quinta-feira, novembro 22, 2007

Receita mostra que CPMF é luxo


editorial
O Estado de S. Paulo
22/11/2007

O governo federal só precisa da CPMF, o imposto do cheque, porque seus gastos continuam crescendo muito mais rapidamente do que a produção de bens e serviços. Para sustentar a gastança, também a arrecadação tributária tem de tomar fatias cada vez maiores do Produto Interno Bruto (PIB), como vem ocorrendo, mais uma vez, neste ano. De janeiro a outubro, o governo central arrecadou - sem contar a receita previdenciária e já descontado o dinheiro restituído aos contribuintes - R$ 338,72 bilhões em valores correntes, R$ 35,7 bilhões a mais que o total projetado no início do ano. No mesmo período, a receita da CPMF chegou a R$ 29,6 bilhões, também medida em preços correntes.

Descontada a inflação, a receita de impostos e contribuições, incluída a arrecadação previdenciária, foi 10,4% maior que a de um ano antes. Esse crescimento deve ter sido pelo menos o dobro da expansão do PIB entre os dois períodos. Apesar disso, insistem os funcionários e ministros da área econômica, não houve aumento da carga tributária. A arrecadação maior, garantem, reflete apenas o crescimento econômico e a melhora da administração tributária. Haja melhora para explicar todo esse aumento.

Com todos os valores ajustados para os preços de outubro, o governo arrecadou em 10 meses R$ 491,1 bilhões, 10,2% mais que nos meses correspondentes do ano anterior. Subtraindo-se toda a CPMF coletada neste ano, sobram R$ 461,06 bilhões. Esse valor ainda é R$ 15,28 bilhões maior que a arrecadação de janeiro a outubro de 2006 (R$ 445,78 bilhões), incluída a CPMF. Em outras palavras: se nenhum centavo dessa contribuição tivesse ido para os cofres da União, a receita ainda teria crescido 3,4% em termos reais e a carga tributária teria diminuído apenas ligeiramente, mantendo-se ainda muito elevada para o nível de desenvolvimento do Brasil.

O efeito poderia ser um crescimento econômico maior, com reflexo benéfico na própria arrecadação tributária neste e nos próximos anos. Mas o governo assegura não poder dispensar a receita daquela contribuição e só aceitou uma redução paulatina da alíquota, nos próximos anos, para conseguir o apoio do PMDB à renovação do tributo.

Com a redução, a alíquota chegará a 0,30% em 2011. Suponha-se que essa fosse a alíquota neste ano. A arrecadação da CPMF, em valores de outubro, teria ficado em R$ 23,71 bilhões em 10 meses. A arrecadação total do governo teria sido de R$ 484,77 bilhões. Teria havido, nesse caso, um crescimento real de 8,7% em um ano, e a carga tributária ainda estaria aumentando. Mas o governo, segundo o presidente da República e os ministros econômicos, não poderia contentar-se com isso. Não teria, de acordo com eles, como manter os investimentos e os gastos sociais.

O argumento é obviamente falso e não convence nenhuma pessoa razoavelmente informada. O governo federal não consegue controlar sua fome de impostos principalmente por ser incapaz de conter a expansão dos gastos de custeio.

Boa parte do aumento desses gastos, neste ano, decorreu de generosidades eleitorais. O presidente Lula continuou, no ano passado, a conceder aumentos salariais ao funcionalismo e a inflar a folha de pagamento. Além disso, o governo federal continuou contratando servidores - e não só para substituir pessoal terceirizado, como já foi provado com dados oficiais. O salário mínimo também continuou crescendo mais que a inflação e engordando as despesas previdenciárias.

O que atrapalha os investimentos federais não é a escassez de recursos, mas a falta de competência gerencial para formular e executar projetos. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, admitiu ontem que foram aplicados até agora somente R$ 5 bilhões em projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Esse valor é um terço do planejado para este ano. Além do mais, boa parte dos investimentos em infra-estrutura teria de ser feita com recursos do setor privado, por meio de parcerias ou de concessões, mas o governo tem sido muito lento na definição dos critérios e na execução de leilões. A desculpa oficial é a necessidade de muito cuidado nesses processos.

Com mais competência administrativa, o governo poderia fazer muito mais com o mesmo dinheiro ou até com menos. Mas boa gestão, para o presidente, é sinônimo de gastança e de aumento da folha.