SÃO PAULO - O velho sábio que habitava esta Folha costumava dizer que vivera o suficiente para ver tudo acontecer e o seu contrário também. Até ler o artigo de ontem de Luiz Carlos Mendonça de Barros, começava a achar que estava entrando nessa fase.
Afinal, passei toda a minha vida adulta convivendo com um demônio chamado inflação. Convivendo em três sentidos: como pessoa física, tratando de me defender dele.
Como jornalista, cobrindo os muitos planos lançados para matá-lo.
E, em coberturas internacionais, desanimando de explicar o Brasil para estrangeiros -porque inflação elevada não figurava no código mental e cultural dos interlocutores do mundo rico.
Depois do Plano Real, o Brasil começou a ficar, digamos, normal (desse ponto de vista -e só desse).
De repente, parecia que ia acontecer o contrário: europeus e norte-americanos é que ficariam "anormais". Na segunda-feira, o principal título do "Financial Times" tratava dos riscos, para os consumidores, dos aumentos nos preços mundiais dos alimentos.
Aumentos, de resto, em ritmo do velho Brasil: nunca antes no mundo os preços do trigo e do arroz tiveram cotação tão alta (para entrega em março próximo); a soja conhece um pico de 34 anos, e o milho, de 11 anos.
Claro que no Brasil os alimentos também estão em alta (10,09% no mais recente IPCA-15), mas inflação mesmo (que é alta generalizada de preços, não aumentos localizados) não parecia à vista.
Até que vem o chato do Luiz Carlos Mendonça de Barros para avisar: "Vamos entrar em 2008 com um risco de inflação elevado, e essa questão já está no topo das prioridades do mercado".
Vou ter que guardar um pouco mais o ar de superioridade que pensava exibir em cima dos europeus e norte-americanos ao encontrá-los em Davos em janeiro.