quinta-feira, novembro 22, 2007

O rearmamento do Brasil

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editorial
O Estado de S. Paulo
22/11/2007

Nas últimas semanas, os comandantes das Forças Armadas se revezaram nas Comissões de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado, fazendo aos parlamentares pormenorizadas descrições do estado de sucateamento a que chegaram a Marinha, o Exército e a Força Aérea. O inventário das três Forças, feito de maneira objetiva, revela um país incapaz de enfrentar qualquer tipo de contingência militar e, menos ainda, de dissuadir qualquer outro país que resolva prejudicar os interesses vitais do Brasil. Ou seja, a segurança nacional, hoje, repousa não nos meios que o Brasil tem para se defender, mas na disposição pacífica dos países com os quais nos relacionamos. Essa, evidentemente, é uma situação que não pode perdurar, até porque o equilíbrio regional está mudando rapidamente, a partir da instalação de regimes “bolivarianos” em três países vizinhos.

As advertências feitas pelos comandantes militares têm sido, felizmente, perfilhadas pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, que se dispôs a patrocinar uma profunda revisão da Política de Defesa e a reivindicar a seus colegas no governo substanciais aumentos das verbas destinadas a investimentos na área militar.

Na semana passada, falando na abertura da 4ª Conferência do Forte de Copacabana, à qual esteve presente também o ministro da Defesa de Portugal, o ministro Jobim expôs os motivos que a seu ver justificam o reaparelhamento das Forças Armadas. “Quem não tem Forças Armadas equipadas não tem condição de ser protagonista na produção da estabilidade e da paz mundial. Não se constrói a paz exclusivamente fazendo discursos retóricos acadêmicos ou sentando na rua. Isso é importante para a manifestação política, mas não assegura a efetiva construção de uma paz internacional” - afirmou. Ou, como diziam os antigos, si vis pacem para bellum.

Mas, se existe uma retórica acadêmica que não leva a nada, também existe uma retórica política igualmente paralisante. No mesmo discurso, o ministro da Defesa emitiu três conceitos - ou intenções - que, se levados ao pé da letra, repetirão os impasses político-administrativos que desde o primeiro governo Fernando Henrique tolhem o reaparelhamento das Forças Armadas.

Afirmou o ministro Nelson Jobim que dará prioridade ao projeto do submarino nuclear porque seria essa a arma que protegeria as plataformas marítimas de produção de petróleo de ações terroristas. Ora, submarinos nucleares, para um país como o Brasil, que tem extenso litoral, são armas de dissuasão que fazem a primeira linha de defesa em conflitos interestatais. Se é para proteger as instalações petrolíferas de terroristas, o Brasil precisa de embarcações de superfície, leves e velozes.

Ele também afirmou que, entre comprar equipamento militar mais caro, produzido no Brasil, e o mesmo equipamento mais barato, no exterior, privilegiará a indústria nacional. Esse tipo de reserva de mercado, no entanto, não é condição para a recuperação da indústria bélica nacional - objetivo óbvio da declaração do ministro. Premia a ineficiência e, a longo prazo, estimula a estagnação do parque industrial.

Por fim, o ministro da Defesa afirmou que o Brasil somente comprará material militar no exterior se houver transferência de tecnologia. Ora, nenhum produtor de sistemas de armas tecnologicamente avançados faz esse tipo de transferência. Quando muito, dependendo do volume da encomenda, concede licenças de fabricação para o comprador. Não se pode esperar que a compra de 24 aviões de caça seja acompanhada de um brinde como a revelação da tecnologia cujo desenvolvimento custou bilhões de dólares ao fabricante. Sempre que se fez tal exigência, ou não houve a transação ou o fabricante forneceu apenas plantas gerais da arma, o que é menos informação tecnológica do que trazem os manuais de manutenção e emprego.

O ministro Nelson Jobim repete alguns conceitos enraizados em certos setores militares, bem intencionados, sem dúvida, mas que se distanciaram das modernas necessidades do Brasil. As Forças Armadas precisam ser reequipadas o quanto antes. Mas isso tem de ser feito dentro das necessidades de defesa e das possibilidades financeiras do País - e não segundo a envelhecida doutrina do Brasil Potência.