domingo, dezembro 23, 2007

O futuro dos bancos públicos

Suely Caldas

O uso político dos bancos estaduais foi prática corriqueira até meados dos anos 90. Quem não se lembra dos escândalos de corrupção no Banespa, Produban e tantos outros que, a cada eleição, tinham seus cofres esvaziados para financiar campanhas de governadores e seus aliados? Os bancos federais também não escaparam. Nos últimos 30 anos o contribuinte custeou incontáveis operações financeiras ruinosas efetuadas nos bancos da Amazônia, do Nordeste, Caixa Econômica Federal (CEF) e Banco do Brasil (BB). Só o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) conseguiu distanciar-se da invasão dos políticos, mas socorreu muitas empresas privadas falidas com o dinheiro dos brasileiros. Afinal, os bancos públicos são um mal incurável? São agentes de desenvolvimento econômico e social? Qual o futuro deles?

Essas questões são dissecadas e debatidas em livro recém-lançado, Mercado de Capitais e Bancos Públicos - análises e experiências comparadas, organizado pelos economistas Armando Castelar Pinheiro e Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho, que reúne artigos de 14 especialistas de variados credos e linhas de pensamento econômico. De liberais como Pérsio Arida (que assina o prefácio) e Edmar Bacha a defensores da intervenção do Estado como o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, passando pelo meio-de-campo Fabio Giambiagi, há consenso de que os bancos federais não precisam ser privatizados porque ainda há justificativa econômica e social para sua existência. Porém, na avaliação de Arida, Bacha e Mailson da Nóbrega, eles se tornarão irrelevantes em futuro próximo, quando forem completadas as reformas no mercado financeiro de longo prazo e o País alcançar nível superior de investimento. Já os remanescentes e falidos bancos estaduais, que na visão de Bacha têm por "única função a sustentação de oligarquias e burocracias regionais parasitárias", devem ser privatizados ou fechados. Os autores se ocupam mais com o debate sobre o papel do BNDES no futuro do que com o BB e a CEF, que já concorrem no segmento comercial com bancos privados.

O ex-presidente do Banco Central Pérsio Arida observa que "o mercado de capitais, na forma específica da emissão de novas ações, já é mais importante para viabilizar projetos de investimento do que o BNDES". Portanto, argumenta, é preciso, desde já, preparar esses bancos para a nova realidade que enfrentarão quando perderem relevância. Nesse contexto, o BNDES não mais receberia recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e a CEF, do FGTS - fundos que deveriam ser extintos porque "contribuem para elevar a taxa de juros do Banco Central, penalizam a formação de capital como um todo e inibem mecanismos de poupança voluntária". Bacha e Arida propõem que o BNDES siga vivendo com dinheiro do pagamento de empréstimos, como qualquer banco de desenvolvimento, e a CEF seja incorporada ao BB.

Luciano Coutinho discorda. Em texto assinado em parceria com Bráulio Lima Borges, o atual presidente do BNDES justifica a criação do FAT e do FGTS: "É ilusório imaginar que, considerada a persistência de inflação alta e volátil, indivíduos e empresas poupariam sem essa intervenção compulsória." E argumenta que sem eles não haveria como financiar gastos públicos e oferecer crédito ao setor privado. Ernani Teixeira Torres Filho, que comanda o Departamento Econômico do BNDES, reforça os argumentos de Coutinho e sustenta que o banco continuará a ter papel de destaque no futuro, porém mais alinhado ao desenvolvimento dos mercados de capitais. Os investimentos do País não podem prescindir de um banco que possui o dobro do volume de créditos do Banco Mundial e quatro vezes o do Banco Interamericano de Desenvolvimento, argumenta.

Em longo artigo descritivo da literatura sobre bancos públicos no mundo, o economista do Ipea Armando Castelar também trata do BNDES e questiona o subsídio embutido em sua taxa de juros, que deveria ser claramente explicitado, e não escamoteado, como ocorre hoje. Para Castelar, a política de crédito do banco deveria priorizar empresas de menor porte que não têm acesso fácil ao mercado de capitais, e não grandes conglomerados, como Petrobrás, Vale e outras, que "não precisam de dinheiro subsidiado".

Enfim, uma boa leitura, que se preocupa em antecipar, debater e planejar o futuro dos bancos públicos e do mercado de capitais. Um bom presente de Natal a desmentir o presidente do Ipea, Marcio Pochmann, que acusa economistas liberais de só enxergarem o presente e a conjuntura.

*Suely Caldas, jornalista, é professora da PUC-Rio
E-mail: sucaldas@terra.com.br