,3 trilhões, seria instituído um plano de contingência para enfrentar a pilha de despesas. O Tesouro arcaria primeiro com todas as suas obrigações com pagamento dos juros e resgate de títulos. Se faltar dinheiro, os compromissos com a dívida não seriam caloteados.

Quem achou esquisita essa política de eventual contingenciamento entendeu que o governo americano prefere atender aos interesses imediatos dos banqueiros e aplicadores do mercado financeiro em títulos do Tesouro, deixando para atender às necessidades dos mais pobres somente quando for possível.

Antes de mais nada, não está claro ainda se haverá calote e nem se este seria preferencialmente aplicado sobre as despesas sociais. De tudo quanto se conhece, os últimos pagamentos a fazer seriam os de fornecedores de serviços contratados. Afora isso, é um equívoco compreender que o pagamento aos credores financeiros caracterizasse uma perversa inversão de prioridades.

Nas condições atuais, o Tesouro dos Estados Unidos, organismo que lida com a arrecadação e com o pagamento das despesas, opera com um rombo de mais de US$ 100 bilhões por mês, que é o quanto as despesas excedem as receitas. Para cobrir a diferença, o governo americano tem de levantar empréstimos, o que se faz pela emissão de títulos ou notas do Tesouro. Mesmo que a gestão Barack Obama consiga aprovar um programa de austeridade, o déficit vai continuar, ainda que, provavelmente, alguma coisa mais baixo.

A partir do momento em que fosse criado o precedente de que o Tesouro dos Estados Unidos deixasse de honrar títulos de sua dívida, uma profusão de investidores deixaria de manter esses títulos em carteira. Ou seja, a capacidade de colocação de títulos da dívida americana ficaria, irremediavelmente, danificada e, nessas condições, mais prejudicada ainda seria a capacidade de o governo americano executar quaisquer políticas, inclusive as sociais.

Um leitor pergunta: "Se possuem a moeda mais respeitada do mundo, por que os Estados Unidos não pagariam o déficit com emissão de dólares?".

Bem, não é o Tesouro que emite dólares. É o Federal Reserve (Fed, o banco central americano). É claro que, numa emergência, o Fed poderia instalar um dolarduto entre ele e o Tesouro e instituir, dessa maneira, uma espécie de conta movimento - que era o que existia no Brasil até 1986, entre o Banco Central e o Banco do Brasil - este último encarregado de pagar as contas do governo federal. Mas, além de uma feroz inflação, estaria encarecendo os títulos de dívida (que se tornariam mais escassos em relação ao volume de dólares disponíveis no mercado).

O ''PAC'' que funciona EDITORIAL ESTADÃO

- O Estado de S.Paulo
O sistema de vale-tudo nas relações entre a burocracia do Executivo, parlamentares e as empresas que conhecem o caminho das pedras para fazer negócios com a área federal engendrou no governo Lula um outro "PAC", mais bem-sucedido do que o original. Seria o Programa de Aceleração da Corrupção. Diga-se desde logo que conluios entre servidores venais, políticos de mãos sujas e negociantes desonestos não são uma exclusividade nacional e tampouco surgiram sob o lulismo. Mas tudo indica que a roubalheira na escolha dos fornecedores de bens e prestadores de serviços ao Estado brasileiro e nos contratos que os privilegiaram alcançou amplitude nunca antes atingida na história deste país nos governos petistas, e não apenas em função do patamar de gastos públicos. Mais decisivo para o resultado estarrecedor a que se chegou foi o perverso exemplo de cima para baixo. No regime do mensalão e das relações calorosas entre o presidente da República e a escória da política empoleirada em posições-chave no Parlamento, corruptores e corruptíveis em potencial se sentiram incentivados a assaltar o erário com a desenvoltura dos que nada têm a perder e tudo a ganhar. Nos últimos 30 dias, as histórias escabrosas trazidas à tona pelos escândalos revelados no Ministério dos Transportes tiveram o impacto de uma bomba de fragmentação que lançasse estilhaços em todas as direções da capital do País. Mas elas parecem apenas uma amostra do que vinha (e decerto ainda vem) se passando na máquina federal.

Ao passar o pente-fino em 142 mil licitações e contratos do governo assinados entre 2006 e 2010, referentes a obras e serviços no valor de R$ 104 bilhões, o Tribunal de Contas da União (TCU) topou com escabrosidades que caracterizam um padrão consolidado de delinquência, evidenciado em praticamente todos os aspectos de cada empreendimento (pág. A-4 do Estado de sexta-feira). As licitações se transformaram no proverbial jogo de cartas marcadas. Não apenas o governo fechava negócios com firmas cujos sócios eram servidores públicos aninhados no próprio órgão que encomendava a empreitada, mas em um dos casos esses funcionários integravam a comissão de licitação que acabaria por dar preferência às suas respectivas empresas.

Licitações eram dispensadas sem a apresentação de justa causa. Só uma empresa interessada ganhou 12 mil licitações; desistiu de todas para favorecer "concorrentes" que haviam apresentado lances mais altos. Duas ou mais empresas com os mesmos sócios participaram de 16 mil disputas. Cerca de 1.500 contratos foram assinados com empresas inidôneas ou condenadas por improbidade. Aditivos da ordem de 125% sobre o valor original - o limite legal é de 25% - engordaram 9.400 contratos. As irregularidades, que somam mais de 100 mil, "estão disseminadas entre todos os gestores", concluiu o relatório de 70 páginas da mega-auditoria realizada pelo tribunal de abril a setembro do ano passado.

Lamentavelmente, o tribunal manteve em sigilo - salvo para as Mesas da Câmara e do Senado, e o Ministério Público Eleitoral - a relação de parlamentares sócios de empresas contratadas pelo governo. A participação dos políticos nesses negócios ajuda a fomentar a corrupção, em razão dos seus íntimos entrelaçamentos com os centros de decisão no aparato administrativo. Além disso, a Constituição proíbe explicitamente que empresas que tenham parlamentares entre os seus sócios sejam contratadas pelo governo. Para contornar essa barreira, os políticos costumam deixar a gestão direta de suas firmas. Em pelo menos um caso, porém, o mandatário não se pejou de assinar ele próprio o contrato com uma repartição pública.

Quanto aos políticos citados no relatório, só dois nomes são conhecidos, graças ao trabalho de reportagem do Estado. São o senador e ex-ministro das Comunicações (afastado por suspeita de ilícitos) Eunício Oliveira e o notório deputado Paulo Maluf. Uma empresa do primeiro venceu uma licitação fraudada de R$ 300 milhões na Petrobrás. Uma empresa do segundo alugou um imóvel para o governo por R$ 1,3 milhão ao ano. Com "dispensa de licitação".

Vamos aguardar a divulgação da lista em poder dos membros das mesas do Senado e da Câmara dos Deputados.

Mudança de enfoque - Merval Pereira

O GLOBO
Há uma alteração importante de enfoque na discussão das mudanças das regras da distribuição das chamadas "participações governamentais" da produção de petróleo, que incluem bônus de assinatura, royalties, participação especial e participação na partilha de produção.

A ganância com que a distribuição dos royalties vinha sendo debatida, a partir de propostas de parlamentares de estados não produtores, está sendo substituída por ação política mais organizada que põe estados produtores - Rio, São Paulo e Espírito Santo - em condições de negociar com os demais estados uma divisão mais equânime que permita um ganho razoável sem que os produtores sejam prejudicados.

O que levou a essa posição mais equilibrada foi a compreensão por parte dos litigantes de que a questão poderia parar no Supremo Tribunal Federal, adiando indefinidamente uma solução e, mais que isso, retirando dos estados o poder de decisão sobre um assunto que interessa a todos.

Ao mesmo tempo, os estados e municípios enfrentam difícil situação fiscal, agravada pela redução dos seus respectivos Fundos de Participação, fundamentais para a sustentação financeira.

O STF já determinou que os estados não podem fazer a chamada "guerra fiscal", utilizando-se de incentivos para atrair empresas, e também mandou que a distribuição do dinheiro dos fundos obedeça a critérios mais lógicos.

Se os estados não se acertaram entre si, mais uma vez deixarão que o STF decida sobre a distribuição de impostos federais, permitindo que as negociações políticas sejam ultrapassadas pelas decisões judiciais.

Como lembrou o senador Francisco Dornelles recentemente, o Rio sempre apoiou sistemas de distribuição da renda dos impostos nacionais com base no critério inverso da renda per capita.

Por esses critérios, o retorno para o Estado do Rio dos impostos aqui arrecadados foi de apenas 2,4%, enquanto no conjunto dos estados do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste foi de 56%, e nos estados do Sul foi de 17%.

Por outro lado, o ICMS tem sua receita destinada na maior parte para o estado onde se realizou a produção, com a exceção do petróleo, quando o imposto é cobrado no estado de destino, o que retira do Estado do Rio R$5 bilhões por ano.

Se todos esses assuntos forem levados para o Supremo, o que certamente ocorrerá se persistir a tentativa de retirar dos estados produtores a receita dos royalties do petróleo que já lhes pertence de direito nos campos do pós-sal já em produção no modelo de concessão e nos do pré-sal já licitados também no regime de concessão, haverá um impasse jurídico que prejudicará a todos, produtores e não produtores, a começar pelo atraso da exploração dos campos do pré-sal.

O primeiro prejuízo dos estados produtores foi, na mudança do sistema de concessão para o de partilha, o fim das participações especiais, que resultaram em 2010 em um ganho aproximado de R$6 bilhões para eles, montante que passou a ser um ganho adicional da União.

Além disso, houve a criação da Participação da Partilha de Produção, que será totalmente apropriada pela União. Com base nos ganhos extras que a União terá, tanto pela mudança de modelo de exploração quanto pelo aumento das reservas de petróleo no pré-sal, os estados fizeram um documento com uma série de propostas que, preservando o direito adquirido dos estados produtores, redistribuiriam as participações governamentais para os demais estados, ajudando inclusive no fortalecimento dos Fundos de Participação dos estados e dos municípios.

No período de transição, até que os campos do pré-sal entrem em produção, os estados não produtores receberiam antecipações da parte da União dos royalties e Participações Especiais dos campos em produção do pós-sal.

Para tanto, bastaria que a União cumprisse o que já está determinado na legislação. Do que o Ministério de Ciência e Tecnologia tem direito, por exemplo, a lei manda destinar 40% no mínimo em programas de fomento à capacitação e ao desenvolvimento científico e tecnológico das regiões Norte e Nordeste. Esses recursos são estimados entre R$500 e 600 milhões.

Da mesma forma, a legislação prevê destinação específica para a parcela de participações especiais, que, no entanto, não está sendo repassada para estados e municípios porque está sendo contingenciada para fazer o superávit primário.

Nos campos do pré-sal já licitados, sob o modelo de concessão, a proposta é que o Fundo Social que será formado com a parcela de royalties e Participações Especiais da União redistribua esse dinheiro aos estados e municípios.

A União, através de ministros da área e até mesmo da própria presidente Dilma, está recusando abrir mão de seus lucros para redistribuí-los, alegando que os estados devem se entender entre si para essa nova redistribuição dos lucros do petróleo.

Para sanar essa suposta sangria nos cofres do governo central, a proposta dos estados inclui o aumento da receita da União através de duas medidas.

A primeira seria a revisão das alíquotas das Participações Especiais, que foram introduzidas no modelo de concessão para taxar campos de alta lucratividade e obter equilíbrio entre os ganhos empresariais e os da Nação.

As tabelas em vigor foram feitas em 1977, quando o preço do barril de petróleo estava a US$16, e a produção era muito menor. Hoje o barril de petróleo está acima de US $100, e as reservas brasileiras cresceram incrivelmente.

Simulações indicam que um aumento de 30% nas alíquotas, aplicado na produção atual, resultaria em mais R$3 bilhões de arrecadação.

Governos como os dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha estão fazendo o movimento para aumentar a taxação das operadoras, devido ao aumento do preço do petróleo.

O governo poderia também cobrar bônus de assinatura para os campos do pré-sal, mesmo no sistema de partilha.

Dilma e as sofríveis escolhas ALOISIO DE TOLEDO CÉSAR

O Estado de S.Paulo - 30/07/11

É assustador verificar com o passar dos dias e das noites a nada tranquilizante capacidade de escolha de assessores pela presidente Dilma Rousseff. De início, quando era tão somente ministra do governo Lula e teve de se desincompatibilizar para disputar a Presidência da República, ela decidiu deixar em seu lugar uma senhora da qual o País guarda triste lembrança: a demitida ministra Erenice Guerra - e sua suspeitíssima família.

Essa senhora, conhecida por ser "escudeira" e "braço direito" de Dilma, montou no Palácio do Planalto uma central de lobby familiar-partidário que cobrava um "pedágio" de empresários interessados em fazer negócios com o governo. O próprio filho, que dias antes perambulava pela Esplanada dos Ministérios em cargos comissionados de pouca importância, tornou-se um próspero consultor de negócios, envolvendo, é claro, pessoas interessadas em transações com o governo federal.

Enfim, foi um horror. A nova ministra teve de ser afastada durante a campanha eleitoral, mas, dada a já conhecida incapacidade brasileira de exprimir indignação, o escândalo acabou relevado e nem teve influência marcante na disputa.

Da envolvida, contudo, era de esperar que tomasse mais cuidado nas escolhas, inclusive nas de pessoas que se encontram mais próximas dela, porque causam a impressão de ali estarem a serviço do ex-presidente, bem como de outros propósitos.

Foi o caso, por exemplo, do ex-ministro Antônio Palocci, de triste memória, que já saíra da prefeitura de Ribeirão Preto com uma avalanche de processos judiciais. Detinha uma biografia ruim, já havia sido afastado do Ministério de Lula com a imagem necrosada, mas, mesmo assim, acabou voltando aos braços de Dilma, como homem forte do seu governo, até que foi obrigado a sair pela porta dos fundos.

Quem não se lembra do ex-presidente Lula tentando defender Palocci e forçar sua permanência no cargo? Sempre que a gente dá uma cabeçada na vida, e isso acontece com praticamente todos, é importante aproveitar os ensinamentos daí advindos, como forma de evitar novos desacertos.

Mas, pelo jeito, essas lições de nada valeram à presidente Dilma: ao formar o seu Ministério, ela agiu sem critério que preservasse o interesse público e distribuiu cargos a pessoas que não mereceriam recebê-los. Por esse novo deslize acabou sofrendo solavancos, decorrentes de escândalos envolvendo avanço no dinheiro público.

É inacreditável que a presidente não tenha o cuidado de avaliar melhor as pessoas às quais entrega fatias do poder. É igualmente inacreditável que não se lembre de como ficaram comprometidos recentes protagonistas do mensalão e que a eles tenha entregue cargos de grande importância.

Essas transações, marcadas pela concessão de poder em troca de apoio político, fazem parte do dia a dia da democracia, mas devem efetivar-se com grandeza, com espírito público, jamais como se fosse uma simples operação mercantil.

O filósofo Sócrates, que tanto fustigava os poderes constituídos, costumava provocar os seus alunos - entre eles, Platão - com uma curiosa indagação: será preferível estar no poder ou ter os bolsos cheios de dinheiro? É evidente que a pergunta tinha o sentido de provocação filosófica, mas, nos dias de hoje, se bem observamos a República brasileira, seremos compelidos a concluir que boa parte dos governantes oscila entre as duas coisas, ou seja, quer o poder, mas quer também os bolsos cheios de dinheiro.

De início, salta aos olhos que a República, que deveria ser de todos, em verdade parece ser mais de alguns estrategicamente colocados em postos-chave, onde sobra dinheiro. O administrador público é guindado ao cargo para cuidar de uma coisa que não lhe pertence. Daí a necessidade de ser extremamente escrupuloso e, no mínimo, honesto.

Infelizmente, verifica-se que interesses individuais vêm prevalecendo sobre interesses públicos e a administração se processa em muitos casos como se os bens de todos pertencessem aos próprios administradores. Os exemplo de escândalos na Petrobrás e nos Ministérios, com demissões e episódios escabrosos que todo dia se renovam, propagam a fragilidade institucional.

Nada pior para conduzir um país ao descrédito do que a sucessão de escândalos, como no presente, principalmente quando não são acompanhados da necessária e desejável punição dos culpados.

Realmente, o que cada um de nós pode fazer contra essa repetição de escândalos? Neste momento, em que até a União Nacional dos Estudantes (UNE) se mostra obediente e submissa ao governo federal, a troco de dinheiro, não se pode esperar nem mesmo aquele entusiasmo que levava o Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a infernizar o sossego dos governantes.

Jornais estrangeiros têm comentado com perplexidade a apatia brasileira diante dos escândalos, pondo em dúvida a nossa capacidade de indignação. Cada vez que alguém deixa de exercer o direito de berrar, de espernear, de mostrar o seu inconformismo contra esses escândalos, tal conduta equivale a ignorar, a desprezar a existência desse direito.

O mais desanimador é que o sofrível nível cultural médio da população brasileira engole esses escândalos como se fossem coisas corriqueiras na vida de um país democrático, quando, em verdade, representam antes a negação da democracia. O resultado das urnas, infelizmente, mostra que o que influi da hora de votar, predominantemente, é o dinheiro fartamente distribuído pelos que estão à cata de votos. Bolsa-Escola, Bolsa-Família têm esse lado trágico.

Refrescar a indústria Míriam Leitão

- 30.7.2011


A indústria aguarda para a semana que vem um anúncio do governo, mas sabe que qualquer que seja o desfecho do embate entre os ministérios não há muito o que esperar da política industrial. Não haverá a reforma tributária, os encargos trabalhistas não serão reduzidos, a infraestrutura não será melhorada a curto prazo. Negociam algumas medidas que ajudem certos setores.

O que fazer com o setor de ar-condicionado, por exemplo? O presidente da CNI, Robson Andrade, disse que hoje 90% dos produtos vendidos estão vindo da China e que a indústria está acabando no Brasil. Os dados mostram que as importações saíram de US$ 106 milhões em 2002 para US$ 697 milhões em 2010, só desse produto, um aumento de 550%. O déficit hoje é dez vezes maior do que era:

— O pior é que a indústria brasileira cumpre normas ambientais que não são exigidas do produto estrangeiro.

Robson acha que levantar a licença automática já permitiria separar o joio do trigo. O joio seria produto de triangulação ou que não respeita padrões locais. Ele garante que não quer protecionismo, mas esse tipo de entendimento sobre a necessidade de cada setor.

Com um genro chinês, que é pai de dois dos seus três netos, o novo presidente da CNI brinca que não tem nada contra o país em si, e entende que as importações de lá estão ajudando a modernizar as máquinas e equipamentos usados pela indústria brasileira. O problema, segundo ele, é a incapacidade brasileira de enfrentar os velhos gargalos.

A política industrial setorial pode refrescar um ou outro setor, mas o que realmente resolve são as mudanças não feitas, como a prometida desoneração da folha salarial. O ministro Guido Mantega pediu que os empresários se pusessem de acordo sobre que nova fonte de arrecadação poderia substituir os atuais encargos trabalhistas. Não foi possível, porque há interesses conflitantes entre setores. Certas propostas que agradam uns desagradam outros.

Robson Andrade diz que um dos pedidos mais objetivos que tem feito é o da desoneração do investimento:

— Os créditos do IPI, PIS e Cofins são aproveitados em 12 meses; o ICMS, em muito mais tempo ou, em alguns estados, nunca. E isso tem um custo, paga-se o imposto no investimento, e o desconto é num tempo longo.

Há setores empresariais que estão em conflito aberto, como a siderurgia e a mineração. Esta semana eu entrevistei o novo presidente da Vale, Murilo Ferreira, no meu programa na Globonews. Ele defendeu a decisão de investir em siderurgia como forma de garantir mercado para o minério de ferro da Vale dentro do Brasil.

— Tínhamos 70% do mercado interno de fornecimento de minério de ferro para a siderurgia, hoje temos 50% e te garanto que em 2014 teremos 29%. O ciclo mundial está favorável ao minério de ferro, mas sei que o mundo é feito de ciclos altos e baixos. A melhor coisa que a Vale pode ter é um mercado cativo para o fornecimento do seu minério — disse Murilo.

No setor de siderurgia, o argumento é que havia competição entre mineradoras no Brasil até que a Vale comprou a Samitri, Samarco, Ferteco, Soicomex, MDR. Aí virou um quase monopólio. As siderúrgicas começaram então a entrar em mineração. A CSN já tinha a sua Casa de Pedra. A Usiminas comprou jazidas perto de Betim. A propósito: ao contrário do que parece, ainda é em Minas que a Vale tira a maior parte da sua produção, e não em Carajás. Outras siderúrgicas estão também entrando em mineração e dizem que fazem isso numa atitude defensiva, para não ficarem na mão da Vale. O problema é como transportar o minério. A Agência Nacional de Transportes Terrestres acaba de baixar uma resolução que dá muito mais do que o direito de passagem, entende que os trilhos são da União. Então bastaria à Usiminas ter uma locomotiva. Está formado o conflito. A Vale, por sua vez, está investindo em siderurgia apesar de haver 530 milhões de toneladas de aço de capacidade ociosa mundial e de ela mesma ter vendido seus investimentos siderúrgicos tempos atrás. Murilo Ferreira nega que esteja fazendo esse movimento para atender a uma pressão do governo.

Bem menos convincente é sua explicação para a presença da Vale na polêmica hidrelétrica de Belo Monte:

— Não participei dessa decisão. Foi na administração anterior. Mas conversei com o departamento de meio ambiente e de energia e todos eles me disseram que os estudos indicavam o ingresso da Vale no grupo. Conversei com meus colegas das diversas áreas e posso lhe assegurar que a decisão foi tomada com base em pareceres técnicos.

Coincidentemente, todos os dois movimentos — entrar em siderurgia e no consórcio de Belo Monte — foram pedidos feitos pelo governo.

A economia chega na semana em que será, possivelmente, anunciada a nova política industrial com empresas privadas se comportando como se fossem estatais e a representação industrial sabendo que não adianta pedir aquilo que realmente precisa: uma reforma tributária, a desoneração da folha, investimentos maciços na infraestrutura.

sexta-feira, julho 29, 2011

Míriam Leitão O dragão na porta

e Alvaro Gribel
No primeiro semestre, o superávit comercial do Brasil com a China aumentou 96%. Nossas exportações continuam concentradas em matérias-primas que aumentaram de preço: minério de ferro, soja e petróleo. A indústria é prejudicada pela competição desleal chinesa, via moeda desvalorizada, mas também se beneficia de importações baratas de insumos, componentes eletrônicos e bens de capital.

A China, afinal, é aliada ou competidora? O presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, me disse numa entrevista recente que os chineses são as duas coisas.

— A China é competidora e aliada. Graças a ela, as commodities estão com preços altos. A China também tem mantido preços industriais baixos, e isso permite ao Brasil importar bens de capital, insumos e equipamentos para renovar nosso parque industrial — disse.

Mais de 85% de tudo o que o Brasil exporta para a China estão em três produtos: minério de ferro, soja e petróleo. De janeiro a junho, o minério gerou mais de US$ 8,5 bilhões em receita; a soja, mais de US$ 6 bi; e o petróleo, US$ 2,5 bi. O único produto manufaturado entre os 10 primeiros são os aviões da Embraer, que surgem em nono, com 0,81% da pauta. Pelo lado chinês, predominam componentes eletrônicos para celulares, televisores, telas para computadores, ar-condicionado, dispositivos de cristais líquidos, circuitos integrados, automóveis. Para mostrar o grau de diversificação, os 10 maiores representam apenas 15% (vejam no gráfico).

Tang Wei, diretor da Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico (CBCDE), acha que a China é mais aliada do que competidora. Ele lembra que o Brasil tem um dever de casa para fazer.

— O problema do Brasil é que a riqueza criada pelas commodities não foi aplicada na infraestrutura. Desde que cheguei ao país, há 23 anos, ouço falar que os grandes gargalos da exportação são os portos. Até hoje estamos falando isso — alfinetou.

Ainda assim, o superávit do Brasil com os chineses aumentou no primeiro semestre, indo a US$ 5,3 bi, porque os preços dispararam pela própria demanda chinesa.

— Mas nossa pauta é concentrada. A deles, diversificada, com produtos industrializados — diz José Augusto de Castro, da AEB.

A indústria reclama da China, apesar de comprar de lá componentes, máquinas e equipamentos. Diz que está perdendo espaço no PIB porque os produtos chineses chegam ao país com câmbio artificialmente desvalorizado; a mão de obra chinesa é barata pela falta de proteção trabalhista; e eles fazem pirataria. Tudo é em parte verdade. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil, um dos setores que mais sofrem, diz que o déficit comercial do setor chegará a US$ 5,2 bi este ano, com aumento de 48%.

- No primeiro semestre, metade dos têxteis importados veio da China, fora o que veio por triangulação em outros países. No vestuário, 70% dos importados são chineses. Muitos chegam aos portos fora dos padrões técnicos. Como não temos boa estrutura alfandegária, eles entram no país — diz Fernando Pimentel, diretor da Abit.

Tang Wei argumenta que o que está sendo apresentado como triangulação, na verdade, são empresas chinesas em processo de internacionalização:

— A mão de obra da China está ficando cara e as empresas chinesas estão abrindo filiais em países com condições melhores, como Malásia, Indonésia, Vietnã. Não é tudo triangulação.

As importações de aço caíram 36% no primeiro semestre, mas o presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, diz que é porque os estoques estão elevados. Acha que a China ainda ameaça o setor:

— Todos os componentes que sustentaram as importações continuam: iuan desvalorizado; real valorizado; guerra fiscal entre estados. O mundo tem excedente de produção de 530 milhões de toneladas de aço. Grande parte, chinês, que direciona produtos para o Brasil.

A CNI se preocupa com a China, mas acha que os verdadeiros problemas são bem brasileiros.

— Os impostos são a principal reclamação há muito tempo. Entre as grandes empresas, a taxa de câmbio aparece em 4 lugar; entre as médias, em 7 ; entre as pequenas, em 11 . Nossos custos de energia já estão entre os mais altos do mundo. A infraestrutura não melhora, os aeroportos estão entupidos; as estradas, ruins; a malha ferroviária é curta e antiga. Reduzir o custo do transporte é mais relevante do que qualquer outra coisa — diz Renato da Fonseca, gerente de Pesquisa da CNI.

Na verdade, competidora ou aliada, a China é o parceiro inevitável que precisa ser entendido.

Prévias da discórdia Merval Pereira

O Globo

A lenda de que o PT escolhe seus candidatos "ouvindo as bases" não passa disso, uma lenda, que tem origem em um tempo em que chegar ao poder, qualquer tipo de poder, ainda era um sonho, e era possível imaginar-se um partido em que o comando não seria imposto, mas acatado pelo consenso partidário.

A cada movimento que aproximou o partido do poder, inicialmente em alguns municípios, depois em capitais, mais adiante em estados, mais e mais a corrente majoritária tratava de montar suas estratégias para controlar as decisões finais do partido, o que incluiu, quando necessário, a intervenção direta nas direções regionais.

Com exceção de um pequeno período em que Lula e José Dirceu se separaram numa briga interna, o poder nunca lhes fugiu.

Reconciliados, aprenderam que juntos poderiam controlar indefinidamente o PT, e por isso, embora existam ainda no estatuto do partido, as prévias foram se tornando cada vez mais um hábito arcaico, que não reflete o estágio de poder a que o partido chegou a nível nacional.

Por acreditarem nas prévias como instrumento de democratização das decisões, os senadores Cristovam Buarque e Eduardo Suplicy caíram em desgraça; o primeiro acabou saindo do partido, o outro permanece lá, azucrinando as lideranças com sua falsa ingenuidade, mas não tem a menor importância dentro da legenda e dificilmente conseguirá apoio para se candidatar de novo ao Senado ao fim de seu mandato, quanto mais a prefeito, como está pretendendo.

A rebelião dos dois senadores deu-se na escolha do candidato do partido à Presidência da República em 2002, depois de Lula ter sido derrotado quatro vezes anteriormente, duas para Collor, no primeiro e segundo turnos de 1989, e duas no primeiro turno para Fernando Henrique.

Os dois lançaram dentro do partido a ideia de que Lula deveria dar lugar a uma candidatura nova e se dispuseram a ser esse candidato. Cristovam acabou desistindo da empreitada, diante da insistência de Lula, mas mesmo assim não foi perdoado.

Convidado para ser ministro da Educação do primeiro governo Lula, acabou sendo demitido por telefone e teve de sair do PT, indo para o PDT, onde foi candidato a presidente contra Lula em 2006.

Mas Suplicy levou adiante seu anseio e foi massacrado. Perdeu por 84,4% a 15,6%. Agora, para irritação do ex-presidente Lula, ele decidiu pedir a realização de prévias no PT para a escolha do candidato à disputa pela Prefeitura de São Paulo em 2012.

Naquele seu jeito sonso de fazer política, Suplicy declarou-se com vontade de "trocar ideias sobre a importância de realizar prévias" com a direção do PT e anunciou que gostaria que seu nome fosse levado em consideração.

Acontece que Lula tem outros planos para o PT paulista, e também a ex-mulher de Suplicy, a senadora Marta Suplicy. Lula quer que o ministro da Educação, Fernando Haddad, seja o candidato do consenso, enquanto Marta insinua que se colocará como candidata se Haddad for realmente lançado.

Agora são dois Suplicys no caminho de Lula, embora por razões distintas. E poderíamos ver a situação insólita de o ex-casal se digladiando por votos numa prévia partidária, sem que Lula apoiasse nenhum dos dois.

Mas dificilmente isso acontecerá, pois Lula, nos bastidores, já trabalha para inviabilizar as prévias. O 4º Congresso do PT tem como um dos objetivos alterar o estatuto para modernizar a ideia de prévias, que provavelmente continuará lá, pois simboliza as origens do PT que se perderam na poeira da História, mas precisam ser mantidas justamente como símbolos.

Assim como a busca do socialismo, que continua como objetivo político do PT, mas não passa de letra morta.

O ministro Gilberto Carvalho, o mais evidente elo entre Lula e a nova gestão petista comandada pela presidente Dilma, já vocalizou o que Lula pensa: "Seria um desastre ter prévia no PT em São Paulo", disse em entrevista recente, lembrando que o sistema acabou se transformando em trauma para o partido, pois, toda vez em que as prévias foram realizadas, houve enorme dificuldade para juntar o partido e reunificar a base.

"Com a disputa no nosso campo, as prévias oferecem munição para o adversário", é o diagnóstico que predomina na corrente majoritária, que joga uma cartada decisiva nas próximas eleições municipais para tentar tirar do PSDB o domínio da prefeitura paulistana, o que abriria caminho para um projeto mais ambicioso: derrotar os tucanos no governo de São Paulo.

Lula tomou a si a tarefa de dar esse salto qualitativo no poder petista e está negociando em diversos setores para montar uma aliança política forte para Haddad.

Um dado fundamental nesse jogo de xadrez paulista é o PMDB do vice Michel Temer, que surge como provável sucessor de Orestes Quércia no controle regional do partido.

Lula está empenhado em fazer um acordo com ele, mas esbarra na estratégia do PMDB de ter candidato próprio à prefeitura.

Com a ida do deputado federal Gabriel Chalita para o seu partido, Temer ficou com um trunfo político importante e já provoca a ambição do governador Geraldo Alckmin, que se aproximou dele homenageando Quércia com o nome de uma ponte.

Se depender de Alckmin, uma aliança com o PMDB para apoiar Chalita não seria má opção, muito ao contrário. Chalita foi seu secretário e saiu do PSDB, primeiro para o PSB e depois para o PMDB.

No PSB, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, patrocina acordos com o PT de Lula. No PSDB, o ex-governador José Serra não tem Chalita como um dos seus.

Mas, se Serra não aceitar mesmo concorrer à prefeitura, perderá muito das condições políticas para impor um candidato seu, como parece ser o caso do ex-secretário Andrea Matarazzo.

Os pré-candidatos do PSDB estão namorando as prévias, mas a atuação de Alckmin será fundamental para uma decisão consensual que pode levar ao apoio de candidato de outra legenda, como Chalita.

Da mesma maneira que Gilberto Kassab, então no DEM, acabou sendo apoiado pelo então governador José Serra, para derrotar Alckmin.

Sinal de crise que não se acaba.