O ESTADO DE S. PAULO
Não faz ainda 20 dias que apareceu diante de todo o País recebendo um dinheiro das mãos de notório distribuidor de propinas e o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, já dá nova demonstração de conduta abusiva.
Valeu-se do cargo que, pelos critérios do bom senso, ocupa de maneira ilegítima, para distribuir R$ 248 milhões entre funcionários do DF. Antecipou o pagamento de dezembro para todos os 45 mil servidores e liberou verbas de gratificação a bombeiros e policiais militares.
Estes últimos especialmente merecedores, sob a ótica do governador, de recompensa pela atuação truculenta na repressão a estudantes em protesto contra a presença no governo de uma autoridade investigada por corrupção e filmada em flagrante delito.
Ao presentear os funcionários, a intenção do governador foi presentear a si mesmo, pois supõe que assim contribua para esvaziar os movimentos em prol do seu impeachment.
Não fez nada de ilegal. Inclusive porque sua cota nessa seara já foi exposta. Mas impressiona nesse caso a desfaçatez. Não só de Arruda ao tentar simular normalidade reunindo o secretariado para falar de assuntos "de governo" e organizando "a base" na Câmara Distrital para decidir a melhor (para ele) data do início do recesso, a fim de ganhar tempo na esperança de que esfrie o clima do escândalo.
O cinismo é generalizado. Alcança todos os partidos a ele aliados, cujos filiados também aparecem nas imagens ou são citados no inquérito, mas permanecem incólumes, impunes, levando a vida quase normalmente, como se nada tivesse acontecido.
A falta de pudor alcança também o DEM, que tanto escarcéu fez pela saída de José Roberto Arruda do partido por causa do vídeo em que o então candidato aparece recebendo dinheiro, mas não se importuna com a presença do vice Paulo Octávio em suas fileiras.
Isso, apesar de o principal executivo do empresário do ramo imobiliário (o maior de Brasília) ter sido filmado enchendo uma mala preta. O DEM alega que nada há contra o vice. Amplamente citado no inquérito, mas sem a imagem dele na tela.
As coisas chegaram a um ponto em que evidências, citações, a óbvia divisão de responsabilidades entre o governador e o vice - que nem uma palavra de reparo disse sobre a conduta de seu companheiro de governo - não bastam.
E, nesta altura de um campeonato em que o governador se arvora o direito de ler comunicados sem permitir perguntas para não ser constrangido pela imprensa, usa o patrimônio público em feitio de autoajuda, nem as provas comprovam.
É preciso, no dizer dos correligionários de Arruda, uma CPI da Câmara Distrital para "investigar" se as cenas a que o Brasil todo assistiu significam que o governador recebeu dinheiro, que os deputados embolsaram propina, que os empresários levaram notas nas cuecas, que os corruptos oraram em atenção à graça recebida, ou se porventura as imagens não falam por si.
Ação parlamentar
É do deputado Miro Teixeira a ação de inconstitucionalidade contra vários pontos da legislação eleitoral alterados pelo Congresso neste ano, que ensejará a chance de o Supremo Tribunal Federal interpretar a Constituição de modo diferente ao desejado pelos parlamentares.
Por exemplo, no que tange à limitação do prazo de 15 dias após a diplomação do eleito, para contestação de mandatos. A legislação impede a cassação de José Roberto Arruda por crime eleitoral em 2006 e teria impedido também a interrupção dos mandatos de governadores e prefeitos condenados antes da aprovação das novas regras.
Foi do deputado Miro Teixeira a ação que permitiu a derrubada da Lei de Imprensa, bem como foi da autoria dele uma antiga consulta que permitiu ao Tribunal Superior Eleitoral instituir a obrigatoriedade de alianças uniformes para eleições nacionais e regionais.
A chamada verticalização, já extinta pelo Congresso por contrariar interesses dos grandes partidos.
O deputado Miro, aliás, anda sumido. Ele e outros de atuação parlamentar significativa perderam espaço, hoje totalmente ocupado pela turma da fisiologia.
Limites
"O censor não está limitado por lei alguma", disse o ministro Eros Grau, em seu voto contrário ao recurso do Estado ao Supremo Tribunal Federal, pela suspensão da censura prévia à publicação de informações sobre a operação da Polícia Federal que investiga atividades ilícitas do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney.
Pelo raciocínio do ministro, só o juiz está limitado pela lei, cuja aplicação não pode ser confundida com censura.
O ministro Eros Grau não levou em conta que não apenas o censor, mas qualquer cidadão - inclusive juízes - está não só limitado como impedido pela Constituição de ferir os preceitos da liberdade de expressão e do direito à informação.