O GLOBO
Quando é que os paulistas sentiram mais medo? Curiosamente, não foi no sábado e no domingo, os dias mais terríveis do terror, quando aconteceram os ataques mmmmimmais intensos, mas na segunda-feira, no day after, quando o pior já tinha passado. "Foi então que caiu a ficha", me diz alguém num encontro na sexta-feira passada, uma semana depois da madrugada em que começaram os assassinatos de policiais e as rebeliões nas penitenciárias.
Havia uns dez paulistanos reunidos nesse jantar, todos ainda sob o efeito de um choque como jamais imaginaram sofrer. Não se falava de outra coisa. Além da dimensão inédita que atingiu a violência, houve o fator surpresa: ao contrário do Rio, São Paulo não estava preparado. "Perdemos muita coisa de repente", explica um dos presentes. "A auto-estima, a invulnerabilidade, a mania de grandeza."
Foi na segunda-feira que, levado pelos boatos, o medo chegou às ruas elegantes dos Jardins, aos shoppings centers (20 dos 50 foram fechados), aos escritórios e às salas de aula. O dono de uma rede de 50 cinemas me contou que teve de encerrar as sessões às 3 horas da tarde: "Havia um clima de histeria entre funcionários moradores da periferia, e também o público, todo mundo chorando."
Uma professora disse que não vai esquecer a aula que deu para uma sala quase vazia — quatro alunos de uma turma de 50. Pelos relatos, fica-se sabendo que aquilo já não era mais o medo puro, e sim o pânico, a paranóia, ou seja, o medo no seu grau máximo de irracionalidade, o medo do medo, quando se continua temendo e já não há mais razão para temer. O medo descrito por Guimarães Rosa, "uma pressão que vem de todos os lados".
"Fui para casa cedo, liguei a televisão e, perplexo, não reconhecia o que via. Tudo era estranho, principalmente aquelas ruas vazias, desertas, de uma cidade que a gente sempre soube que não podia parar." Eu ouvia meus amigos lamentando suas perdas, pensava em nós, cariocas, e não sabia o que era pior, se a nossa resignada aceitação do medo crônico que há anos tomou conta do Rio ou se a indignação deles com a novidade, com o susto que levaram. Choravam a velha cidade que tinham perdido e se apavoravam com a outra que estava surgindo em seu lugar — feroz, desconhecida.
Eu ainda me encontrava em São Paulo quando começou a Virada Cultural, um evento em que centenas de shows, peças teatrais, espetáculos de dança e música tomaram as ruas do Centro durante 24 horas seguidas. A cidade parecia dar a volta por cima, querendo esquecer inclusive os inocentes que, ao lado dos bandidos, a polícia executou. É possível que Sampa tenha voltado ao normal. Quanto às pessoas, não sei, mas talvez nunca mais voltem a ser as mesmas.
Entrevista:O Estado inteligente
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