FOLHA DE SP - 3107/11
Programa econômico da presidente é cada vez mais marcado por intervenções do governo no mercado
AOS POUCOS, mas de modo decisivo, Dilma Rousseff adota políticas que faz uns 20 anos estão no programa de economistas "mais à esquerda", "desenvolvimentistas", "dirigistas", "heterodoxos" etc.
A intervenção no mercado de derivativos cambiais é, claro, a mais recente das derivas "heterodoxas".
O governo não apenas criou um imposto mas se atribui o poder de regular volume, prazo e tipos de instrumentos de transações cuja referência é a moeda estrangeira.
Na prática, o governo assumiu a direção desse mercado; pode tabelar ou regular preços dos negócios.
Trata-se da medida mais importante do setor desde 1999, quando o câmbio deixou de ser quase fixo para se tornar mais ou menos flutuante. A respeito das "heterodoxias", lembre-se ainda de outras como:
1) o governo limita o fluxo de dólar por meio do imposto sobre investimentos financeiros do exterior;
2) o governo passou a intervir ainda mais nos preços de combustíveis;
3) a política monetária mudou: além de gradualista, considera que, no combate à inflação, a taxa de juros pode ser substituída por meios administrativos de controle do crédito, ao menos em parte;
4) a taxa "básica" de juros do BNDES, em termos reais, é zero (para grandes empresas);
5) não há um programa, explicitado ao menos, de longo prazo para conduzir a dívida pública e a meta de inflação a níveis decentes.
O ativismo de Dilma vai além. Seu governo quer sacramentar a prática reinaugurada nos tempos lulianos de organizar grandes empreendimentos em associação com grandes empresas. Oferece subsídios e parcerias estatais (como no caso do trem-bala e de certas hidrelétricas), de resto sem contrapartidas. Organiza e subsidia a formação de conglomerados e oligopólios.
É verdade que a empresa brasileira raramente se aventurou em empreendimentos grandes e novos sem o amparo do Estado, um problema para o desenvolvimento do país. Mas quais são as medidas para desmamar o empresário nacional?
Como se pode notar, gradualmente o regime de política econômica viajou para outro planeta: acidentalmente desde Lula 2 e, agora mais programaticamente, sob Dilma 1.
No dia a dia, o que mais chama a atenção nesse modus operandi é que a política econômica tem uma quantidade cada vez maior de objetivos e metas picotadas; por vezes, aparentemente incompatíveis.
O governo acha que pode conter a inflação dando impulso ao aumento do investimento no curto prazo sem reduzir o consumo do governo e deixando correr algo solto o consumo privado ("das famílias").
Note-se que o crescimento dos empréstimos do BNDES está ainda em ritmo de boom.
O governo quer reduzir a inflação e ao mesmo tempo espera produzir alguma desvalorização do real.
O governo quer reduzir impostos sobre empresas empregadoras de muita gente e exportadoras, mas não tem caixa, pois gastou além da conta em 2010, ao menos.
O governo se preocupa com o real forte e as avarias que isso causa na indústria. Mas o real é vitaminado pelos juros altos, que assim ficarão por um bom tempo, pois o combate à inflação é gradual e prejudicado pela demanda ainda aquecida, com apoio do governo.
É um malabarismo notável.