domingo, dezembro 20, 2009

JB Entrevista : Fernando Henrique Cardoso



Joana Duarte


Da Redação - Os candidatos ao governo chileno, Sebastián Piñera e Eduardo Frei, já começaram a montar suas estratégias para conseguir apoio majoritário dos chilenos no segundo turno das eleições presidenciais, no próximo 17 de janeiro. Do alto de sua experiência, o sociólogo e ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso acredita que renovações são sempre saudáveis, apesar de admitir que, se estivesse no Chile, onde viveu exilado por quase cinco anos, votaria em Eduardo Frei, candidato governista de centro-esquerda da coalizão Concertación – no poder há 20 anos: “As pessoas, de vez em quando, querem renovar, mesmo sem um motivo maior do que a simples renovação em si”, afirma.

No Chile de hoje, o preço do desgaste da coalizão governista está sendo posto na conta de Frei.
Apesar dos altos índices de aprovação do governo de Michelle Bachelet, que chegou a 80% em outubro – a maior popularidade de um presidente chileno desde a redemocratização – Bachelet não consegue converter seu carisma em votos para seu candidato. Em um paralelo com as eleições brasileiras de 2010, Fernando Henrique, do PSDB, sugere que seria a hora de o PT também ceder a vez. Apesar da popularidade de Lula, o resultado das últimas pesquisas de intenção de voto mostram sua pré-candidata, a ministra Dilma Rousseff (PT), bem atrás do governador de São Paulo, José Serra (PSDB). Para FHC, isso mostra que não há transferência automática de votos, seja no Chile ou no Brasil. Dilma, assim como os outros candidatos, afirma, terá que demonstrar desempenho pessoal acima de tudo, pois na hora das eleições, “as pessoas não vão votar apenas em função de quem apoia quem. Vão olhar quem está sintonizado com o sentimento do momento e quem abre o horizonte de esperança e de confiança, para que diga:
"Com esse eu vou. Esse é fundamental"”.

JB - O candidato da oposição chilena, Sebastián Piñera, é favorito para vencer as eleições chilenas no segundo turno, em janeiro. Como se explica sua liderança nas pesquisas de intenção de votos, apesar da popularidade da presidente Michelle Bachelet, que apoia o governista Eduardo Frei?

Não é a primeira vez que Sebastián Piñera é candidato. Ele já é um nome conhecido. Além disso, embora a presidente Bachelet esteja muito bem avaliada, e eu gosto dela e do governo dela, não é fácil transferir votos. Isso não acontece automaticamente, não é um processo mecânico. Lá no Chile, a coalizão de centro-esquerda Concertación já está governando há muito tempo. Chega um momento em que há uma espécie de cansaço material e é mais fácil renovar. Mas é cedo para saber quem vai ser o vencedor no segundo turno.

JB - O senhor considera que a aprovação de Bachelet está bastante vinculada a características pessoais da presidente?

Eu não tenho dúvida. Em nossos sistemas políticos, não só aqui, mas nas sociedades de massa de um modo geral, que dependem muito de televisão, de rádio, disso tudo, o desempenho pessoal conta muito. Uma candidatura é julgada através de comparação. Por razões que desconheço, é provável que na comparação entre Sebastián Piñera e Eduardo Frei, Piñera tenha se saído melhor no primeiro turno. O Frei já foi presidente e isso sempre tem o efeito de causar um certo cansaço.

JB - Dá para fazer um paralelo com o Brasil, no sentido de que o presidente Lula, apesar de sua grande popularidade, também não tem conseguido transferir sua aprovação para a ministra Dilma Rousseff, sua candidata à Presidência em 2010?

Eu não acho que ele não tenha transferido seus votos. Todos os votos que a candidata Dilma Rousseff tem até agora vieram do Lula. O problema é outro: até que ponto vai haver essa transferência. No caso do Chile é diferente, porque Eduardo Frei já foi presidente, é bastante conhecido, seu partido Concertación tem tradição, e por isso não se contava tanto com a transferência de votos da atual presidente. No caso do Brasil, a candidata do PT não é uma pessoa conhecida, nunca foi às urnas, então, aí sim, se espera muito que haja transferência de votos. Eu acho que, provavelmente, vai haver essa transferência, mas isso tudo, a meu ver, vai depender do desempenho dos candidatos. O eleitorado não vota automaticamente só porque fulano apoiou ou deixou de apoiar. Na hora do voto, as pessoas não vão principalmente por aí. Vão olhar quem está sintonizado com o sentimento do momento e quem abre o horizonte de esperança e confiança, para que digam: “Com esse eu vou. Esse é o candidato que é fundamental”.

JB - É a primeira vez em vinte anos que a Concertación corre o risco de ser derrotada. O que explica essa mudança na direção política do Chile?

Eu acho que o Chile é um país onde as instituições são muito consolidadas, depois do Pinochet, naturalmente. E lá, elegendo-se um ou outro, as mudanças não serão dramáticas. Eu acho que existe o fenômeno que as pessoas precisam renovar de vez em quando, mesmo sem que haja um motivo muito mais forte. Eu não sei ainda se Frei vai perder, pois o candidato independente Ominami teve muitos votos e o partido comunista também. Então, não sabemos se estes votos serão transferidos para Frei. Não sei se ele vai perder, mas que está mais difícil, está. E vou dizer mais: isso é bom para a democracia. Pode ser ruim para quem está no poder, para o partido que vai sair do governo, mas para o país é saudável renovar de vez em quando. E olha que lá no Chile eu estaria ao lado da Bachelet. Não votaria em Piñera. Mas acho que, independentemente da minha opinião pessoal e da opinião que eu acho que muitos têm no Chile, arejar, de vez em quando, é útil para as instituições.

JB - Como o PSDB deve se colocar no debate eleitoral do Brasil? No Chile, Piñera tem sido apresentado como um candidato que vai fazer um governo de continuidade, e ao mesmo tempo propor avanços. O senhor acha que essa é uma estratégia que pode ser adotada pelo PSDB nas eleições?

Eu não sei se o PSDB deve fazer uso dessa ou daquela estratégia, mas eu sei o seguinte: o quê foi que Lula fez? Apesar de negar, não deu continuidade ao que eu tinha feito? Então, quando os países vão avançando e amadurecendo, certas questões vão indo para um lado mais consensual. Evidentemente que muita coisa no Brasil vem se abrindo e se consolidando, coisas que vieram do meu governo, e até mesmo do governo anterior ao meu, continuaram com Lula, que melhorou algumas e regrediu outras. Na hora da campanha, as pessoas vão apresentar isso de outra maneira, dizendo; “Eu fui contra tudo”. Bom, eu não acho que o Brasil esteja num momento em que se você disser “eu sou contra tudo”, isso dê certo, porque não precisa. O Brasil não está indo para o buraco, está indo bem. O que for bom tem que continuar e é preciso poder dizer, tranquilamente: “Vou continuar e vou melhorar ainda mais”. Eu não creio numa tática de um para um lado, outro para o outro, ou um contra o outro. Isso não vai funcionar. Nem de um lado, nem de outro.

JB - O PT promete insistir na comparação entre a sua gestão e a de Lula. O que acha disso?


Eles estão comparando com o passado e distorcendo o passado. É tática política. Ma, de qualquer maneira, eu não acho que as pessoas julguem desta forma. Ninguém vai votar em alguém pelo passado. Vai votar pelo futuro.

JB - Caso Piñera se eleja, podemos dizer que haverá um realinhamento do Chile na América Latina, como, por exemplo, uma aproximação com a Colômbia?

Não acredito em um maior alinhamento com a Colômbia. Cada país tem sua história, suas ligações. O Chile é um país democrático. Tanto o ex-presidente Frei quanto o ex-presidente Lagos, e a presidente Bachelet, embora distintos, têm um comprometimento fundamental com a democracia e com as boas regras de convivência no hemisfério. Nenhum deles endossou, digamos, a posição venezuelana. Nem mesmo o Uruguai, que é um país de democracia estabilizada. Foi eleito lá agora o José Mujica, antes foi o Tabaré Vázquez. Como é que o Vázquez governou? Muito bem, com muita propriedade. Não embarcou em nenhuma destas bandeiras demagógicas. Eu acho que nem Piñera nem Frei vão mudar sensivelmente o comportamento do Chile, porque nessa matéria, sobretudo em política externa, um país como o Chile tem um comportamento de longo prazo mais ou menos definido .

JB - Quais seriam os maiores desafios de Piñera na Presidência?

Eu acho que o maior desafio de um governo liderado por Piñera, como em qualquer outro lugar no mundo de hoje, é decidir o que vai ser o país no futuro. Como é que vamos enfrentar a competição da China, que vai ser grande. Como é que vamos nos colocar diante de uma economia baseada em energia de baixas emissões de CO2. Que outro tipo de matriz energética deve haver. Como é que nós vamos aumentar e aperfeiçoar os processo de integração social. Esses são os desafios que estão aí. O Chile conseguiu não só fortalecer a democracia, como se integrar razoavelmente bem na economia global. Mas a economia global está balançando, e não se sabe que rumo irá tomar. O Chile vai ter que se posicionar diante destes problemas. No caso da América Latina, eu acho que a relação do Chile com o Brasil vai continuar boa. É do nosso interesse haver uma convergência de posições na América Latina. Nós não temos nenhum choque maior. O meu governo não teve e o do Lula tampouco. O Chile nunca teve uma tendência de gerência estatal muito forte, embora tenha um estado muito organizado. E o Piñera, seguramente, vai seguir na mesma linha. O Chile teve um avanço social enorme, foi o país que mais progrediu com um sistema de bolsas, foi o que conseguiu fazer com que mais famílias fossem beneficiadas com acesso a educação e saúde, e isso deve continuar. Eu duvido que o Piñera vá mudar isso.

JB - Como seria a convivência de Piñera com seus aliados da União Democrata Independente (UDI), da extrema direita – inclusive vários que colaboraram com a ditadura de Pinochet e têm posições ideológicas muito conservadoras?

Aqui no Brasil está cheio de gente que colaborou com a ditadura e que está no governo do Lula. Tem ministros que foram sustentáculos ativos da ditadura militar, não é?

JB - O deputado Marco Enríquez-Ominami, a grande novidade eleitoral, escolhido por 20,1% dos eleitores chilenos, decidiu não apoiar nenhum dos candidatos no segundo turno. O senhor acha que esse eleitorado apoiará Eduardo Frei, ou pode haver alguma surpresa?

Ominami disse que não apoiaria ninguém, mas eu acho que o eleitorado dele penderá para o Frei porque ele é uma divergência da esquerda. Então, é difícil o eleitorado apoiar o Piñera, de centro-direita.

JB - Como o senhor vê a postura do novo governo americano com relação à América Latina? Muitos analistas sugerem que, nesse quesito, Obama não difere muito de Bush.

Eu não acho que ele seja a mesma coisa. Acho que Obama tem dado sinais de querer mudar. Ele tem tido dificuldades internas, ele pegou o governo no pior momento possível. Mas não é a mesma coisa. O novo secretário de Estado adjunto dos EUA para a região, Arturo Valenzuela, meu amigo, não tem uma posição iracunda. Na questão de Honduras por exemplo, concordo com ele, de que deve haver um jeito de pacificação. Com relação ao uso das bases na Colômbia, acho que quanto menos bases aqui melhor. Entendo a luta do presidente Álvaro Uribe com o narcotráfico, mas quanto mais paz, melhor.