FOLHA DE S. PAULO
SÃO PAULO - Lula fita a plateia com a boca aberta, exibindo um sorriso satisfeito. Sua expressão, a meio caminho entre o deboche e o deleite, contrasta com a figura circunspecta de Michel Temer, mãozinhas solenemente cruzadas sobre os joelhos, o olhar cabisbaixo.
Ambos estão sentados lado a lado na imagem reveladora que o fotógrafo Alan Marques capturou -publicada ontem, no alto da página A4 da Folha; para conferi-la, acesse www.folha.com.br/093491.
O presidente da Câmara tem os lábios cerrados e a fisionomia de certo pesar. Dela, no entanto, se destaca um sorriso amargo, de desprezo e ressentimento, que sua boca escancara ao tentar reprimir.
A franqueza quase pegajosa da risada de Lula acaba denunciando, por contraste, o que há de dissimulado na altivez de Temer. Dele, ACM disse uma vez que parecia um mordomo de filme de terror. Sim, mas a foto também permite a comparação com outro personagem -José Dias, o agregado que vive à custa da família Santiago, no "Dom Casmurro", de Machado de Assis.
Analisando o que essa figura pode nos ensinar do Brasil, o crítico Roberto Schwarz diz, num ensaio célebre ("A Poesia Envenenada de Dom Casmurro"), que a graça de Dias "vem do contraste entre a gravidade vitoriana da pessoa e os cuidados subalternos a que se obriga".
Também Temer, o peemedebista com pose de bacharel e afinidades tucanas, engole a seco as provocações de Lula porque, feitas as contas, não quer perder a sua chance.
Como José Dias, Temer seria o "agregado distinto, que fala, pondera, conta vantagem", mas está "dependendo sempre de acomodações mais ou menos humilhantes".
O PMDB se tornou o grande agregado da política nacional, a sigla-mãe do clientelismo. É fácil rir do teatro da dignidade, do "vazio da respeitabilidade" que suas figuras de proa ostentam.
Sim, mas quem salvou Sarney? Falta vontade e coragem para criticar aquele que patrocina relações espúrias de poder em troca da comodidade do mando.