domingo, dezembro 23, 2007

Salvando duas estatais e o rádio digital Iboc

Ethevaldo Siqueira

Por mais estranho que possa parecer, o governo Lula planeja ressuscitar duas estatais - a Telebrás e a Eletronet - e ainda investir no capital de uma empresa americana, a Ibiquity, proprietária da tecnologia de rádio digital In Band on Channel (Iboc). São três projetos polêmicos que caminham sem qualquer debate e sem a participação do Congresso. Façamos uma retrospectiva.

Privatizada em 29 de julho de 1998, a Telebrás já deveria ter sido extinta. Mas sobreviveu os últimos nove anos porque tem responsabilidades trabalhistas com 293 funcionários cedidos à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), além de enfrentar outras questões na Justiça.

A FÊNIX RENASCE

A reativação da Telebrás interessa a três ministérios: Comunicações, Casa Civil e Comunicação Social. Seus defensores atribuem papel estratégico à empresa nos ambiciosos projetos de inclusão digital, que interligarão escolas e hospitais via internet de banda larga, e na operação do futuro Satélite Geoestacionário Brasileiro (SGB), planejado para prestar, entre outros, serviços de comunicações militares e segurança de vôo. É claro que todos esses serviços poderão ser prestados com a mesma segurança e confiabilidade - e por menores custos - pelas operadoras privadas de telecomunicações do País, como ocorre, aliás, em muitos países.

Os investimentos para os projetos de inclusão digital do governo Lula nos próximos três anos são da ordem de R$ 2,5 bilhões e R$ 3 bilhões, segundo prevê o ministro das Comunicações, Hélio Costa.

Para o PT e seus aliados, a recriação de uma estatal como a Telebrás é um prato apetitoso. Segundo observadores independentes, a criação de centenas de cargos nessa nova empresa, a começar pela diretoria, amplia o espaço para barganhas e para o aparelhamento do Estado.

A QUASE FALIDA

Nascida em 1999, no auge da bolha da web, a Eletronet tem como sócias a Lightpar (Eletrobrás) e a AES Bandeirante. O começo de suas operações ocorreu no momento de refluxo dos negócios setoriais, logo depois do estouro da bolha. Seu desempenho, como se poderia esperar, foi catastrófico, resultando em calote de mais de R$ 400 milhões para seus fornecedores.

Paralelamente à reativação da Telebrás, o governo está decidido a recuperar a Eletronet e mantê-la na condição de estatal, pensando em usar intensamente sua rede de 16 mil quilômetros de cabos de fibra óptica instalada sobre as torres de transmissão de energia de alta tensão da Eletrobrás. O Ministério da Comunicação Social está de olho nessa rede para ampliar a cobertura da TV Brasil.

Mesmo enterrada em dívidas, a Eletronet não paralisou suas atividades. A Eletrobrás afastou a sócia AES e assumiu as operações, passando a prestar serviços a 20 clientes. Mas não assumiu as dívidas da empresa, que já devem ter ultrapassado R$ 550 milhões.

Segundo estudo elaborado por J. P. Martinez, consultor e analista de telecomunicações, "estatais como a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, apoiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), vêm bancando a operação dos serviços e podem negociar a aquisição da empresa".

APOIAR A IBIQUITY?

O terceiro e mais surpreendente projeto em gestação no governo visa à introdução do rádio digital no Brasil. Foi anunciado há duas semanas pelo próprio ministro Hélio Costa. O padrão de rádio digital Iboc (conhecido também pelo nome comercial de HD Radio), criado pela empresa americana Ibiquity, ainda não está plenamente amadurecido do ponto de vista tecnológico para ser adotado pelas emissoras brasileiras.

Como saída para essa dificuldade, o ministro Hélio Costa sugere que o governo brasileiro faça uma parceria estratégica com a Ibiquity, para ajudá-la a concluir o desenvolvimento da tecnologia. E faz uma proposta realmente criativa, leitor: o governo ajudaria uma empresa brasileira, privada ou estatal, a associar-se à Ibiquity, com recursos do BNDES.

Todo esse apoio na expectativa de que a empresa americana conclua o desenvolvimento do padrão digital Iboc e, em contrapartida, se instale no Brasil, para fabricar e exportar equipamentos digitais para a América Latina. Para alguns analistas, a Ibiquity precisa de, no mínimo, US$ 100 milhões.

Se concretizado, o generoso projeto de Hélio Costa pode ser providencial para a empresa americana, mas traz sérios riscos ao Brasil.

Vale lembrar que o padrão de rádio digital Iboc tem quatro problemas não resolvidos: 1) atraso (delay) de oito segundos entre o sinal analógico e o digital, com a repetição ou a eliminação de palavras essenciais ao entendimento de notícias ou à audição de música; 2) ruídos e interferências em canais vizinhos, tanto em AM como em FM, especialmente à noite; 3) diferença de alcance das transmissões analógicas e digitais, com problemas de instabilidade nos pontos de limite das transmissões digitais; 4) excessivo consumo de energia, que impossibilita a produção de receptores portáteis, por esgotamento das baterias em poucas horas.