domingo, dezembro 31, 2006
FERREIRA GULLAR De tédio não morreremos
O BRASIL é, sem dúvida, um país especial, e não me refiro apenas a sua natureza, mas, principalmente, a seu povo, isto é, nós. García Márquez, certa vez, nos definiu como um país "grande e sensato". Sensato? É, pode ser, partindo a observação do criador de Macondo, a cidade onde tudo acontecia cem anos depois que nas outras cidades e onde nascia gente com rabo de porco. Mas donde viria essa impressão de sensatez? Talvez, quem sabe, de nosso relacionamento cordato com os países vizinhos, de nosso temperamento avesso ao passionalismo do tipo espanhol. Viria da herança lusitana, do pragmatismo português? A verdade é que a imagem que o mundo tem de nós é mais do país do futebol e do samba do que de um povo de brado heróico e retumbante.
O Brasil pode não ser retumbante, mas é surpreendente. Se é verdade que ainda não nasceu aqui ninguém com rabo de porco -pelo menos que eu saiba-, não há um dia em que não se descubra alguém que, parecendo nem rabo ter, revela-se com o rabo preso em alguma ratoeira. Foi o caso do deputado petista Juvenil Alves, o mais votado de Minas Gerais, eleito com o apoio da Igreja Católica. Advogado tributarista, Juvenil, amigo do arcebispo Walmor, era até então considerado um exemplo de cidadão íntegro e devoto. Pois, para surpresa geral, foi levado algemado por agentes da Polícia Federal, sob a acusação de chefiar uma quadrilha que desviou, dos cofres públicos, perto de um bilhão de reais.
Esse foi um susto recente, mas por muitos sustos já havíamos passado nas últimas décadas. Lembram-se do presidente Collor, eleito como moralizador e inesperadamente denunciado como corrupto pelo próprio irmão? E dos escândalos de 2005, quando, para espanto do país, o deputado Roberto Jefferson, aliado de Lula, denunciou o mensalão em entrevista a este jornal, lembram-se? Não por acaso foi então apelidado de "homem-bomba", já que se fazia explodir a si e ao governo que seu partido apoiava, deixando todos nós estarrecidos.
Por isso costumo dizer que de tédio não morreremos e que, mais facilmente, podemos morrer de susto. Se comparássemos a vida brasileira a um filme, o diretor não seria Hitchock, porque estamos mais sujeitos às surpresas do que aos suspenses. Suspenses há também, como decorrência dos sustos, mas são, quase sempre, decepcionantes, como foram, por exemplo, as CPIs, constituídas para apurar os escândalos mencionados. Pouquíssimos foram os mensaleiros cassados e os que o foram, como José Dirceu, foram por conveniência, como bodes expiatórios, para salvar a situação. Tão assustado quanto nós -mas não por de nada saber, e sim por de tudo saber e ter sido pego de calças nas mãos-, Lula tratou de se livrar de todos aqueles que podiam lhe comprometer a reeleição. Por isso foram também expulsos de cena Delúbio Soares e José Genoino, mas, todos eles, como Dirceu, continuaram a atuar pela "causa", clandestinamente. Enfim, os suspenses, aqui, terminam sempre em pizzas.
E mal tinham sido servidas as pizzas de 2005 e já alguns aloprados do PT eram presos em flagrante, no momento em que iam comprar um dossiê fajuto, por R$ 1,7 milhão. Mal dava para acreditar naquela montanha de cédulas que os jornais estamparam. E mais inacreditável ainda é que os petistas, flagrados com a maleta de dinheiro, dizem não saber como aquela grana apareceu ali! Já nós, leitores, não damos uma sorte dessas, não é mesmo?
E o apagão aéreo? Começou com a queda do Boeing da Gol, depois a operação padrão que denunciou o descontrole do sistema de controle aéreo do país. Os técnicos são poucos e ganham mal. Quando parecia que a situação se regularizara, uma pane num equipamento de controle restabeleceu o caos nos aeroportos. E logo em seguida, um novo susto: soube-se que não há no Brasil um só técnico que entenda do equipamento que entrou em pane; só não ocorreu o pior porque, por sorte, estava no país um técnico francês capacitado. E mais: revelou-se que, por três vezes, aviões de passageiros quase se chocaram no ar, passando a uma distância mínima um do outro...
Isso, nos céus, porque há sustos que ocorrem no chão: a presidente e o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal foram assaltados na Linha Vermelha, ameaçados, roubados e deixados a pé, na escuridão da via expressa. Ela, a ministra Ellen Gracie North, chefia um dos três poderes da República. E para fechar os sustos do ano, o Congresso pizzaiolo tentou mais que dobrar os ganhos de seus membros. Apertem o cinto que 2007 vai levantar vôo!
ELIANE CANTANHÊDE Lula herda Lula
No primeiro mandato, esfarrapou-se a fantasia nacional de que o PT era mais puro, mais honesto e vinha para mudar. De outro lado, ruiu o discurso de tucanos, de pefelistas, do mercado e dos investidores sobre o "risco-Lula", que vinha para mudar -mas para pior.
Perdeu o PT, ganhou Lula. Tudo o que havia de ruim foi devidamente repartido entre o partido e a "herança maldita": crise ética, ineficiência administrativa, aparelhamento do Estado. Lula não sabia, não tinha nada a ver com isso.
Tudo o que sobrou de bom foi indevidamente concentrado no presidente: a ampliação do Bolsa Família para 11 milhões de famílias, o lucro recorde dos bancos, a estabilidade da economia. Disso, Lula sabia. E tinha tudo a ver.
Poderia ter sido o contrário: Lula culpado pelas crises, pela falta de planejamento, pela festa dos bancos, enquanto FHC incensado pela estabilidade e o sucesso das bolsas de transferência de renda. Mas não foi. A crise de energia de 2001 virou "apagão do FHC", mas a crise aérea de 2006 não foi "apagão de Lula". É que nada de ruim cola em Lula, que tem história, lábia, estrela -o que não acaba no segundo mandato.
Em Brasília, Lula reinando absoluto. Nos Estados, os tucanos Aécio Neves e José Serra consolidando (e disputando) a fama de gestão e competência, e os petistas Marcelo Déda e Jaques Wagner despontando no horizonte sem-Lula do PT.
Se 2006 foi o ano da ética, das balas e das malas perdidas, 2007 precisa ser o do desenvolvimento sustentado, o que implica ação enérgica do Estado nas áreas que são do Estado e pesados investimentos em infra-estrutura. Lula sabe e manifesta isso. Fazer é que são elas.
JOÃO UBALDO RIBEIRO O ano da mágica
Houve um tempo em que o réveillon era conhecido também como ano-bom, mas acho que décadas e mais décadas de experiência nos levaram a abandonar gradualmente a expressão, a ponto de os jovens talvez nem a conhecerem.
Desta vez, contudo, encaro este teclado com a missão autoconferida de passar uma mensagem de otimismo e confiança e tentar levantar nosso ânimo. Vocês podem pensar que estou sendo irônico, mas garanto que não, pois a verdade é que preferia que todos os domingos fossem alegres e despreocupados, inclusive nesta coluna. É difícil, como acho que vocês imaginam. Cronista, colunista, articulista, o que lá seja, depende muito do que acontece.
E o que acontece a gente lê na imprensa noticiosa e vê na televisão: é só ladroagem pra lá, vigarice pra cá, tiros alhures, seqüestros algures e desgraças sortidas.
A primeira constatação otimista, que forneço com prazer, é que continua funcionando o esquema de dividir o tempo em fatias como semanas, meses e anos. É uma beleza porque não quer dizer nada em si, mas sempre proporciona a oportunidade para que a gente finja recomeço e renovação.
E outra coisa que quero sublinhar é que o ano já passou e que vai começar outro. O fingimento tem que dar certo. O que passa devagar, já sabiam os antigos, é o dia. Ano passa depressa, o dia é que passa lentamente, sobretudo nas ocasiões em que precisamos, como presumo que aconteça com todos nós, dedicálo a atividades e providências que nos tiram o sossego ou a paciência.
Pronto, 2006 se prepara para se tornar apenas uma lembrança, e podemos apagar o que de ruim aconteceu nele. Ano-novo, vida nova, a começar pela posse do homem amanhã.
Ele já tinha dito que 2006 havia acabado e proclamou diversas vezes que o país está pronto, arrumadinho para o crescimento. Agora nos resta, nos momentos de folga em que não estejamos gastando os generosos salários que doravante nos pagarão, pegar uma espreguiçadeira, esticá-la na varanda e assistir ao espetáculo do crescimento. Não estamos acostumados a isso e deve ser uma beleza, bem melhor do que os fogos que soltam no Rio e pelo Brasil afora.
Espero que o espetáculo engrene logo em Itaparica, aonde, Deus sendo servido, deverei ir em janeiro. É bem verdade que tenho algum receio de entrar num avião no Brasil, sentimento que antes não me afligia. Viajar de avião está ficando cada vez mais complicado, mas é derrotista e pessimista e detrator do Brasil aquele que diz que essa confusão não é normal, como o governo cansa de explicar a quem passou dois dias e duas noites no aeroporto, com a roupa do corpo e as malas em Bombaim, devido a um pequeno engano, também perfeitamente natural. Além disso, é público e notório que o homem deu ordens para a confusão acabar e, como sempre, as ordens dele consertarão tudo.
Vocês vão ver como, a partir da posse, ele poderá dizer, com toda a certeza coberto de razão, que desde Cabral não se voa tão bem neste país.
Há também os que não acreditam que o governo que agora sai e entra de volta na mesma hora traga alguma mudança substancial para o país. Estão sendo iludidos, provavelmente por artes das elites e de seus mercenários da mídia a serviço de interesses escusos (uso este adjetivo porque, mero soldado raso da mídia, nunca se dignaram a me dizer a que interesses devo servir ou estou servindo ingênua ou burramente; aí, como não faço idéia de que interesses são, digo que são escusos porque qualquer coisa pode ser encaixada aí, a depender da vontade do freguês).
Esquecem que antes havia a herança maldita do governo anterior e que quatro anos não dão para nada, sendo necessários mais quatro, com alguns já sugerindo nova esticada em 2010. Por enquanto não pode, mas, com o Congresso progressista, moral e politicamente inatacável de que dispomos, não é de todo impossível que venhamos a ter neste país o melhor presidente vitalício que a história do mundo já viu. Já pensaram? Se o homem já foi o melhor presidente desde Tomé de Souza com apenas quatro anos de governo, imaginem com todo o resto de sua vida. Noto que choro ao contemplar tal hipótese, mas claro que deve ser choro de emoção cívica e amor ao Brasil, claro que é.
Outros derrotistas e agentes das malvadas elites alegam que o país não pode crescer porque não investiu nada em infra-estrutura. As estradas estão em petição de miséria, o transporte ferroviário é insignificante, portos precisam melhorar. Além disso, não haveria energia suficiente para sustentar um crescimentozinho de quatro por cento ao ano. Tudo bobagem, toda hora desmentida por alguma autoridade. Deve ter sido por acreditar piamente nisso que já estão anunciando uma espécie de racionamento do gás de uso doméstico, caso o crescimento atinja os níveis astronômicos do Haiti, que, por enquanto, vai deixando a gente na lanterna. Ou seja, o governo diz que não há problemas de geração e distribuição de energia e também diz que há a possibilidade dessa “regulagem” no gás que nós, o povo, consumimos.
Não entendi direito e imagino que pelo menos alguns de vocês também não, mas isso não justifica desconfiança, o pessoal sabe o que está fazendo, como vemos a todo instante.
Enfim, acho que podemos botar fé.
Não vamos escutar os que dizem que teremos sorte, se crescermos um pouquinho acima de três por cento no entrante ano. Estão errados, as mudanças não cessam. Por exemplo, o dr. Delfim Neto, craque da economia durante a ditadura e natural aliado de tudo o que o presidente sempre pregou, voltou. O crescimento do bolo está, pois, garantido. Quanto a nos darem um pedaço dele, é só a gente abandonar o emprego e arrumar uma bolsa-família esperta. A vida nunca foi tão fácil, neste país.
Merval Pereira A ação das milícias
As milícias ocupam “esse vazio, inserindo-se no contexto da ‘lei de fato’ que existe nas comunidades, onde a ordem é mantida, a segurança das famílias e a propriedade defendida com ações e critérios que correspondem a um estágio civilizatório que o Brasil julgava ter superado, há muito tempo, mas que, de fato, não superou, nessas áreas pelo menos”.
A situação remete “à autodefesa, à mobilização de cidadãos armados para defender suas famílias e outras imagens do Velho Oeste”. Alfredo Sirkis define as milícias como uma ação de “policiais que moram nessas comunidades ou em áreas vizinhas e, junto com outros moradores que não agüentam mais os desmandos das facções criminosas”, resolvem “equacionar” a carência de uma presença militar permanente nessas comunidades “que uma polícia ‘de bico’ com escala de 24 horas de trabalho por 72 horas de folga dificilmente terá condições de garantir”.
Ele admite que as milícias “são uma faca de dois gumes e tendem a se desdobrar em uma estrutura do tipo mafioso, mas neste momento é o que tem funcionado num numero crescente de comunidades que querem se ver livres dos baronatos da cocaína e das AR-15”. Para o prefeito Cesar Maia, as ações tiveram “um foco claro e definido: policiais, postos policiais, delegacias, quartéis.
Uma ocorrência trágica com um ônibus interestadual só se explica pelo fato de os bandidos estarem drogados”.
A razão seriam os grupos paramilitares que têm ocupado comunidades onde antes imperava o tráfico de drogas.
“Seu motor de auto-estima e motivação é expulsar radicalmente o tráfico e o consumo de drogas nessas comunidades.
Não há necessidade de dizer que sua permanência passa a ser desejada pelas comunidades”, analisa Cesar Maia. E, nesse raciocínio, para que haja interesse deles na permanência, os paramilitares “vão além dos pequenos pedágios e passam a cobrar outros tipos de pedágio do comércio, passam a controlar vans e kombis, cobrar uma taxa pelo gás, pela TV a cabo, etc... Estima-se que com isso elevem seus ganhos mais ou menos dez vezes em relação a seus salários”.
O prefeito diz que “a facilidade com que deslocam os traficantes mostra que não é por nenhuma razão sofisticada (inteligência policial, investigação) que os traficantes não são reprimidos. A razão é uma só: renda. Ou motivação profissional”. Cabe ao governo, segundo ele, dar “respostas práticas em curto prazo, direcionadas a ampliar a percepção de proteção por parte da população. Isso só se consegue aumentando muito o policiamento ostensivo. Isso se faz aumentando a jornada e substituindo o bico fora pela jornada maior, dentro”.
O professor de História Contemporânea da UFRJ Francisco Carlos Teixeira acha que um dos objetivos dos atentados é “paralisar a expansão de milícias paramilitares e paralegais que, através da cobrança de uma ‘taxa de segurança’ — no mais imposta por duros atos de violência —, estão substituindo o poder público constituído enquanto garantia de ordem e segurança cidadã”. Mas ele questiona “se é possível crer na emanação de segurança de um ato de violência originada para além da violência reguladora e normativa, que deveria ser monopólio exclusivo do Estado”.
Para ele, a ação de milícias e cartéis “caracteriza classicamente uma ameaça ao estado de direito sob o regime representativo existente, o que configura imperiosamente tais ações como ato político”.
Ao contrário do prefeito, o professor não vê no caso da morte dos sete passageiros do ônibus incendiado um desvio do objetivo central, mas “um ato político baseado no uso de extrema violência visando questionar atos, preceitos e o ordenamento do Estado”, o que caracterizaria “um ato de terror”.
Os alvos dos atentados teriam explicações dentro dessa lógica terrorista: “de um lado, as vítimas imediatas, transeuntes, passageiros do sistema de transporte coletivo ou simplesmente pessoas escolhidas ao azar — caracterizando claramente a busca do ‘efeito psicológico do terror’ ou, conforme Jean Paul Sartre, ‘a mística do terrorismo’ (‘onde ocorrerá o próximo ataque?’, espalhando a sensação de insegurança e medo no conjunto do tecido social — alma da ação terrorista)”.
Também são vítimas representantes do Estado “e, neste caso, para além da mística do terror, impõe-se uma ação de paralisia do poder público, num confronto aberto entre uma violência não sancionada pelo ordenamento jurídico do país e as condições de reação do Estado baseada no monopólio da violência”.
Para o professor Francisco Carlos Teixeira, “trata-se de um aviso prévio ao poder público, ante uma série de decisões tomadas pelos novos governantes visando a combater o crime organizado (acordos interestaduais, nomeação de delegados federais, reorganização administrativa e financeira, etc)”. Seria uma chantagem, visando convencer o poder público de que é mais barato politicamente tolerar o crime organizado nos seus nichos do que oferecer um real combate.
Apesar de tudo, feliz 2007 para todos.
CLÓVIS ROSSI Uma ficção chamada Lula
SÃO PAULO - Almocei um dia, em Havana (Cuba), com o presidente da Casa das Américas, centro cultural do governo. O nome dele me escapa agora. Na União Soviética, eram tempos das reformas que pavimentaram o caminho para o fim do comunismo.
Perguntei ao funcionário cubano se seu país, por gosto ou por necessidade, não acabaria fazendo reformas idênticas. Resposta: "Durante 70 anos, nos disseram que a VERDADE era uma.
Agora, a VERDADE é outra. Quem nos garante que, amanhã ou depois, não nos venham a dizer que valia a VERDADE original?".
Lógica perfeita, ainda que desse margem a meio século de polêmica semântico-sociológica que não levaria a lugar nenhum.
A frase do funcionário cubano me volta à mente cada vez que vejo as reviravoltas nos amores e idéias de Luiz Inácio Lula da Silva. A mais recente delas foi a confissão de que mentiu durante toda a vida como dirigente sindical. Ou, como ele prefere, viveu (e ganhou prestígio) em função de uma ficção.
A frase integral é esta: "Na verdade, o salário mínimo era uma peça de ficção para discurso nosso no dia 1º de maio".
Se criou uma ficção para fazer carreira antes, quem pode garantir que tudo o que disse e fez depois de chegar ao poder não é também uma ficção, o que talvez venha a ser reconhecido lá na frente? Os comunistas pelo menos levam uma vantagem sobre Lula: em lugar da VERDADE original, puseram outra VERDADE (suposta ou real, não dá para discutir aqui e agora).
Lula, ao contrário, não pôs nada, rigorosamente nada, no lugar da ficção de fazer discurso pelo salário mínimo.
A não ser o "maior prazer", como também confessou no mesmo dia, de vetar um reajuste mais suculento para os aposentados. A ficção pré-poder era mais digna que a nova verdade lulista.
sábado, dezembro 30, 2006
COMO LULA QUER SER LEMBRADO?por Paulo Moura, cientista político
A pergunta-título desse artigo integra o rol de interrogações que políticos, jornalistas e analistas se fazem quando observam governantes em final de mandato. Lula conquistou a reeleição e, ao que tudo indica, tem sua estratégia política e de marketing com a qual pretende marcar seu novo período de governo. FHC foi o primeiro caso de reeleição democrática de um presidente no Brasil. Considero suas três grandes realizações a política de estabilização monetária, da qual faz parte inseparável a Lei da Responsabilidade Fiscal, e a privatização das telecomunicações. Sua marca mais forte é o Plano Real e o fim da inflação, obra sujeita à expropriação por Lula, que vem se gabando de ter estabilizado a economia. Considero o maior erro de FHC, e sua dívida política com os brasileiros, o abandono da Reforma do Estado, que ele trocou pela busca da reeleição às custas de um desgaste de imagem da qual não vai mais se recuperar. A imagem residual do governo FHC é ruim. As pesquisas atestam que o povo vê as privatizações como sinônimo de corrupção e considera o governo FHC pior do que o de Lula. As pesquisas do início do segundo mandato de Lula indicam popularidade alta. Segundo o Ibope, 71% dos brasileiros nutrem expectativas positivas em relação ao segundo mandato de Lula. No artigo “Governo Lula II: de onde vem tanta popularidade?”, publicado dia 21/12, atribuí ao projeto bolsa-família grande parte da imagem positiva do governo Lula. Paralelamente, ao se beneficiar da valorização do Real que permitiu a recuperação parcial do poder de compra da população, corroído pela desvalorização da moeda praticada por FHC no início de 1999, foi a satisfação da expectativa de que o PT no poder “faria pelo social” que alavancou a reeleição de Lula. Do ponto de vista do interesse nacional há uma agenda de reformas estruturais pendente para que o país possa se inserir de forma competitiva na economia globalizada. Modernização da gestão pública; novas privatizações e extinção de órgãos público com duplicidade de funções; Reforma Tributária; Reforma Sindical e Trabalhista; Reforma da Previdência; Reforma Política e revisão do pacto federativo, aumentando a autonomia política, administrativa e financeira de municípios e estados em relação à União, dentre outras, integram a pauta dessa agenda. Pelo que se percebe a partir de declarações e atitudes do presidente, talvez apenas uma insuficiente Reforma Tributária faça parte da agenda de Lula. No balão de ensaio lançado à mídia, o governo pretenderia criar o IVA, que substituiria uma cesta de tributos que incide sobre a produção por um imposto que incide sobre o consumo. O projeto de Reforma Tributária hoje em tramitação no Congresso prevê apenas a simplificação das alíquotas de ICMS, que seriam reduzidas a 5, em detrimento das 27 alíquotas existentes nos estados hoje. A criação do IVA está em consonância com os modernos sistemas tributários existentes no mundo desenvolvido. Se é que o governo tem a intenção de criá-lo mesmo, convém alertar para o fato de que, toda a vez que os governos propuseram mexer nas leis sobre impostos, o resultado foi o aumento da carga tributária e da concentração da arrecadação nas mãos da União, na contramão do que se recomenda segundo as tendências de modernização do sistema tributário das economias mais competitivas. O presidente Lula já declarou abertamente que não vai fazer Reforma da Previdência, ainda que o rombo nas contas da Previdência seja a principal causa do déficit público, que os governos têm coberto com aumentos da carga tributária e política de juros elevados. A Reforma Política foi, na prática, sepultada pela decisão do Poder Judiciário, que declarou inconstitucional a cláusula de desempenho (erradamente chamada de cláusula de barreira pela mídia). Além disso, essa reforma padece do mesmo mal que a Reforma Tributária. Isto é, todo mundo se declara a favor, mas como sua aprovação implica em redistribuição de poder – e no caso da Reforma Tributária, redistribuição de recursos entre as unidades federadas -, na hora de elaborar o Projeto de Lei e botar a tramitar, o consenso se mostra impossível e o impasse se mostra inevitável. Ninguém quer perder poder e dinheiro. As reformas Sindical e Trabalhista são fundamentais para a modernização e aumento da competitividade da economia. Desde a Constituição de 1988 discute-se a necessidade de desvincular os sindicatos do Estado, acabar com o imposto sindical e liberar o direito de criação de mais de um sindicato por ramo industrial. Isso acabaria com os sindicatos cartoriais e abalaria o poder das corporações, cuja pressão política sobre o Estado produz a obtenção de vantagens para essa elite, em detrimento do investimento público em políticas infra-estruturais e de redução de pobreza. A Reforma Trabalhista visa reduzir os custos da contratação de trabalhadores e simplificar a legislação para permitir a redução do desemprego. Lula não vai afrontar as corporações sindicais, pela mesma razão que não pretende reforma a Previdência. Ele prefere preservar sua imagem e suas alianças com as corporações sindicais, que estão dentro do seu governo. Lula também não vai privatizar nem reduzir o tamanho do Estado e seu custo tributário para a sociedade. Certamente o governo petista não vai reverter privatizações, pois tal medida é financeiramente inviável. A menos que queira afrontar os agentes econômicos internacionais e imitar Evo Morales, que nos rouba a Petrobrás sem indenização. Pelo contrário, o que se viu foi Lula aumentar a carga tributária e o tamanho do Estado no primeiro mandato. Voltamos, então, à pergunta-título desse artigo. Lula adoraria fazer a economia crescer 5% do PIB ou mais nos seus quatro anos de mandato restantes. Impossível. As bases de sua política econômica não permitem que isso ocorra, a não ser sazonalmente, e o estrangulamento da infra-estrutura traria o caos dos aeroportos para outros setores envolvidos na matriz logística do país, que requer tempo e investimentos para ser modernizada. Resta, portanto, a Lula, investir na imagem de um presidente que fez pelo social. Para isto, basta-lhe manter as bases da política econômica que lhe viabilizou a reeleição e a ampliação da clientela do bolsa-família, do Prouni e de outros projetos com impacto social positivo sobre sua imagem. Trivial, variado e sem surpresas. Seu objetivo, não tenhamos ilusões, será, na carona dessa equação política e de marketing, construir um nome petista umbilicalmente ligado a ele para sucedê-lo no governo. |
A VOLTA DE QUEM NÃO FOI
Uma das características dos esquerdistas tacanhos (no sentido de velhacos) e ignorantes é de estar preso ao individualismo: Eu, Eu, Eu!. Os dessa classe estão apartados da coerência, isto é, de tarde dizem uma coisa e na manhã seguinte dizem outra completamente diferente. Um exemplo emblemático dessa “categoria” é o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
Quando surgiu o escândalo do dossiê envolvendo seus amigos íntimos, o presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) e ainda coordenador da campanha para reeleição Ricardo Berzoini, Lula, por puro oportunismo, os classificou de “aloprados”, a Berzoini coube como pena, deixar a coordenação e pedir licença da presidência do partido.
É claro que a Polícia Federal não quis encontrar provas que o incriminassem, haja vista que esse órgão é subordinado ao ministro da Justiça, Marcio Thomas Bastos, que por sua vez é o advogado criminalista que conseguiu, através de chicanas de porta de xadrez, impedir a apuração de todos os escândalos, a começar pelo envolvendo Waldomiro e José Dirceu, que ficou conhecido como “mensalão”.
Agora o “companheiro” Lula diz ao de novo “companheiro” Berzoini: “você tem o direito de voltar” e na maior cara de pau assim será feito, já que não se sabe a quem pertence o dinheiro (R$ 1,7 milhões) que está na Polícia Federal a espera do dono. Pois sim!
Tratam também do assunto Vera Rosa e Tânia Monteiro.
Leia em O Estado de São Paulo
Delúbio estava certo...COMEMORANDO EM LIBERDADE
Delúbio Soares esconde-se em Porto de Galinhas
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MERVAL PEREIRA - O que é terrorismo?
Mas, nestes tempos pós-modernos, conceitos e ideologias são muito mais fluídos.
Duas análises, ambas discordando da minha escolha, me parecem claras o suficiente para ampliar o debate.
O ex-secretário municipal Alfredo Sirkis, dirigente do Partido Verde, diz que os atos podem ser caracterizados como uma ação terrorista — ataque a população civil indefesa, com objetivo de semear pânico — e têm uma lógica política: pressionar o poder a agir ou a se omitir na direção dos interesses desses bandos armados (contenção das milícias, regalias carcerárias, o que seja).
Também o professor de História Contemporânea da UFRJ Francisco Carlos Teixeira afirma que estamos diante de um típico fenômeno de terrorismo.
“Na definição clássica — tanto nas ciências sociais como para orientação de organismos como a ONU ou a Home Security, nos Estados Unidos — consideramos terrorismo como o uso da violência visando a obrigar o poder público, grupos sociais, comunidades ou similares a fazer, ou deixar de fazer, algo da alçada pública”.
Há ainda a discussão sobre as milícias paramilitares que estão assumindo o controle de diversas áreas da cidade, expulsando os traficantes e “vendendo” proteção aos habitantes dessas áreas desprotegidas pelo Estado. Na contramão da maioria dos estudiosos e analistas, que criticam as milícias, e do próprio governador eleito do Estado do Rio, Sérgio Cabral, que promete combatê-las com a mesma ênfase com que combaterá os traficantes, vem da Prefeitura do Rio e seu grupo político uma visão do fenômeno que, se não deve ser classificada de conivente, pode ser entendida como complacente com a ação de tais grupos.
O prefeito Cesar Maia, em seu blog, diz que “os paramilitares são percebidos como grupos de autodefesa pelos moradores”. E anuncia que “neste momento, as milícias avançam sobre favelas como Dendê, Mangueira, Cidade de Deus, Morro dos Cabritos, S.
Bento (Pde. Miguel)... Os batalhões da PM próximos dão naturalmente cobertura a esta dinâmica”. O ex-secretário Alfredo Sirkis classifica as milícias de “anticorpos que a sociedade está produzindo”. Na verdade, os dois pretendem fazer apenas uma análise do fenômeno das milícias do ponto de vista da evolução da crise de segurança no Estado do Rio, e receitam a mesma solução: aumentar a presença de policiais nas ruas e nas favelas, ampliando a jornada de trabalho dos policiais e o policiamento ostensivo.
Já o professor Francisco Carlos Teixeira vê nas milícias a mesma ameaça ao estado de direito que os traficantes representam. Ele acha que funções do Estado estão, neste momento, sendo fortemente questionadas “tanto por milícias impositivas da violência não-regulada e não-sancionada como, obviamente, pelos cartéis e máfias formados pelo crime organizado”. As funções do estado de direito, sob regime democrático-representativo, estão, segundo sua visão, “sob forte ataque de entidades estranhas ao ordenamento jurídico de tipo constitucional”.
Na coluna de hoje vamos discutir a definição de terrorismo, para amanhã analisar o papel das milícias dentro da crise de segurança do Estado do Rio. Alfredo Sirkis lembra uma frase do ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, definindo a ação das Farcs — “São como os vikings, aquilo é seu modo de vida” — para dizer que aqui as facções criminosas têm a lógica do “modo de vida” bandido, mas, mesmo que seus objetivos não sejam a conquista do poder de Estado, nem por isso sua ação é menos política.
“Destina-se a conservar e autoreproduzir um modo de vida bandido (que já se expressa em uma cultura, com suas manifestações musicais e outras) e defender seus espaços de exercício do poder absoluto conquistados, suas favelas, sua fonte de renda, suas bocas de fumo”. Na sua análise, “vivemos hoje, em escala planetária, um processo de enfraquecimento do poder dos estados nacionais frente ao que um recente artigo na ‘Foreign Affairs’ caracterizava como ‘o novo medievalismo’.
Os baronatos do crime são uma ilustração disso. Não buscam o poder central — para que? — mas manter e consolidar a bárbara ditadura militar que exercem sobre as comunidades específicas que controlam”.
O efeito pratico dessa discussão, para Sirkis, seria a sociedade se convencer de que “estamos diante de um processo que é, sim, terrorista, político, insurgente (no sentido do desafio ao estado de direito, não no de almejar o poder central) e que caracteriza um conflito político-militar de baixa densidade, de novo tipo e que exige, como resposta, uma estratégia complexa, multidisciplinar, uma politerapia que vai do âmbito militar ao espiritual, passando pelo social, econômico, assistencial, micro-político, cultural”.
Também o professor Francisco Carlos Teixeira acha que “ao considerar como terroristas apenas aquelas entidades com um programa político elaborado — como antes do fim da Guerra Fria (1947-1991), reduz gravemente as características da Nova (des)Ordem Mundial, marcada, exatamente, pela existência das chamadas ‘Novas Ameaças’ — entre as quais destacam-se as máfias e o crime organizado de cunho transfronteiriço”.
Para ele, “a velha caracterização de terror — dos narodnics russos do século XIX até os grupos radicais marxistas Baader-Meinhoff, Brigadas Vermelhas; do extremismo fascista ou dos Movimentos de Liberação Nacional — não pode ser aplicada às novas condições mundiais. Não reconhecer a nova face do terror implica não se tomar as medidas necessárias, no tempo necessário que ainda nos resta”. (Continua amanhã)
FERNANDO GABEIRA Governo e primos no aeroporto
Somos todos os caras de cima, que deveriam estar fazendo alguma coisa para domar o caos
PASSEI O último dia de trabalho no aeroporto de Brasília. Um fim digno do ano. Foram seis horas de espera. Supus que poderia terminar "O Paraíso na Outra Esquina", um romance de Vargas Llosa sobre Flora Tristan e seu neto, Paul Gauguin. Ilusão.
Havia outros de gravata, entre os turistas descontraídos que buscavam as férias. Uma família italiana me descobriu e me fez saber o absurdo de estarem ali, desde nove da manhã, sem informações. Você não é governo, mas de gravata no aeroporto, saindo do Congresso, todo mundo é, no mínimo, primo do governo. Somos todos os caras de cima, que deveriam estar fazendo alguma coisa para domar o caos.
Saí em busca de informações e descobri que não eram assim tão difíceis. Bastava olhar no computador onde havia indicações se o avião estava parado num aeroporto, se estava decolando ou já estava voando.
Tive a primeira intuição. Os computadores ficam na entrada do embarque. Se virássemos as telas para fora, os próprios viajantes tinham condições de interpretá-las. Daí em diante era só passar a voz.
Desde oito de dezembro previ o caos, numa entrevista a Paulo Moreira Leite, e procurei esboçar um plano que atenuaria o desconforto. Sou apenas primo do governo. Não tenho força para montar uma sala de crise em cada aeroporto, cuidar das crianças, ajudar aos doentes, passar informações precisas e freqüentes.
Algumas coisas escapam da cobertura da mídia.Uma delas é o sentimento de solidariedade que nos une no salão de embarque. Claro que, no momento em que anunciam que uns partem e outros, com a mesma passagem, ficam, há sempre uma certa agitação.
Mas as crianças ganham novos amigos. No meio de fraldas, mamadeiras e vômitos, reencontramos o passado próximo quando transitávamos com as nossas, pelos aeroportos do mundo.
Um turista ao entrar na sala disse: isto aqui parece um terremoto. Para mim o clima era mais próximo dessas escolas para onde vão refugiados de enchentes. Havia calor oposto à hostilidade surda dos que acabaram de perder um aumento de 91% nos salários.
Quando o avião levantou vôo, com seis horas de atraso, os passageiros para o Rio aplaudiram. Estávamos aliviados, tínhamos tempo para pensar nos perigos da Linha Vermelha na próxima hora.
Assim como no apagão elétrico que vivi no governo passado, constatei mais uma vez que a resposta dos usuários tem sido madura e construtiva.
Tanto o governo como seus primos da oposição têm o dever de dotar o país de um sistema de nível internacional nos aeroportos e na malha aérea. O ano termina como um poema de Drummond: nenhum problema resolvido.
Meus aplausos foram discretos. Não conseguia explicar, entretanto, o bom humor que me invadia quando o avião aterrizou. Não havia ninguém para abrir a porta. Perguntei a aeromoça se o cara do "finger" não tinha um celular. Poderia chamá-lo e completar assim minha última tarefa do ano.
Não foi preciso. A aeromoça decidiu abrir a porta mesmo sem ninguém do lado fora. Um ar quente chamado recesso envolveu nossos corpos e rindo fomos adiante, com nossos limites. Mesmo sendo apenas primos, sentimos no saguão que muitos se dirigiam a nós pedindo a todo tempo que assumíssemos um papel e talvez quisessem dizer isto: não importa onde você esteja, todos os de cima falharam conosco. Se virem em 2007.
Entramos o ano em dívida. A Linha Vermelha, que agradavelmente esquecemos, voltaria a nos preocupar. A série de atentados no Rio revelou a outra dívida fundamental.
A política de segurança foi um fiasco. O próprio chefe de polícia está sob investigação. Chegou a hora de mudar tudo. A base para isto é o apoio das forças especiais e também das Forças Armadas.
O dinheiro para isto? Há R$ 350 milhões destinados à segurança dos Jogos Pan-Americanos. É preciso precipitar este plano porque o próprio ano de 2007 já está começando.
As milícias e os traficantes dominam comunidades na ausência do Estado. Isto já aconteceu na China, antes de se criar o Estado nacional. Ou mesmo na Iugoslávia com a fragmentação do estado que existiu.
A neutralização do tráfico e das milícias nas comunidades pobres depende de uma decisão rápida. Quem ataca fica vulnerável. Os grupos armados que fazem uma ofensiva, quando não obtêm a vitória final, tornam-se abertos para a contra-ofensiva. O verão será quente.
SERGIO COSTA Eles já sabiam.E daí?
RIO DE JANEIRO - Para entrar no clima fora-da-lei do ano aloprado, roubo a frase de leitor alheio: "O caos é sempre por excesso de competência, nunca por falta dela". O autor, Paulo André Gomes Faria, acertou em cheio ao comentar a onda de violência em "O Globo".
O governo do Estado sabia, desde novembro, até a data programada para as ações criminosas: 28 de dezembro. O resultado todo mundo leu depois: 18 mortos, 23 feridos, etc. etc. etc. As autoridades bateram tambor: "Evitamos o pior graças à ação da polícia". E mais blablablá.
Há umas duas semanas, quando se tornou público o envolvimento de nova leva de policiais com o crime organizado, soube-se que relatórios foram produzidos em vão sobre relações promíscuas de agentes da lei com máfias caça-níqueis.
O ex-secretário de Segurança, deputado eleito Marcelo Itagiba, reapareceu para dizer que já sabia de tudo o que então vinha à tona. Inclusive da suspeita de que o também eleito deputado Álvaro Lins, segundo a Polícia Federal, acumulava a chefia de polícia (na gestão de Itagiba) com a de uma quadrilha.
Se voltarmos mais um pouco, lembraremos que autoridades de São Paulo também foram prevenidas de ataques que o PCC planejava detonar -e detonou- no Estado.
Bandidos tocam o terror enquanto os responsáveis por gerir nossos impostos se vangloriam de que todo o mal nas ruas é "apenas" reação ao sufoco que a polícia impõe ao tráfico, ou aos rigores com que regimes disciplinares castigam presos mais perigosos. Quanta competência!
Se as políticas são tão bem executadas, se produzem ótimos resultados estatísticos, e se a inteligência das polícias nunca foi tão sabida, por que é que a gente continua queimando em ônibus, tomando tiro ao lado da cabine de PM, morrendo cada vez que o ladrão pé-de-chinelo se assusta com um movimento brusco dentro do carro?
GESNER OLIVEIRA Lições de 2006
Quando se considera o que o país poderia ter crescido em 2006 em razão do ambiente externo, o resultado desanima
AS PREVISÕES falharam em 2006. Até aí não tem novidade. Não há modelo de previsão infalível. Resta a tarefa de aprender com os erros.
A maior decepção foi de longe a Copa do Mundo. A bolsa de apostas era favorável ao Brasil. Mas um time apagado, repleto de estrelas e carente de raça deixou escapar um dos campeonatos mundiais mais medíocres do ponto de vista técnico.
Assim como o futebol, a política desmentiu a maioria das previsões em 2006. Primeiro, a sucessão de escândalos levou a maioria dos analistas a acreditar que a reeleição estaria comprometida. Segundo, a recuperação do governo nas pesquisas levou a crer que as eleições presidenciais seriam decididas no primeiro turno. Em seguida, insistiu-se na tecla de que o segundo turno seria um novo jogo no qual a oposição teria mais chance; contudo, o candidato da situação acabou ampliando sua vantagem relativamente ao primeiro turno.
Na economia, não poderia ser diferente. Os desvios em relação às previsões foram generalizados. Assim como em 2003, em 2006 a inflação medida pelo IPCA foi inferior à prevista pelo mercado: 3,11%, contra 4,5%. Apesar da lenta queda dos juros, o nível previsto em dezembro de 2006 acabou sendo menor do que aquele projetado no final de 2005: 13,25%, contra 15%.
Tais diferenças estão associadas ao comportamento do câmbio. O mercado projetava um dólar de R$ 2,4, contra R$ 2,13 no fim do ano. Tal fato reduziu o custo dos bens comerciáveis em geral e ajudou a diminuir o ritmo de crescimento dos preços. Puniu, por sua vez, a expansão dos segmentos que competem com produtos estrangeiros, concorrendo para diminuir a taxa de crescimento da indústria. A expansão do conjunto da economia deverá ser de 2,8%, contra uma taxa projetada há um ano de 3,5%.
Embora compreensível, o erro de previsão tem sempre um sabor de derrota para o analista. Mas tome-se a lição do divertido filme "Um Bom Ano", de Ridley Scott. Após uma partida de tênis, o astuto tio Henry (Albert Finney) ensina ao pequeno Max (Freddie Highmore): "O homem não aprende nada com a vitória. A derrota, contudo, pode trazer grande sabedoria. Pelo menos para aprender a saborear a vitória".
2006 foi um bom ano? Em comparação com o passado, a resposta é afirmativa. O crescimento da economia foi pífio, mas ainda ligeiramente superior à média dos últimos 25 anos. Além disso, esta coluna acertou em dezembro de 2005 ao prever que 2006 não seria 2002. Traduzindo, 2006 não seria um ano marcado por forte incerteza quanto ao futuro da política econômica, como foi 2002. E, aliás, como foram os anos pré-eleitorais do recente período de democracia no Brasil, especialmente 1989 e 1998.
No entanto, quando se considera o que o país poderia ter crescido em virtude do ambiente externo favorável dos últimos anos, o resultado é desanimador. A combinação de forte demanda externa e alta liquidez internacional é rara na história econômica mundial. O período recente tem representado janela de oportunidade para as economias emergentes. Na média, o aproveitamento tem sido positivo, com taxas de expansão três a quatro vezes superiores à brasileira. Mais grave ainda, a taxa de investimento da economia continua baixa, a infra-estrutura, em frangalhos, e o investimento em capital humano, insuficiente.
O pequeno Max se tornou adulto (Russell Crowe) e acabou herdando a vinícola do tio. A primeira impressão foi a de uma herança maldita. O vinho era péssimo. Mas talvez descubra a fórmula secreta de fabricar um vinho excepcional com o mesmo terreno, mas com muito mais arte e dedicação. Não há razão para supor que o Brasil seja incapaz de descobrir a fórmula mágica do crescimento. Comparativamente à China e à Índia, este país continua sendo uma boa aposta de longo prazo.
Antes que isso aconteça, haverá inevitavelmente decepções e erros de previsão. Em 1974, o Brasil também perdeu a Copa na Alemanha. Embora não tenha sido tão frustrante quanto em 2006, foi dolorido. Mas, como tio Henry, Carlos Drummond já ensinava: "Perder é uma forma de aprender. E ganhar, uma forma de esquecer o que se aprendeu". Feliz aprendizado em 2007 e nos anos que seguem!
FERNANDO RODRIGUES Obsessão petista
Há hoje Marco Aurélio Garcia, Dilma Rousseff, Guido Mantega e Tarso Genro. Mas essa quadra tinha influência marginal em 2002. Os generais petistas daquela época saíram de cena. O poder por eles exercido foi abduzido após sucessivas crises e escândalos.
Caíram José Dirceu, Antonio Palocci, Luiz Gushiken e João Paulo Cunha, para citar os mais notórios. Aloizio Mercadante é outro em fase quase crepuscular na sigla, depois de ter sido rifado sem dó nem piedade pela polícia de Lula. Nenhum deve retornar tão cedo à ribalta muito menos indicar pessoas de confiança para o governo.
Marta Suplicy pode até ganhar um ministério. Mas ela tem projeto próprio. Não se encaixa nem de longe no "PT de raiz". Só sobrou para essa turma toda, o "ex-núcleo duro", uma saída: conquistar a presidência da Câmara.
Assim o PT voltaria a ter um quadro com autonomia para pegar o telefone e falar com Lula a qualquer momento, de igual para igual. O destino reservou esse papel ao deputado Arlindo Chinaglia.
Conciliador, Chinaglia tem chance real de vencer contra o nome predileto de Lula, o atual presidente da Câmara, Aldo Rebelo. Lula aprecia o manejo político de Aldo. Tudo já está no lugar. Com Arlindo, há o risco do novo. Placas tectônicas se moveriam. Nesses terremotos, políticos são engolidos.
Interesses acabam contrariados. Materializa-se o cenário para desarranjos institucionais. O PT conhece esse filme. Quase foi engolido por algo assim. Não importa. A sigla quer poder. Lula tem um mês para se decidir. O preço da solução sobe a cada dia.
CLÓVIS ROSSI O crime e o lusco-fusco
"Não vejo solução a curto prazo para um problema tão antigo. Há quanto tempo o Brasil ignora suas questões mais básicas?"
Tem razão. Se tivesse havido ação quando o problema não era tão antigo, certamente não se chegaria ao desalento de não ver solução a curto prazo. Há 30 anos, quando, arbitrariamente, se pode situar o início da escalada da violência urbana, haveria solução no curto prazo pela simples e boa razão de que o problema era bem menos grave e bem menos disseminado.
A segunda parte da frase pode ser aplicada ao conjunto da obra inacabada chamada Brasil. Na economia, por exemplo, faz um quarto de século que o país cresce mediocremente, sem que se encare de frente o problema. Antes, era preciso primeiro matar a inflação. Ela morta (ou ferida de morte), tem o câmbio, tem os juros, tem a dívida, tem os gargalos de infra-estrutura, tem a falta de investimentos públicos (privados também, embora menor), e por aí vai.
A rigor, a rigor, o Brasil não conseguiu ainda decidir o teor de capitalismo que quer receber nas veias e, por extensão, o teor de intervenção do Estado que é ainda possível haver no mundo contemporâneo.
Ficamos sempre no limbo, do que dá prova, entre tantas outras coisas, o fato de que o presidente da Câmara dos Deputados é nominalmente comunista, mas participou alegremente de um governo vigorosamente pró-mercado (na prática), embora, durante a campanha eleitoral, renegasse as privatizações, que, vitorioso, passou a adotar gostosamente (nas rodovias federais, por exemplo).
Nesse lusco-fusco de conceitos e de idéias, só quem as tem claras é o crime organizado. Azar nosso.
NELSON MOTTA-A etica do acaso
RIO DE JANEIRO - O senador Sibá Machado, petista do Acre, tem um projeto revolucionário: o fim do vestibular e o sorteio das vagas nas universidades. Como o ensino público é péssimo, o vestibular privilegia os alunos de classe média, que tem acesso a melhores colégios. É uma injustiça. O sorteio é mais democrático, porque nivela todos no ideal social de igualdade de oportunidades. A ética do acaso.
Além disso, o vestibular privilegia também os que, por conspiração da natureza, foram dotados de mais inteligência e criatividade, de mais ambição de crescer e vontade de aprender do que outros. O sorteio vai corrigir as injustiças do DNA, da seleção natural, do caráter individual e da sociedade e suas elites perversas, estendendo a mão do Estado aos burros, aos vagabundos, aos preguiçosos, aos que querem ganhar sem trabalhar, aos que sonham com uma boquinha no serviço público e uma boa aposentadoria. Ou -por que não?- uma vaga no Senado.
Expressando o espírito solidário do Brasil de hoje, a ética do acaso acaba com essas bobagens de mérito, aptidão, competência e talento, individualismos burgueses sem lugar em um país de todos.
A idéia é tão boa que deveria ser ampliada para todos os cargos públicos, Câmara e Senado inclusive. Talvez os sorteados fossem melhores do que os eleitos. Os partidos não aparelhariam mais o Estado, os sindicatos não indicariam mais companheiros para estatais, parlamentares e juízes não empregariam parentes.
A busca da igualdade continua, igualando os salários dos deputados e senadores aos dos ministro do Supremo Tribunal Federal. E a melhor prova dos resultados da ética do acaso é o próprio Sibá, suplente de Marina Silva, que foi da floresta para o Senado sem um voto.
Lixo - uma chance para alguns avanços
Washington Novaes*
Pena que, na véspera do Natal, a comunicação tenha ocupado quase todo o espaço do noticiário do evento promovido pelo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, com a presença do presidente da República, para informações a respeito de dossiês e escândalos eleitorais. Poderia ter começado lembrando o papel desempenhado pelos catadores. Graças a eles, que trabalham dia e noite, sob sol e chuva, sem garantia de remuneração ou proteção social, o País consegue reciclar uns 30% do papel e papelão, uns 20% do plástico, mais de 90% das latas de alumínio, além de vidro, metais, etc. Não fossem eles, nossas cidades viveriam muito mais emporcalhadas pelo lixo, com as redes de drenagem mais entupidas, os rios mais assoreados.
O espaço poderia ter sido aproveitado também para discutir a precaríssima situação do País nessa área. Das 289 mil toneladas diárias de resíduos domiciliares e comerciais produzidas, segundo o IBGE, apenas 92,4 mil têm destinação "adequada"; mais de 40 mil, "relativamente adequada"; e 135,9 mil toneladas diárias vão para lixões (estima-se que umas 20 mil toneladas não sejam sequer recolhidas). E isso sem falar nos entulhos, no lixo de estabelecimentos de saúde, industrial, lixo tecnológico, etc.
Num quadro dramático como esse, dever-se-iam discutir as possibilidades de avanços, principalmente criando mecanismos para entregar uma parcela cada vez maior da coleta seletiva e da reciclagem do lixo a cooperativas dos catadores, para que se esqueça a estatística lamentável que aponta a reciclagem de apenas 1% do lixo recolhido. Além de gerar trabalho e renda para áreas carentes, reduzir-se-ia a influência de muitas empresas freqüentadoras do noticiário sobre escândalos no financiamento de campanhas eleitorais - como tem acontecido. E que têm interesse em que haja mais lixo, porque recebem por tonelada recolhida.
Hoje, com as 270 mil toneladas diárias recolhidas, as prefeituras gastam uns R$ 10 milhões por dia no País (atribuindo um valor médio - baixo - de R$ 40 por tonelada). Serão uns R$ 3 bilhões por ano, sem falar no custo dos aterros e na limpeza de ruas. Se o poder público reservasse parcelas progressivas da coleta e transformação para as cooperativas - ajudando-as inclusive na implantação das usinas de reciclagem e na compra de equipamentos de coleta -, poderia dar um passo importante rumo ao cumprimento dos objetivos de uma boa política de lixo: reduzir a quantidade de resíduos produzida, ampliar a reutilização e a reciclagem de materiais, diminuir a quantidade de lixo que vai para aterros ou lixões.
Por este último ângulo, seria um avanço em momento crucial. Curitiba está com seu aterro sanitário tecnicamente esgotado; São Paulo em prazo curto não terá mais onde depositar suas 15 mil toneladas diárias de lixo domiciliar e comercial (o aterro Bandeirantes está esgotado, o São João esgota-se no final de 2007); o Rio de Janeiro utiliza aterros na Baixada Fluminense, já em situação precária; Belo Horizonte e Recife não têm situação melhor.
Na área dos catadores, algum progresso foi feito com duas recentes decisões presidenciais, que abriram linhas de crédito do BNDES para cooperativas e determinaram a implantação de programas de coleta seletiva nas repartições federais, com os resíduos destinados a cooperativas. Mas são áreas em que geralmente se leva muito tempo para sair do papel para a realidade.
Talvez um dos melhores exemplos dessa dificuldade seja exatamente o projeto de Política Nacional de Resíduos Sólidos, que se arrasta no Congresso Nacional. Agora, tem uma versão aprovada pelo Senado, à espera de manifestação da Câmara dos Deputados.
É uma área em que costuma ser fortíssima a atuação dos lobbies setoriais. Tanto que inviabilizou dispositivos importantes previstos num projeto anterior: a responsabilização do produtor de embalagens de qualquer tipo pela destinação dos resíduos; a coleta seletiva obrigatória em cidades de mais de 100 mil habitantes; a proibição parcial (em eventos e locais abertos) de uso de embalagens de alumínio em cervejas e refrigerantes - entre muitos outros.
O projeto que passou pelo Senado e depende da Câmara proíbe a importação de pneus usados (ao contrário do que desejam muitos parlamentares) e o lançamento de resíduos em recursos hídricos e a céu aberto, bem como sua incineração; e cria o Fundo Nacional de Resíduos Sólidos, com a participação de ministérios e dotações orçamentárias. Resta ver, se passar pela Câmara, o que sairá mesmo do papel. Os municípios e o Distrito Federal serão os titulares dos serviços.
De qualquer forma, a votação do item sobre importação de pneus usados será um teste interessante. O País está importando por ano mais de 10 milhões de pneus usados da Europa, para "remoldagem", embora se diga que mais de metade nem sequer é utilizada. São vendidos a preços ínfimos pelos europeus, que têm de dar destinação a 200 milhões de pneus velhos por ano e não podem mais depositá-los em aterros. Para resolver o problema, recorrem ao que tem sido chamado de "colonialismo da imundície", a exportação das piores frações de seu lixo (outra é o lixo tecnológico). E têm o desplante de apresentar queixa contra o Brasil na Organização Mundial de Comércio (OMC), sob a alegação de que o País está, nessa matéria, criando "barreiras ilegais" ao comércio. Este jornal já apontou (12/12) a "ambigüidade" com que o governo federal se vem conduzindo nessa matéria. Inclusive no Congresso Nacional.
Já passou da hora de avançar na questão do lixo, um dos nossos principais dramas urbanos.
sexta-feira, dezembro 29, 2006
MILLÔR
Atravessamos a fronteira invisível, inaudível, imperscrutável, para o ano de 2007, que esperamos seja mais róseo (que cor!) do que 2006. Mas, como a esperança é a primeira que mata, perguntamos – e se tivermos saudade de 2006? |
O IMPORTANTE NÃO É O RELÓGIO; SÃO AS HORAS.
JANEIRO
Em Brasília, volta a girar o ventiladorzinho cheiroso.
FEVEREIRO
No século passado o fotógrafo VALÉRIO Vieira tira 30 fotos de si mesmo, se antecipando ao Valerioduto.
MARÇO
O povo brasileiro começa a reagir (como pode).
ABRIL
Em primeiro de abril Lula brinca de primeiro-de-abril.
MAIO
A GLÓRIA!
O puder tem orgulho de sua impunidade (só perdemos pra Nigéria).
JUNHO
Parreira inventa a mágica besta no futebol.
JULHO
As cariocas descobrem o cofrinho
Jeans usado bem baixinho forma um ninho que a moçada com carinho apelidou de cofrinho mas pralgumas esse nome assenta mal isso aí não é cofrinho é mais um Banco Central
AGOSTO
O brasileiro descobre que o buraco é mais embaixo.
SETEMBRO
O futebol brasileiro melhora o Barão de Coubertin.
OUTUBRO
Cada país tem o tsunami que merece.
NOVEMBRO
O JUDICIÁRIO SUPERA O EXECUTIVO, O LEGISLATIVO E O NARCOTRÁFICO.
DEZEMBRO
No fim do século XX estávamos à beira da guerra. Neste princípio do XXI não estamos nem à beira da paz.Diogo Mainardi O Homem do Ano
Márcio Thomaz Bastos. O Homem do Ano. A gente tinha uma democracia torta. Ficou ainda mais torta. A gente tinha um pé na ilegalidade. Agora se rendeu a ela. A gente tinha um embrutecimento institucional. Piorou.
Siga Márcio Thomaz Bastos. Com cautela. Acompanhe o que fez o nosso Homem do Ano em 2006. Passo a passo. De intriga em intriga. De janeiro a dezembro. Ele foi o túnel que o extremismo petista escavou para fugir da cadeia. Ele foi a lima escondida dentro do bolo.
Em janeiro, Márcio Thomaz Bastos encaminhou a Lula um projeto de lei que impedia a imprensa de divulgar o conteúdo de grampos telefônicos.
Em fevereiro, ele foi acusado de retardar a entrega do laudo técnico que atestava a falsidade da lista de Furnas, envolvendo políticos do PSDB e do PFL.
Em março, quando foi violado o sigilo do caseiro Francenildo Costa, ele montou a estratégia de acobertamento de Antonio Palocci.
Em maio, Márcio Thomaz Bastos apareceu numa lista de hierarcas petistas com contas bancárias em paraísos fiscais, juntamente com Lula, José Dirceu, Luiz Gushiken e Antonio Palocci. A lista foi passada a VEJA por Daniel Dantas.
Aqui a retrospectiva de Márcio Thomaz Bastos cruza com a minha. Testemunhei a entrega da lista a VEJA. Segui de perto todos os seus desdobramentos. Eu sempre acreditei que o ministro partiria para o ataque contra Daniel Dantas. Em vez disso, Márcio Thomaz Bastos preferiu reunir-se secretamente com ele, na casa do senador Heráclito Fortes. Perguntei a Heráclito Fortes como foi o encontro. Ele respondeu: "Daniel Dantas estava com medo do governo e o governo estava com medo de Daniel Dantas". Medo?
Em julho, ele responsabilizou as prefeituras do PSDB e do PFL pela máfia das ambulâncias.
Em agosto, ele prometeu acabar com os ataques do PCC em 72 horas. Depois disso, deu um depoimento a favor de Aloizio Mercadante em seu programa eleitoral.
Em setembro, estourou o caso do dossiê contra José Serra. Desde o primeiro momento, Márcio Thomaz Bastos tratou de proteger a candidatura de Lula. Um delegado da Polícia Federal foi afastado do caso, as fotografias do dinheiro foram censuradas, um advogado ligado a ele foi acionado para defender Freud Godoy.
Em 22 de setembro, Márcio Thomaz Bastos garantiu que a origem do dinheiro para comprar o dossiê "estava praticamente esclarecida". Em 16 de novembro, quando o caso já estava devidamente abafado, o nosso Homem do Ano disse que "era preciso ver se o fato realmente tinha uma grande gravidade".
Márcio Thomaz Bastos está se despedindo do governo. A gente vai levar uns trinta anos para se recuperar de sua passagem pelo poder.Rio de Janeiro Terror na cidade
Fotos Ernesto Carriço/Ag. O Dia/AE |
Ônibus incendiado na Avenida Brasil e o socorro a um dos passageiros queimados: cenas de guerra nas ruas do Rio de Janeiro |
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Organizada como nunca, a bandidagem do Rio de Janeiro mais uma vez fez a população de refém, à sombra da incompetência das autoridades de segurança pública, na última semana de 2006. Embora o setor de inteligência da polícia estadual garanta que sabia da intenção dos traficantes ligados à facção criminosa Comando Vermelho de promover uma onda de terror na cidade, o que se viu na semana passada foi uma reação aparvalhada e cidadãos em pânico. Até de uma reunião de traficantes realizada na favela da Mangueira, para o planejamento da operação, os responsáveis pela segurança disseram que tinham conhecimento – sem explicar, porém, por que permitiram que ocorressem os ataques que deixaram nove civis e dois policiais mortos, além de mais de trinta feridos. Até o início da noite de quinta-feira, dia 28, onze ônibus haviam sido incendiados. Foram alvejados postos policiais, delegacias, agências bancárias e lojas de departamentos. Temendo a onda de violência, boa parte do comércio fechou as portas mais cedo, e órgãos públicos dispensaram seus funcionários. Os ataques organizados na Mangueira foram ordenados por traficantes presos no complexo penitenciário de Bangu, na Zona Oeste. Ao levantarem as razões dos atentados, as autoridades fluminenses demonstraram o estado de sua desorganização, com versões conflitantes. A mais plausível, no entanto, é que tenham sido uma reação à guerra que milícias formadas por policiais vêm travando com os traficantes cariocas, para tomar-lhes os territórios.
Wilton Junior/AE |
Ônibus incendiado na Avenida Brasil e o socorro a um dos passageiros queimados: cenas de guerra nas ruas do Rio de Janeiro |
Fotos Ernesto Carriço/Ag. O Dia/AE |
A ação dos bandidos começou no fim da noite de quarta-feira e se estendeu pela madrugada e manhã da quinta. Divididos em "bondes" (comboios de traficantes armados), eles saíram de várias favelas para aterrorizar a cidade. O caso mais dramático foi o de passageiros de um ônibus que passava pelo Rio, seguindo de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, para São Paulo. O veículo, com 28 passageiros, foi interceptado por um bando de trinta traficantes na Avenida Brasil. Os criminosos atearam fogo ao ônibus, e sete dos passageiros, a maioria idosos, não conseguiram escapar. Morreram carbonizados. Os corpos só poderão ser identificados por exame de DNA. Em Botafogo, na Zona Sul da cidade, os bandidos mataram, a tiros de fuzil, uma vendedora ambulante e atingiram na cabeça seu filho de 6 anos.
A crise na segurança pública não é exclusividade do Rio de Janeiro. Mas é nesse estado que se percebe com clareza quanto a ineficiência do governo pode agravar o problema. Numa situação de penúria produzida por sua própria administração, a governadora Rosinha Garotinho fez cortes orçamentários impensáveis. Nos últimos meses, até os telefones celulares de autoridades policiais foram devolvidos às operadoras, por falta de pagamento. Nas esquinas, carros de patrulha ficam estacionados porque não têm combustível e, em alguns casos, nem estão funcionando. Os bandidos, claro, sabem disso. Uma característica da noite de terror promovida pelos traficantes foi o "tiro ao pato", que no linguajar deles significa atirar em policiais que fazem patrulhamento em pontos fixos, o que os transforma em alvos fáceis. Foi o que aconteceu com um PM que estava de prontidão na avenida que cerca a Lagoa Rodrigo de Freitas – morto com doze tiros.
Celso Meira/Ag. O Globo |
Cabine da PM em Botafogo: marcas do ataque |
A incompetência da governadora coroa três décadas de desgoverno a que o estado do Rio de Janeiro foi submetido. Refém de políticos populistas e policiais corruptos, a população carioca presenciou um crescimento desmesurado do tráfico de drogas. O símbolo dessa decadência é a própria favela da Mangueira, convertida nos últimos anos em covil do tráfico. Ali foram arquitetados os ataques da semana passada. É de lá também que os traficantes controlam a venda de drogas em boa parte da Região dos Lagos e municípios da região metropolitana do Rio. Outro fato que ilustra bem a crise é a expansão de milícias formadas por policiais, bombeiros e pelos próprios moradores de favelas – e que estaria na origem dos crimes da semana passada. Com a falência da polícia, esses grupos vendem segurança a comerciantes e moradores, matam traficantes e acabam por substituí-los no comando do terror.
Para terminar com chave de ouro seu mandato, a governadora Rosinha Garotinho afirmou que, para fazer frente aos criminosos, não aceitaria ajuda nenhuma de Brasília. Justificou a decisão lembrando que o governo de São Paulo recusou auxílio federal quando o PCC paralisou a capital paulista, em maio. Como se dois erros produzissem um acerto. Rosinha nem sequer cogitou comparar o orçamento paulista para a segurança, de 7 bilhões de reais, com os magros 2,1 bilhões que ela mesma destinou a sua polícia. Se o governador Cláudio Lembo fez bobagem, com mais dinheiro, ela também quer essa prerrogativa. A julgar pela forma como agiram, os bandidos cariocas aprenderam com os meliantes do PCC paulista. Rosinha e seus colaboradores não aprenderam nada.
Uma história ainda sem fim
Diego Escosteguy
Gustavo Stephan/Ag. O Globo |
Malas extraviadas no aeroporto Tom Jobim, no Rio de Janeiro: as empresas aéreas deram sua contribuição à balbúrdia |
O acidente entre o avião da Gol e o jato Legacy, que matou 154 pessoas em setembro, foi a maior tragédia da aviação nacional. Desde que ela ocorreu, os brasileiros vêm sendo apresentados a um drama: o do setor aéreo. Primeiro foi a greve branca dos controladores de vôo. O movimento revelou que a vida de milhões de viajantes está nas mãos de uma categoria despreparada, mal paga e com sérios problemas funcionais. No rastro da greve, soube-se também que equipamentos vitais para a segurança dos vôos, como os radares, são obsoletos. Nos últimos dias, eclodiu outra faceta do caos: as empresas aéreas, sem nenhum tipo de fiscalização, venderam mais passagens do que seus aviões podem comportar. O resultado dessa combinação de negligência administrativa e desrespeito aos consumidores é visto todos os dias nos aeroportos. Atrasos de vôos que ultrapassam 24 horas, cancelamentos que humilham os passageiros e bagagens perdidas por absoluto desleixo.
Ed Ferreira/AE |
Milton Zuanazzi, da Anac: mala perdido |
Na semana passada, com três meses de atraso, a Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac, à qual caberia fiscalizar o setor, resolveu agir. Proibiu as empresas de vender passagens em excesso, suspendeu novos fretamentos, mandou auditores investigar a TAM, a campeã de vendas-fantasma, e ameaçou multá-las. É tarde. As passagens já foram vendidas em excesso e muitos passageiros continuarão enfrentando problemas. Criada no início de 2006, a Anac não conseguiu perceber a malandragem das empresas, não conseguiu orientar os consumidores lesados e não conseguiu detectar os problemas dos controladores. A inoperância da agência não chega a surpreender. É conseqüência de uma prática bastante comum nos últimos quatro anos: o aparelhamento dos órgãos técnicos do governo.
O presidente da Anac, Milton Zuanazzi, não tem nenhuma experiência na área de aviação civil. Ele é engenheiro e em seu currículo aéreo constam passagens pela Secretaria de Turismo do Rio Grande do Sul na gestão petista. Dos outros quatro diretores, dois chegaram pela mesma rota. Denise de Abreu trabalhava na área jurídica da Casa Civil e foi indicada pelo ex-ministro José Dirceu. Leur Lomanto, por sua vez, é ex-deputado federal e pertence à cota do PMDB no governo. Ao assumir o cargo, Milton Zuanazzi anunciou que sua prioridade no comando da agência era "lotar os aviões". Já pode ir para casa.
A agenda materialista da "bispa"
Marcelo Carneiro
Fotos Reprodução | |
Chalé e jet skis no haras dos Hernandes em Atibaia: o MP diz que o dinheiro arrecadado nos templos custeava o luxuoso estilo de vida da família |
O casal Sonia e Estevam Hernandes, líder da Igreja Renascer, é a representação radical de um dos ramos evangélicos que mais crescem no mundo: a teologia da prosperidade. A doutrina, na versão distorcida dos Hernandes, baseia-se numa relação com o divino do tipo toma-lá-dá-cá, em que Deus pode manifestar o seu amor na forma de um Fusca ou de uma Mercedes, dependendo da generosidade com que o fiel abre sua carteira no momento de fazer doações à igreja. Na semana passada, VEJA teve acesso a um documento que ilustra quão a sério a fundadora da Renascer encara os preceitos que defende, ao menos na parte que se refere à ausência de culpa pelo usufruto dos prazeres terrenos. Em uma agenda datada de 1996, a auto-intitulada "bispa" Sonia lista seus sonhos de consumo, louva a Deus pelos bens já conquistados e clama a Ele por uma casa na praia, outra em Miami, mais cartões de crédito internacionais e mais talões de cheques (veja o quadro). Dez anos mais tarde, conforme mostra levantamento feito pelo Ministério Público, a bispa conseguiu tudo o que queria – e muito mais.
A lista de bens que o casal Hernandes acumulou nas duas últimas décadas só não é mais impressionante do que a relação de dívidas e processos judiciais que contraiu no período. Estima-se que os líderes da Renascer, criada em 1986, tenham amealhado um patrimônio pessoal de pelo menos 19 milhões de reais – incluindo casa na Flórida, fazendas e um haras, o Reobot, na região de Atibaia, a 67 quilômetros de São Paulo. A propriedade está no nome da filha do casal, Fernanda Hernandes, e de seu marido, o ex-modelo Douglas Rasmussen. Tem piscina, lago, quadra de tênis, heliponto, lancha e jet skis, além de 259 cavalos da raça manga-larga marchador, esses em nome de outro filho, Felippe Daniel. A situação da Renascer, em compensação, não tem nada de próspera. As dívidas da igreja hoje somam 12 milhões de reais e já geraram 110 ações cíveis. Boa parte delas foi impetrada por credores de empresas do grupo. Outra parte está sendo movida por fiéis que emprestaram seu nome como fiadores dos negócios da Renascer e agora estão sendo cobrados na Justiça.
A turbulenta trajetória da bispa Sonia e de seu marido, intitulado "apóstolo" Estevam, é alvo de investigações do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo desde 2002. O Gaeco acusa Sonia e Estevam pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e falsidade ideológica. Os dois tiveram a prisão preventiva decretada no fim de novembro pelo juiz da 1ª Vara Criminal de São Paulo, Paulo Antônio Rossi. Quando a ordem judicial foi expedida, a bispa já estava longe, na Flórida. Por vinte dias, ela e o marido foram considerados foragidos da Justiça. Sonia voltou ao Brasil depois que, no último dia 19, seus advogados conseguiram uma liminar no Superior Tribunal de Justiça revogando o pedido de prisão.
A agenda da bispa pode ser um instrumento precioso para guiar os investigadores pelos obscuros corredores contábeis da Renascer. Entre os dados que ela revela estão, por exemplo, os valores astronômicos obtidos em alguns dos templos da Renascer por meio de donativos dos fiéis. No principal deles, localizado no bairro de Vila Mariana, em São Paulo, foram recolhidos, em um só dia de cultos, 360.000 reais (em valores atualizados). Procurados por VEJA, os promotores do Gaeco disseram que não poderiam confirmar se a agenda integra o conjunto de provas apresentadas à Justiça.
Desde setembro, tanto o haras Reobot quanto o sítio da família em Mairinque e a casa em Miami estão seqüestrados pela Justiça. A indisponibilidade dos imóveis foi decretada com base na alegação dos promotores de que a Renascer é uma organização criminosa. De acordo com o MP, os bens de propriedade do casal Hernandes foram adquiridos com dinheiro de origem ilícita – o que, neste caso, significa que são fruto de crimes que vão do estelionato ao uso de documento falso. O Gaeco ainda tenta localizar outras propriedades não declaradas dos Hernandes, como um apartamento no Litoral Sul de São Paulo, uma casa em Mairiporã, interior do estado, e imóveis no Paraná e em Pernambuco. O próximo passo dos investigadores será tentar a revogação da liminar que cassou o pedido de prisão preventiva dos líderes da Renascer. Nada gloriosa, a situação de Sonia e Estevam pode ficar, em breve, infernal.
Sonia Hernandes: mais cartões de crédito, aleluia! |
Escândalo do dossiê O roteiro se cumpre
Ricardo Brito
Lula Marques/Folha Imagem |
Mercadante: apontado como o beneficiário do dossiê contra tucanos |
A Polícia Federal concluiu na semana passada a investigação sobre o escândalo do dossiê contra os tucanos. Só para lembrar: às vésperas do primeiro turno das eleições, petistas foram presos em São Paulo, quando se preparavam para comprar um conjunto de documentos fajutos que envolviam políticos do PSDB, como o ex-prefeito José Serra, com a máfia das sanguessugas. Os petistas presos carregavam dinheiro vivo, em reais e dólares, e tinham ligações com o comitê central da campanha do presidente Lula. Três meses depois, a polícia terminou o trabalho de investigação sem avançar um milímetro e ainda recuou sobre as evidências iniciais. O resultado é um relatório pífio, que, além de não esclarecer, ainda confunde. Muito conveniente, portanto, para os "aloprados" que montaram o esquema. O delegado Diógenes Curado, o chefe das investigações, decidiu indiciar sete pessoas – quase todas personagens secundárias da trama. A mais graúda delas é o senador Aloizio Mercadante, que disputou e perdeu as eleições ao governo de São Paulo para o tucano José Serra. Segundo o delegado, Mercadante é culpado porque seria, teoricamente, o principal beneficiário das informações contidas no dossiê. Além disso, um dos envolvidos, Hamilton Lacerda, era seu assessor de comunicação. E o dinheiro usado na compra, ora veja só, foi omitido na prestação de contas da campanha do petista, o que levou o delegado a acusar Mercadante por crime eleitoral.
Dida Sampaio/AE |
O delegado Diógenes: relatório pífio e conveniente |
"Jogaram a responsabilidade nas minhas costas para omitir o fracasso das investigações", reagiu o senador. Mercadante tem certa razão em protestar. É, sem dúvida, uma das conclusões mais estapafúrdias produzidas pela inteligência policial brasileira. Não que não haja indícios do envolvimento do senador e de seus assessores. Hamilton Lacerda, que foi filmado levando dinheiro ao local onde seria feito o negócio, é de seu círculo íntimo. O problema é a lógica – ou a falta dela – usada pela polícia para estabelecer as conexões e responsabilidades de cada um no caso. Segundo o delegado Diógenes, os petistas demonstravam "indignação" com o rumo da CPI das Sanguessugas, que atribuía "toda a culpa da fraude" ao governo Lula, "quando se sabia que o início de tudo foi no governo Fernando Henrique Cardoso". Se essa é a gênese do crime, conforme afirma o próprio delegado responsável pela investigação, é difícil compreender o que o leva a acreditar que apenas o senador Mercadante seria beneficiado com a divulgação do dossiê. Ele desconsiderou, por exemplo, o fato de que Lula disputava a eleição com um tucano e que a maioria dos envolvidos no caso trabalhava no comitê de campanha do presidente em Brasília. Sobre o 1,7 milhão de reais apreendido com os petistas, o delegado reconhece que não foi capaz de chegar à origem do dinheiro, mas especula que ele saiu do caixa dois da campanha petista em São Paulo.
Celso Júnior/AE | Dida Sampaio/AE | Celso Júnior/AE |
EXPEDITO VELOSO, CAROCHINHA 1: não sabia do dinheiro | RICARDO BERZOINI, CAROCHINHA 2: não sabia do dinheiro | OSVALDO BARGAS, CAROCHINHA 3: não sabia do dinheiro |
No QG petista, em Brasília, o resultado das investigações foi recebido com satisfação, é claro. Para não complicar Lula, toda a estratégia de defesa dos envolvidos sempre foi a de tentar restringir a responsabilidade da operação de compra do dossiê à campanha de Mercadante – exatamente como acabou de fazer a Polícia Federal. Dos sete indiciados, apenas um, o ex-policial Gedimar Passos, trabalhava para o comitê reeleitoral do presidente. Mas não tinha jeito de deixá-lo de fora: ele foi preso em flagrante num quarto de hotel em São Paulo com uma mala cheia de dinheiro. Em seu primeiro depoimento, Gedimar apontou Freud Godoy, então assessor especial do presidente Lula e conhecido por dar cobertura a ações de alto risco do PT, como coordenador da operação de compra do dossiê. Gedimar foi contratado por Jorge Lorenzetti, chefe do setor de inteligência da campanha presidencial, e atuava em conjunto com Osvaldo Bargas e Expedito Veloso, outros dois integrantes do comitê de reeleição do presidente. O coordenador da campanha de Lula e chefão do grupo, o deputado Ricardo Berzoini, também estava ciente do caso. Todos confirmaram à polícia seu grau de participação na operação para obter e divulgar os documentos, mas disseram que não sabiam que se tratava de um negócio à base de dinheiro. Por isso, nenhum deles foi indiciado. Pelo jeito, a PF também acredita em duendes.
JF Diorio/AE | Dida Sampaio/AE |
FREUD GODOY, CAROCHINHA 4: não sabia de nada | JORGE LORENZETTI, CAROCHINHA 5: não sabia do dinheiro |
Como explicar, então, a participação de Gedimar, o homem da mala, que não tinha nenhuma ligação com a campanha paulista? Passados alguns dias de sua prisão, já orientado por advogados, ele disse que foi torturado e induzido a acusar Freud Godoy – e se calou sobre o dinheiro. Agora, indiciado, vai ter de inventar uma outra história da carochinha para a Polícia Federal acreditar. E tudo indica que, para convencer delegados tão bonzinhos, ela não precisará ser elaborada. Afinal de contas, não havia mesmo razão para os assessores da campanha presidencial se envolverem em tamanha trapalhada. É o que os petistas sempre disseram. Quanto a Mercadante, como não há provas de sua ligação direta com a compra do dossiê fajuto, o processo não deverá seguir adiante. Fica combinado, assim, que a culpa recairá sobre o mordomo. Elementar, meu caro Diógenes.