terça-feira, janeiro 01, 2008

Biodiesel Xico Graziano

O Estado de S. Paulo


Ano-novo, vida nova. Mais ainda, combustível novo. Sim. Passa a ser obrigatória, a partir de hoje, a mistura de 2% de biodiesel ao óleo combustível comercializado no País. Boa novidade.

Segundo a lei, aprovada em 2005, o chamado B2 prevalece até 2013, quando entra em cena o B5, quer dizer, a adição obrigatória sobe para 5% de biodiesel no óleo comercializado. Quem, entretanto, quiser antecipar a mistura pode solicitar a devida autorização. Na agricultura, especialmente no distante Centro-Oeste, para fugir do elevado preço do diesel, tratores já funcionam, meio no tapa, até com B100. Vegetal puro no tanque da máquina.

O biodiesel é obtido a partir de óleos vegetais, embora possa também advir de gorduras animais, como sebo. Combustível biodegradável, derivado de fontes renováveis, o novo combustível se opõe ao diesel do petróleo, de origem fóssil, não renovável. A diferença é enorme. A cada ciclo de produção, o crescimento vegetal retira da atmosfera o gás carbônico liberado na combustão. Na linguagem ambiental, isso significa que o biodiesel é "carbono neutro"; suas obtenção e queima não contribuem para o aumento das emissões de CO2 no planeta.

Transesterificação é o novo palavrão na praça. Assim se chama o processo utilizado para transformar o óleo renovável em biodiesel. Consiste numa reação química de óleos vegetais (ou de gorduras animais) com o álcool comum (etanol) ou o metanol, estimulada por um catalisador. Desse processo resulta a glicerina, empregada para fabricação de sabonetes e diversos outros cosméticos.

Há dezenas de espécies vegetais oleaginosas propícias à produção do biodiesel. Destacam-se soja, girassol, dendê (palma), pinhão-manso e mamona. Cada qual apresenta vantagens e desvantagens. A soja, por exemplo, vence na escala de produção e na tradição de cultivo. Mas perde no teor de óleo da sua semente, entre 18% e 20%. Bastante protéica, a soja esmagada gera grande quantidade de farelo, ótimo para ração animal, um estorvo, porém, para uma fábrica de biodiesel.

O girassol apresenta de 40% a 45% de óleo na semente, bem mais do que a soja. Inexiste no país, todavia, tradição de plantio de girassol. Pouco se investiu no melhoramento genético das variedades, que exigem frio no ciclo da produção. Isso explica o seu bom desenvolvimento na Argentina, ao contrário do Brasil.

O pinhão-manso é coqueluche, uma descoberta recente. Planta não comestível, de elevado teor de óleo, acima de 50%, seu problema é que ninguém nunca a plantou em escala suficiente para ser conhecida na agronomia. A Embrapa e órgãos estaduais de pesquisa correm para estudá-la. Uma aposta no futuro.

O dendê, ou a palma, uma palmeira de origem africana, oferece excelente óleo a partir de sua polpa. Rivaliza com a soja na produção mundial de óleo, graças aos grandes cultivos na Malásia e na Indonésia. No Brasil, assume importância na região úmida da Amazônia. Vai, sem dúvida, crescer sua produção para atender ao mercado do biodiesel.

Resta a mamona. Sua semente traz de 45% a 50% de óleo. Planta muito resistente, adaptada a solos menos férteis, poucas pragas a atacá-la, a euforbiácea é conhecida desde a Antiguidade por originar o óleo de rícino, famoso purgativo na medicina popular. No mundo industrial, o óleo de mamona sempre guardou excelente valor no mercado de lubrificantes, pois mantém boa viscosidade em ampla faixa de temperatura.

Na década de 1940, o Brasil liderava a produção mundial de mamona, com 370 mil hectares plantados. Mas a ricinocultura não agüentou a competição da moderna agricultura de escala, decaindo seu volume e se tornando quase residual, exceto no oeste da Bahia, onde manteve certa importância. Quem se destaca no mercado mundial agora é a Índia, com 62% da produção, seguido pela China. Ao Brasil resta a medalha de bronze.

Parece, porém, que a mamona vai repicar. Ela é a favorita do governo brasileiro para o programa de biodiesel. Com uma novidade. A fórmula petista mistura solução energética com equação agrária. Pretende fazer da mamona um trampolim de sucesso para os assentamentos de reforma agrária. Criou-se, assim, uma diferença fiscal para os plantios de mamona oriundos, no Nordeste, da chamada agricultura familiar.

Apenas uma grande empresa, a novidadeira Brasil Ecodiesel, prometia envolver 10 mil pequenos agricultores do Tocantins, gerando 800 milhões de litros do novo combustível. Dinheiro público, fartamente subsidiado, financiava o projeto. Uma maravilha que mereceu, há dois anos, festa no Palácio do Planalto, com a presença de Lula.

Na prática, a teoria é outra. Misturar sem-terra com mamona deu zebra. A Petrobrás começou, agora em dezembro passado, a vender biodiesel ao mercado. Disponibilizou 380 milhões de litros de seu estoque, arrematado em leilões promovidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). A quantidade distribuída não atinge metade do necessário para cumprir a mistura do B2, estimada em 880 milhões de litros. Incrível, vai faltar biodiesel.

Haja incompetência. Puxa vida. Agricultura energética representa uma oportunidade de ouro, uma mudança de paradigma, e ela brilhou para a agricultura brasileira. Primeiro, com o etanol; agora, com o biodiesel. Chegou o momento de emplacar o novo combustível vegetal. Será um sucesso, se a demagogia oficial não atrapalhar tudo. Infeliz de quem troca o profissionalismo pela ideologia vazia.

Feliz ano-novo.