domingo, dezembro 23, 2007

Mailson da Nóbrega

Ilusões, confusões e aleijões tributários|



No "day after" da perda da CPMF, a sensatez da reação do governo impressionou bem. Para acalmar os mercados e evitar uma crise de confiança, Lula reafirmou a meta de superávit primário. Falta provar que a promessa é crível.

Infelizmente, as coisas desandaram depois. O ministro da Fazenda anunciou nova contribuição social para a saúde. Lula disse que não mexe no PAC, no Bolsa-Família e na contratação de mais funcionários. No Congresso, falou-se a esmo sobre a reforma tributária. Fechou-se um acordo inviável para aprovar a prorrogação da DRU.

Vamos por partes.

A contribuição defendida pelo ministro teria a mesma base da CPMF e iria integralmente para a saúde. Ele cometeu quatro erros.

O primeiro foi uma pixotada política homérica. Não se age assim logo depois de igual idéia ter sido derrotada no Congresso. Foi um afronta, como bem protestou a oposição.

Segundo erro: uma incidência tributária exclusiva para a saúde. Seria mais um aleijão. Levar-se-ia ao extremo a idéia de vincular receita a despesa. A extravagância não pode vir do ministro da Fazenda.

A saúde é parte importante das políticas públicas. Seu financiamento deve ser feito com tributos gerais e não por uma determinada arrecadação. Se o ministro estivesse certo, seria preciso criar um tributo para a educação, outro para a segurança, outro para o Nordeste e por aí afora.

Terceiro erro: não avaliar se era possível recriar a CPMF com outro nome. As bases de tributação constam da Constituição: renda, consumo, propriedade, receita, faturamento, lucro e folha de salários. Daí por que se criou a CPMF por emenda constitucional. Precisava-se de nova base: a movimentação financeira.

Quarto erro: defender a criação do tributo por medida provisória. Os bons juristas dizem que isso exige lei complementar. Como a Constituição proíbe emitir medida provisória sobre matéria de lei complementar (Emenda Constitucional nº 32, de 2001), o novo tributo não teria sustentação jurídica. Nem sequer seria aceito pelo Congresso.

O ministro não foi o único a escorregar.

Parlamentares e comentaristas se iludiram com imaginadas conseqüências do fim da CPMF. Disseram que a perda seria a oportunidade para a reforma tributária, inflando as expectativas dos que acreditam que a reforma serve para reduzir a carga tributária.

Líderes da oposição disseram-se dispostos a aprovar a criação de recursos para a saúde. Em outras palavras, a reforma seria para aumentar a carga tributária. Acontece que rejeitaram a CPMF para baixar a carga tributária.

Já o líder do governo no Senado declarou que "os planos do governo para aumentar a arrecadação passam pela reforma tributária", de onde sairão "os recursos para a saúde". Confusão geral.

Reforma tributária tem a ver com simplificação, que é o fulcro dos estudos em curso na Fazenda. A proposta é muito boa. Se aprovada, vai reduzir o caos tributário e aumentar o potencial de crescimento. Prevê-se a fusão de tributos federais e a unificação da legislação do ICMS, entre outras medidas modernizantes. A reforma será neutra do ponto de vista da arrecadação.

Não dá para reduzir a carga tributária ou gerar um sistema tributário racional no Brasil, a não ser lentamente, em muitos anos e depois de difíceis medidas estruturais para cortar gastos.

Isso significaria arrecadar em torno de 25% do PIB, mesmo assim acima de outros países em desenvolvimento. Ocorre que as despesas obrigatórias pela Constituição passam de 30% do PIB.

Para completar, no afã de aprovar a DRU, o governo comprometeu-se a compensar a perda da CPMF sem aumentar tributos. Recorreria apenas ao corte de gastos.

Embora o acordo possa ter entusiasmado os menos informados sobre tão complexo tema, é pouco provável que seja cumprido, especialmente porque o governo anunciou que não corta o PAC nem o Bolsa-Família.

Como diminuir gastos de R$ 40 bilhões? Consideradas as exclusões indicadas pelo presidente, a margem para cortes se limitará a uns R$ 100 bilhões. Alguém imagina que seja possível podar 40% das chamadas despesas discricionárias? Eu não.

Se quiser mesmo manter o superávit primário, no que está certo, dificilmente o governo poderá fugir de algum aumento de alíquotas de tributos. O IOF e a CSLL são os mais prováveis candidatos.

Por isso, feitas as contas, o acordo não fecha.