O GLOBO 23/02/11
As duas principais reivindicações dos governadores reunidos com a presidente Dilma Rousseff têm características distintas. A recriação da CPMF, supostamente para que haja verba para investir no sistema de saúde, é uma mera tentativa de reverter uma derrota política, aliada a uma busca desesperada de mais recursos para financiar gastos correntes do governo que não podem ser cortados, seja por questões legais, seja por interesses políticos.
A mudança de critério para a avaliação da dívida de estados e municípios, dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal, é uma reivindicação justa e que não fere os princípios do equilíbrio fiscal.
A chamada "flexibilização" da Lei de Responsabilidade Fiscal nada mais é do que a mudança do indexador que mede as dívidas dos estados e municípios, coisa que é preciso fazer para adequar a LRF à situação atual da economia do país, muito diferente de há dez anos, quando foi editada.
Quem, aliás, começou a defender essa alteração foi o governador de São Paulo Geraldo Alckmin, logo depois de eleito, mas o governo alegou na ocasião, erroneamente, que para alterar o indexador seria preciso mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que não é verdade.
A reivindicação de Alckmin tem fundamento técnico, porque a dívida dos estados e municípios ainda é indexada pelo IGPM, pois naquela época havia o câmbio fixo.
Quando o câmbio flutuante passou a ser usado, praticamente tudo que ainda é indexado tem como referência o IPCA, e só contrato de aluguel e tarifas é que ficaram em IGP, além da dívida dos estados e municípios.
Isso gera distorções importantes, por mais que os estados e municípios paguem a dívida só faz aumentar. Os governadores deviam 12% do PIB em 2000 e hoje devem 11%, mas pagaram muito mais do que esse ponto percentual de redução.
A movimentação de governadores eleitos para recriar o chamado imposto do cheque, extinto em 2007 pelo Congresso na grande derrota de Lula em seus oito anos de mandato, aconteceu logo no início da nova administração, o que sugeriu à oposição um jogo de cartas marcadas para fazer com que a volta da CPMF parecesse um movimento das bases políticas, a que o novo governo acederia.
A reação da opinião pública foi tão negativa que o assunto foi deixado de lado, para ressuscitar agora na reunião dos governadores do Nordeste, a maior parte deles governistas.
Na verdade, não há nenhuma razão para a criação de mais impostos, já que o governo aumentou o IOF logo depois da derrota no Senado e, de lá para cá, a arrecadação só tem feito crescer, levando a carga tributária brasileira para cerca de 36% do PIB.
Mas o governo tem imensas dificuldades para fazer cortes em seu orçamento, e já tem, mais à frente, algumas armadilhas preparadas por ele mesmo, como a política de reajuste do salário mínimo, que está sendo aprovada no Congresso, que já contratou um aumento para o próximo ano de 14%.
Um estudo feito por Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado Federal, doutor em Economia (IPE/USP), demonstra que, devido à forte rigidez da despesa, decorrente de legislação que obriga a realização de gasto mínimo em determinados setores (como pessoal e saúde), o espaço para corte de despesas é mínimo.
Um corte profundo das despesas não rígidas levaria a uma economia de, no máximo, R$19 bilhões, longe do ajuste de R$50 bilhões anunciado pelo governo.
O estudo demonstra também que há significativo espaço para ajuste nas despesas com inversões financeiras, mas isso requereria mudanças significativas nas políticas industrial e de desenvolvimento regional.
Duas grandes e polêmicas políticas públicas consomem R$27,6 bilhões: a política industrial (basicamente, repasses ao BNDES e financiamentos à indústria naval) e a política de desenvolvimento regional (repasses aos Fundos Constitucionais de Desenvolvimento).
As despesas com pessoal e encargos sociais, por sua vez, são rígidas, em função de uma legislação que privilegia a estabilidade no emprego do servidor, a irredutibilidade de remuneração, promoções por tempo de serviço etc.
O candidato derrotado à Presidência, o tucano José Serra, apontou os cargos comissionados - cerca de 20 mil - como passíveis de cortes, mas esses não estão na mira do governo por questões políticas: é neles que estão abrigados os petistas e aliados partidários.
O estudo conclui pela necessidade de se promover um ajuste fiscal com elementos voltados para o longo prazo, como racionalização da política de pessoal, voltada para a qualidade na contratação, o estímulo ao bom desempenho e o controle da folha de pagamento; forte esforço de avaliação dos investimentos públicos prioritários, com o cancelamento de investimentos desnecessários ou questionáveis.
Seria necessária, ainda segundo o estudo, uma revisão da política de reajuste do salário mínimo, para reduzir a velocidade de crescimento das despesas a ele indexadas; a complementação da reforma da Previdência Social; revisão da regra de despesa mínima em saúde, vinculando-se a expansão da verba a melhorias na gestão e a indicadores de qualidade.