Há um consenso entre os atores políticos da cena brasileira que aponta a total incapacidade do governo em administrar sua base parlamentar com eficiência, tirando dela uma segurança política indispensável ao bom andamento da gestão pública. Ou o governo impõe sua vontade através de medidas provisórias ou é chantageado pela própria base quando precisa dela para aprovar qualquer medida, mesmo quando a predominância aliada é enorme, como acontece na Câmara dos Deputados. Há quem seja benevolente na sua análise, e ache que a crise que já se arrasta há cinco anos é de acomodação do PT ao presidencialismo de coalizão, a distância entre a sua agenda política e a agenda e práticas dos partidos da base.
Outros, mais críticos, consideram que o PT aderiu às práticas da política tradicional, levando-as para dentro do partido. É o caso do grupo que se intitula Mensagem ao Partido, que tem no ministro da Justiça, Tarso Genro, sua maior liderança e apresentou como candidato às últimas eleições o deputado federal José Eduardo Cardozo.
No manifesto de derrotado, o grupo afirma: “Rechaçamos esta lógica que introduz de fora para dentro do nosso partido elementos da política tradicional, historicamente recusados pelo PT, e que vão transformando o partido numa máquina eleitoral cada vez mais dependente do clientelismo, do dinheiro, e portanto, cada vez mais sujeito à corrupção”.
Eles anunciam que pressionarão para “a imediata redação e aprovação de um Código de Ética no PT, e de mecanismos que façam valer suas normas na prática partidária e nos cargos públicos, para que elas não sejam letras mortas desrespeitadas”.
Mas há também quem já não se iluda mais com a antiga imagem de partido intocável, defensor da ética na política, que predominava no imaginário popular até o estouro do mensalão, prática de corrupção ativa dentro do Congresso já entendida como crime pelo Supremo Tribunal Federal, que acolheu as acusações do procuradorgeral da República contra os 40 acusados.
Os desdobramentos do caso e outros escândalos que estouraram simultaneamente mostraram que práticas ilegais já eram comuns nas gestões municipais do PT, embora o partido tenha conseguido manter sua imagem incólume até chegar ao governo federal.
Essa dificuldade de lidar com sua base aliada, mais pela disputa de espaços na máquina pública do que por diferenças morais, aliada à diversidade de interesses, produziu crises que mancharam a imagem dos políticos, sendo a principal delas neste segundo mandato a que envolveu o expresidente do Senado Renan Calheiros.
O governo também impediu o trabalho legislativo, ao entupir a pauta da Câmara e do Senado com medidas provisórias na maior parte irrelevantes, e não conseguiu organizar minimamente sua base para apresentar uma reforma política que fosse passível de aprovação.
Esse impasse abriu espaço para uma atuação cada vez mais vigorosa do Poder Judiciário, que ficou conhecida como “a judicialização da política”. O jurista Luís Roberto Barroso, em estudo comentando a atuação do STF no ano que termina, diz que “nas fases em que o processo político majoritário — cujos protagonistas são o Executivo e o Legislativo — não é capaz de atender integralmente às demandas da sociedade, potencializa-se o papel de juízes e tribunais”.
Para ele, a síntese de 2007 pode ser assim definida: “as instituições judiciais foram capazes de suprir algumas exigências da sociedade não atendidas de maneira satisfatória pelo Legislativo e pelo Executivo. Antes assim.
Ao fazê-lo, todavia, o Judiciário expandiu sua atuação a fronteiras nas quais o direito e a política se aproximam perigosamente. O pêndulo já se aproxima do limite e está chegando a hora de começar a voltar”.
Talvez a derrota do governo na votação da prorrogação da CPMF tenha sido um marco de retorno à normalidade institucional, com o Congresso retomando seu espaço na relação entre os poderes da República. Mas o fato é que, com essa base tão heterogênea, o governo vai continuar tendo problemas, e não apenas dentro do parlamento.
A questão ética continua assombrando essa relação, seja pela sua própria natureza, seja pela dificuldade de lidar com os partidos aliados, e mais uma vez o governo se vê às voltas com uma questão de ética na política que tem importância muito mais simbólica do que prática e, por isso mesmo, ganhou relevância.
Já há alguns dias, a Comissão de Ética do Estado, uma reunião de personalidades públicas suprapartidárias designada para dar os parâmetros éticos da atuação das autoridades, vem travando uma disputa com o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que acumula suas funções com a de presidente do PDT, um dos partidos da base aliada.
A comissão, presidida pelo ex-ministro Marcílio Marques Moreira e composta por nomes como Hermann Assis Baeta, José Ernanne Pinheiro, Roberto de Figueiredo Caldas e Sepúlveda Pertence, sinalizou que não é ética essa acumulação, apesar de não ser ilegal. Lupi, em vez de se licenciar da presidência do partido, mobilizou suas bases trabalhistas, pegou o apoio até mesmo do advogado-geral da União e permanece nos dois cargos, mesmo depois de estourados dois prazos dados a ele pela Comissão.
A situação chegou ao ponto em que a Comissão encaminhou formalmente à Presidência da República a sugestão de que demita Carlos Lupi do Ministério do Trabalho, caso ele se negue a deixar a presidência do PDT. Está formada uma confusão desnecessária que obrigará o presidente Lula a ter que definir publicamente o que entende por ética nas atividades governamentais.
Ou a dissolver a Comissão de Ética do Estado.