terça-feira, janeiro 01, 2008

Promessas da economia para 2008

Ilan Goldfajn

O Estado de S. Paulo


Já imaginaram se a economia mundial pudesse fazer suas promessas para 2008? Hoje é o primeiro dia do ano, bom momento para especular a esse respeito. Ao contrário das promessas pessoais - que dependem basicamente da força de vontade individual -, a economia é o resultado da combinação da ação de vários indivíduos, empresas e governos, normalmente sem coordenação. Por sorte, ninguém (nem o FMI, o Banco Mundial ou a ONU) se aventura a fazer promessas em nome de um conjunto tão disperso. Mas eu tive acesso privilegiado ao que seriam as promessas da economia mundial (e brasileira), caso existissem. Aí vão:

Drible na crise financeira e na desaceleração mundial - Os últimos anos de exuberância e otimismo na economia mundial levaram a excessos. Surgiram bolhas (aumentos de preços dissociados do racional) imobiliárias em vários cantos do planeta. Tomaram-se riscos exagerados nas aplicações financeiras. As inovações financeiras e a globalização espalharam esses exageros para o mundo. Os exageros ficaram claros em 2007. A bolha imobiliária nos EUA estourou. Os bancos tiveram perdas não imaginadas anteriormente (fala-se em perdas de centenas de bilhões de dólares, chegando até o trilhão). Houve corridas bancárias, demissão dos responsáveis e uma sensação de desconfiança no sistema financeira internacional. Enfim, após décadas sem aparecer, surgiu uma crise financeira internacional digna do nome. Promessa: os bancos centrais do mundo vão conseguir reverter a crise financeira provendo liquidez, o que evitará a restrição de crédito que possa levar a uma recessão nos EUA e no mundo. A economia mundial e seus bancos centrais prometem usar toda a flexibilidade e credibilidade conquistada nos últimos anos para evitar o cenário pessimista e confirmar os cenários mais otimistas da maioria dos analistas.

Estabilidade dos preços de alimentos no mundo - A inflação de alimentos foi uma grande vilã em 2007. Os preços desses itens subiram 12% na China, 10,5% no Brasil e 6% nos EUA, pondo os bancos centrais do mundo em alerta (juros mais altos) para evitar que o custo de vida continue subindo. Promessa: por um lado, aumentar a produção de alimentos (trigo, milho, soja) no mundo, reagindo a contento a preços e retornos maiores. Por outro, moderar o crescimento da demanda por alimento dos novos "glutões" - países como China e Índia, que têm incorporado um grande contingente de mão-de-obra nas cidades, com poder de compra cada vez maior. A China cresceu 11,5% e a Índia, 9% em 2007. A direção é boa, mas se promete moderação no crescimento (para evitar inflação). A desaceleração nos EUA vai ajudar nessa moderação.

Equilíbrio global e resistência ao protecionismo - Nos últimos anos, a economia mundial tem crescido bem, mas, de certa forma, desequilibrada. Quem produz não é necessariamente quem consome. Os EUA são os maiores consumidores. O resto do mundo produz mais do que consome. O resultado é déficit comercial americano e superávit no resto mundo, em especial, nos países asiáticos e nos países exportadores de petróleo. Estes últimos acumularam reservas e montaram seus fundos soberanos para comprar ativos, enquanto os EUA acumularam dívidas. Esta situação de desequilíbrio ameaça aumentar o protecionismo no mundo, principalmente na esteira das eleições americanas (e o apelo de falsa segurança que o protecionismo oferece). Em algum momento, esse processo tem de se reverter, menos consumo e déficit nos EUA e mais consumo e menor superávit no resto do mundo. Promessa: a economia mundial vai caminhar para resolver os desequilíbrios mundiais. O déficit americano vai diminuir, não só pela esperada desaceleração nos EUA, que reduz suas importações, mas também pela depreciação do dólar em relação às moedas asiáticas (o yuan chinês, por exemplo) e às moedas do Golfo (do petróleo). Dessa forma, fica mais barato para o resto do mundo consumir produtos americanos e mais caro para o americano fazer o inverso, o que ajuda a reverter os desequilíbrios mundiais. A China, em particular, promete "flexibilizar" mais rapidamente o seu regime cambial e aceitar uma apreciação da sua moeda. Com isso as garras do protecionismo perdem força.

Brasil, limite aos gastos do governo e crescimento sustentado - A mais difícil das promessas (o corte de gastos). Não pelo aspecto econômico, mas pela falta de convicção. Nos últimos anos, a bonança da economia mundial se aliou ao legado de um pouco mais de responsabilidade na condução da política econômica (controle da inflação, manutenção do superávit primário, respeito aos contratos, avanços microeconômicos) para gerar um período de crescimento forte com estabilidade. Para que o forte crescimento não esbarre nos seus limites, levando à inflação e ao aumento de juros (no mercado financeiro já se espera aumentos de mais dois pontos percentuais em 2008), é necessário que o investimento cresça aceleradamente e aumente a capacidade de produção da economia. Mas o governo trabalha contra, gasta e arrecada muito e desloca recursos do que poderia ser investido pelo setor privado. Promessa: na esteira da queda da CPMF, o governo vai finalmente cortar o crescimento dos gastos (e não o superávit primário). A economia, por sua vez, vai conseguir investir o suficiente para manter o crescimento sustentado, sem inflação, e os juros não precisarão subir.

Cumprir as promessas acima será um desafio. Não obstante, nenhuma delas é tarefa fora do alcance. Algumas fazem parte das previsões da maioria dos analistas. Só esperamos que este ente abstrato - a economia mundial (e a brasileira) - tenha mais sucesso no cumprimento das promessas que a maioria dos simples mortais.