sábado, julho 30, 2011

Refrescar a indústria Míriam Leitão

- 30.7.2011


A indústria aguarda para a semana que vem um anúncio do governo, mas sabe que qualquer que seja o desfecho do embate entre os ministérios não há muito o que esperar da política industrial. Não haverá a reforma tributária, os encargos trabalhistas não serão reduzidos, a infraestrutura não será melhorada a curto prazo. Negociam algumas medidas que ajudem certos setores.

O que fazer com o setor de ar-condicionado, por exemplo? O presidente da CNI, Robson Andrade, disse que hoje 90% dos produtos vendidos estão vindo da China e que a indústria está acabando no Brasil. Os dados mostram que as importações saíram de US$ 106 milhões em 2002 para US$ 697 milhões em 2010, só desse produto, um aumento de 550%. O déficit hoje é dez vezes maior do que era:

— O pior é que a indústria brasileira cumpre normas ambientais que não são exigidas do produto estrangeiro.

Robson acha que levantar a licença automática já permitiria separar o joio do trigo. O joio seria produto de triangulação ou que não respeita padrões locais. Ele garante que não quer protecionismo, mas esse tipo de entendimento sobre a necessidade de cada setor.

Com um genro chinês, que é pai de dois dos seus três netos, o novo presidente da CNI brinca que não tem nada contra o país em si, e entende que as importações de lá estão ajudando a modernizar as máquinas e equipamentos usados pela indústria brasileira. O problema, segundo ele, é a incapacidade brasileira de enfrentar os velhos gargalos.

A política industrial setorial pode refrescar um ou outro setor, mas o que realmente resolve são as mudanças não feitas, como a prometida desoneração da folha salarial. O ministro Guido Mantega pediu que os empresários se pusessem de acordo sobre que nova fonte de arrecadação poderia substituir os atuais encargos trabalhistas. Não foi possível, porque há interesses conflitantes entre setores. Certas propostas que agradam uns desagradam outros.

Robson Andrade diz que um dos pedidos mais objetivos que tem feito é o da desoneração do investimento:

— Os créditos do IPI, PIS e Cofins são aproveitados em 12 meses; o ICMS, em muito mais tempo ou, em alguns estados, nunca. E isso tem um custo, paga-se o imposto no investimento, e o desconto é num tempo longo.

Há setores empresariais que estão em conflito aberto, como a siderurgia e a mineração. Esta semana eu entrevistei o novo presidente da Vale, Murilo Ferreira, no meu programa na Globonews. Ele defendeu a decisão de investir em siderurgia como forma de garantir mercado para o minério de ferro da Vale dentro do Brasil.

— Tínhamos 70% do mercado interno de fornecimento de minério de ferro para a siderurgia, hoje temos 50% e te garanto que em 2014 teremos 29%. O ciclo mundial está favorável ao minério de ferro, mas sei que o mundo é feito de ciclos altos e baixos. A melhor coisa que a Vale pode ter é um mercado cativo para o fornecimento do seu minério — disse Murilo.

No setor de siderurgia, o argumento é que havia competição entre mineradoras no Brasil até que a Vale comprou a Samitri, Samarco, Ferteco, Soicomex, MDR. Aí virou um quase monopólio. As siderúrgicas começaram então a entrar em mineração. A CSN já tinha a sua Casa de Pedra. A Usiminas comprou jazidas perto de Betim. A propósito: ao contrário do que parece, ainda é em Minas que a Vale tira a maior parte da sua produção, e não em Carajás. Outras siderúrgicas estão também entrando em mineração e dizem que fazem isso numa atitude defensiva, para não ficarem na mão da Vale. O problema é como transportar o minério. A Agência Nacional de Transportes Terrestres acaba de baixar uma resolução que dá muito mais do que o direito de passagem, entende que os trilhos são da União. Então bastaria à Usiminas ter uma locomotiva. Está formado o conflito. A Vale, por sua vez, está investindo em siderurgia apesar de haver 530 milhões de toneladas de aço de capacidade ociosa mundial e de ela mesma ter vendido seus investimentos siderúrgicos tempos atrás. Murilo Ferreira nega que esteja fazendo esse movimento para atender a uma pressão do governo.

Bem menos convincente é sua explicação para a presença da Vale na polêmica hidrelétrica de Belo Monte:

— Não participei dessa decisão. Foi na administração anterior. Mas conversei com o departamento de meio ambiente e de energia e todos eles me disseram que os estudos indicavam o ingresso da Vale no grupo. Conversei com meus colegas das diversas áreas e posso lhe assegurar que a decisão foi tomada com base em pareceres técnicos.

Coincidentemente, todos os dois movimentos — entrar em siderurgia e no consórcio de Belo Monte — foram pedidos feitos pelo governo.

A economia chega na semana em que será, possivelmente, anunciada a nova política industrial com empresas privadas se comportando como se fossem estatais e a representação industrial sabendo que não adianta pedir aquilo que realmente precisa: uma reforma tributária, a desoneração da folha, investimentos maciços na infraestrutura.