Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 29, 2009

Tempestade no deserto


Estouro da bolha imobiliária faz o governo de Dubai anunciar a moratória no pagamento de suas dívidas. Mas a crise não deverá minar a transformação do emirado na meca do turismo no Oriente Médio


Giuliano Guandalini

Bjoen Goettlicher/TCS/ Zuma Press

FALTOU DINHEIRO
Pregão na bolsa de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos: dívida de 80 bilhões de dólares


Partiu do Oriente Médio, na semana passada, a lembrança de que a economia mundial ainda não se recuperou por completo de sua mais acerba crise financeira em oito décadas. O governo de Dubai anunciou a seus credores a intenção de suspender, por ao menos seis meses, o pagamento da dívida da Dubai World, a gigantesca estatal do emirado que está por trás de alguns dos mais arrojados projetos imobiliários do planeta – entre eles as Palm Islands, um complexo faraônico de três ilhas artificiais no Golfo Pérsico onde estão sendo construídos milhares de mansões, além de uma centena de hotéis, parques de diversões e shoppings. Um eventual calote de Dubai teria consequências sentidas em todo o mundo financeiro. Isso porque bancos europeus já combalidos, principalmente os ingleses, aparecem entre os principais credores do emirado e teriam de registrar novas e expressivas perdas. Daí a queda nas bolsas de valores na semana passada. A moratória, se confirmada, ocorrerá em um momento em que os países do Golfo Pérsico davam sinais de recuperação, depois de terem sentido os efeitos da desvalorização do petróleo. Dubai, no entanto, sofreu com o estouro de sua própria bolha (o preço dos imóveis caiu pela metade desde o início do ano) e passou a ter dificuldades para encontrar quem bancasse o seu ritmo delirante de investimentos.

Ao contrário de seus vizinhos, Dubai não é rico em petróleo (a exploração desse recurso mineral representa apenas 2% de seu PIB). Por isso o emirado, um dos sete que compõem os Emirados Árabes Unidos, procurou diversificar sua economia. Primeiro, deu incentivos fiscais ao comércio e à instalação de empresas em parques industriais. Mais recentemente, lançou-se como o principal centro financeiro da região, ao mesmo tempo em que buscou se transformar na meca do turismo nas Arábias. A estratégia deu certo, e o emirado passou a crescer velozmente. O salto veio depois de 2002, quando o governo, controlado hoje pelo xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum (veja o texto ao lado), concedeu autorização para que estrangeiros fossem proprietários de imóveis no emirado.

Dubai, no entanto, contraiu empréstimos em excesso para erguer obras mirabolantes. Suas dívidas alcançam 80 bilhões de dólares, soma equivalente ao tamanho de seu PIB. Desse total, a maior parte (60 bilhões de dólares) pertence à Dubai World, que, além dos investimentos imobiliários no próprio emirado, controla as operações do lucrativo porto no golfo e participa de projetos no exterior – é sócia da CityCenter, em Las Vegas (veja mais). O grande temor dos investidores internacionais é que Dubai protagonize um calote à moda argentina. Até sexta-feira, imperava a absoluta incerteza a respeito de como se daria a reestruturação da dívida. A expectativa é de que o resgate financeiro saia dos cofres de Abu Dhabi, emirado rico em petróleo e dono do maior fundo soberano do mundo, com uma carteira de investimentos que soma mais de 600 bilhões de dólares, parte deles em Dubai. Mas os xeques de Abu Dhabi relutam em bancar mais uma vez a prodigalidade de seus vizinhos. Será a ruína de Dubai? Provavelmente não. O emirado é mais liberal que outros países da região e se localiza em uma faixa menos conturbada do Oriente Médio. Além disso, boa parte de seus empreendimentos já foi vendida e está concluída. Tão logo corrija seus excessos, deverá continuar a representar um oásis para investidores e turistas às margens do explosivo Golfo Pérsico.


O xeque e sua bolha

Reuters

O PRIMO PRÓDIGO
Xeque Mohammed Al Maktoum: duas esposas, dezenove filhos e 16 bilhões de dólares


O esplendor de Dubai deve-se em grande parte a um único homem. Fã de corridas de camelos, o xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum, de 60 anos, antes mesmo de ascender ao trono, em 2006, havia concentrado esforços em transformar o emirado numa espécie de Nova York do Oriente Médio, mas com arquitetura ao estilo de Las Vegas e marinas que emulam Mônaco. O monarca, que descende da linhagem que domina a região desde 1833, possui hoje um patrimônio pessoal estimado em 16 bilhões de dólares. O xeque tem duas esposas, dezenove filhos – e mais de 100 000 seguidores no Facebook e no Twitter. Em uma região onde o poder secular se mistura com o religioso, governa Dubai como uma autocracia que se pretende democrática. Prova disso é que, apesar da faceta progressista, seu governo ameaçou com pesadas multas quem fizesse menção às consequências negativas da crise para o emirado. Em reunião recente com investidores, o monarca foi questionado sobre a saúde das finanças de Dubai e a suposta deterioração das relações com o primo rico, Abu Dhabi. A resposta do xeque foi um sonoro "Calem a boca".

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