sexta-feira, dezembro 29, 2006

A agenda materialista da "bispa"

O culto ao dinheiro fácil

Marcelo Carneiro

Fotos Reprodução

Chalé e jet skis no haras dos Hernandes em Atibaia: o MP diz que o dinheiro arrecadado nos templos custeava o luxuoso estilo de vida da família


O casal Sonia e Estevam Hernandes, líder da Igreja Renascer, é a representação radical de um dos ramos evangélicos que mais crescem no mundo: a teologia da prosperidade. A doutrina, na versão distorcida dos Hernandes, baseia-se numa relação com o divino do tipo toma-lá-dá-cá, em que Deus pode manifestar o seu amor na forma de um Fusca ou de uma Mercedes, dependendo da generosidade com que o fiel abre sua carteira no momento de fazer doações à igreja. Na semana passada, VEJA teve acesso a um documento que ilustra quão a sério a fundadora da Renascer encara os preceitos que defende, ao menos na parte que se refere à ausência de culpa pelo usufruto dos prazeres terrenos. Em uma agenda datada de 1996, a auto-intitulada "bispa" Sonia lista seus sonhos de consumo, louva a Deus pelos bens já conquistados e clama a Ele por uma casa na praia, outra em Miami, mais cartões de crédito internacionais e mais talões de cheques (veja o quadro). Dez anos mais tarde, conforme mostra levantamento feito pelo Ministério Público, a bispa conseguiu tudo o que queria – e muito mais.

A lista de bens que o casal Hernandes acumulou nas duas últimas décadas só não é mais impressionante do que a relação de dívidas e processos judiciais que contraiu no período. Estima-se que os líderes da Renascer, criada em 1986, tenham amealhado um patrimônio pessoal de pelo menos 19 milhões de reais – incluindo casa na Flórida, fazendas e um haras, o Reobot, na região de Atibaia, a 67 quilômetros de São Paulo. A propriedade está no nome da filha do casal, Fernanda Hernandes, e de seu marido, o ex-modelo Douglas Rasmussen. Tem piscina, lago, quadra de tênis, heliponto, lancha e jet skis, além de 259 cavalos da raça manga-larga marchador, esses em nome de outro filho, Felippe Daniel. A situação da Renascer, em compensação, não tem nada de próspera. As dívidas da igreja hoje somam 12 milhões de reais e já geraram 110 ações cíveis. Boa parte delas foi impetrada por credores de empresas do grupo. Outra parte está sendo movida por fiéis que emprestaram seu nome como fiadores dos negócios da Renascer e agora estão sendo cobrados na Justiça.

A turbulenta trajetória da bispa Sonia e de seu marido, intitulado "apóstolo" Estevam, é alvo de investigações do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo desde 2002. O Gaeco acusa Sonia e Estevam pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e falsidade ideológica. Os dois tiveram a prisão preventiva decretada no fim de novembro pelo juiz da 1ª Vara Criminal de São Paulo, Paulo Antônio Rossi. Quando a ordem judicial foi expedida, a bispa já estava longe, na Flórida. Por vinte dias, ela e o marido foram considerados foragidos da Justiça. Sonia voltou ao Brasil depois que, no último dia 19, seus advogados conseguiram uma liminar no Superior Tribunal de Justiça revogando o pedido de prisão.

A agenda da bispa pode ser um instrumento precioso para guiar os investigadores pelos obscuros corredores contábeis da Renascer. Entre os dados que ela revela estão, por exemplo, os valores astronômicos obtidos em alguns dos templos da Renascer por meio de donativos dos fiéis. No principal deles, localizado no bairro de Vila Mariana, em São Paulo, foram recolhidos, em um só dia de cultos, 360.000 reais (em valores atualizados). Procurados por VEJA, os promotores do Gaeco disseram que não poderiam confirmar se a agenda integra o conjunto de provas apresentadas à Justiça.

Desde setembro, tanto o haras Reobot quanto o sítio da família em Mairinque e a casa em Miami estão seqüestrados pela Justiça. A indisponibilidade dos imóveis foi decretada com base na alegação dos promotores de que a Renascer é uma organização criminosa. De acordo com o MP, os bens de propriedade do casal Hernandes foram adquiridos com dinheiro de origem ilícita – o que, neste caso, significa que são fruto de crimes que vão do estelionato ao uso de documento falso. O Gaeco ainda tenta localizar outras propriedades não declaradas dos Hernandes, como um apartamento no Litoral Sul de São Paulo, uma casa em Mairiporã, interior do estado, e imóveis no Paraná e em Pernambuco. O próximo passo dos investigadores será tentar a revogação da liminar que cassou o pedido de prisão preventiva dos líderes da Renascer. Nada gloriosa, a situação de Sonia e Estevam pode ficar, em breve, infernal.

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Sonia Hernandes: mais cartões de crédito, aleluia!