sábado, novembro 24, 2007

A força moral de um rei

João Mellão Neto


O que Hugo Chávez, o ditador da Venezuela, mais adora é participar de controvérsias em eventos internacionais. Isso lhe traz publicidade e, quase sempre, lhe permite roubar o espetáculo. Pois não foi assim que as coisas ocorreram duas semanas atrás, no encontro de cúpula ibero-americano? Quem lhe ordenou que se calasse foi Juan Carlos de Borbón y Borbón. Chávez não só silenciou como, o que é raro, ficou desconcertado. Explica-se: o que o intimidou, na verdade, foi o fato de ter sido repreendido por ninguém menos que Sua Majestade o rei de Espanha e este possui uma autoridade moral que ninguém ousa desafiar.

Não é a primeira vez que Juan Carlos se vale desse seu poder para resolver situações críticas. E tudo isso só serve para provar que o generalíssimo Francisco Franco, que governou ditatorialmente a Espanha durante 40 anos, agiu com sabedoria ao decidir que seu sucessor deveria ter sangue azul e a monarquia seria restaurada. O que ocorre é o seguinte: existem pelo menos dois movimentos separatistas em território espanhol, o dos catalães e o dos bascos, e o segundo, não raro, recorre às armas em defesa de sua causa. A Catalunha - onde está Barcelona - não chega a esses extremos, mas não abre mão de usar seu próprio idioma e se valer de sua milenar cultura, além de gozar de uma autonomia política e econômica que nenhuma outra nação concede a uma província. A nação espanhola só se mantém coesa porque existe a forte figura de um monarca para representá-la. Franco, mais do que ninguém, sabia disso e, portanto, anos antes de falecer, saiu em busca de um rei com legitimidade suficiente para ocupar o seu lugar. Haveria de ser um Borbón - a dinastia que desde o ano de 1700 governou a Espanha. Mas não servia um Borbón qualquer. O ungido teria de ser alguém cujo passado fosse exemplar e que tivesse uma inteligência e uma força moral que o distinguissem dos demais. Para tanto Franco fez todos os que estivessem à frente de Juan Carlos na linha sucessória abdicarem de suas pretensões reais, até que seu escolhido se transformasse no herdeiro primeiro da coroa. O processo de depuração da família real durou até 1969, quando, enfim, Franco pôde anunciar o atual rei como seu sucessor. Ainda assim, Juan Carlos só pôde ser coroado em 1975, após a morte do ditador.

A escolha de um monarca para suceder ao franquismo não poderia ter sido mais acertada. Foi a figura do rei, e mais ninguém, que garantiu a passagem da Espanha para a democracia. Ele enfrentou tentativas de golpes de Estado, movimentos separatistas e atentados os mais diversos, com extrema serenidade. Afinal, ostentava uma coroa que pertencia à sua família havia quase três séculos. Sua legitimidade, potencializada por suas atitudes, sempre comedidas, lhe garantiram a pacificação da nação e a imensa prosperidade que se seguiu a ela. O povo espanhol, por índole e convicção, adora a monarquia e Juan Carlos, mais que ninguém, se presta perfeitamente ao seu papel.

Não sou monarquista e jamais ousei defender a restauração do regime monárquico no Brasil. Entre outros motivos, porque não vejo na família real dos Orleans e Bragança nenhuma pessoa que pudesse exercer uma ascendência moral inconteste sobre o povo brasileiro. Se essa pessoa existisse, eu bem que poderia mudar de opinião. Um rei é bem mais do que um simples monarca. Ele personifica todos os valores e instituições da nação. E sua autoridade, assim, é incontrastável. Muitos dos problemas políticos - e até mesmo econômicos - seriam facilmente resolvidos se por aqui existisse alguém com tal força moral.

Fala-se que a monarquia é um regime anacrônico, obsoleto. Se for assim, gostaria que alguém me explicasse por que grande parte das nações desenvolvidas do mundo até hoje conserva seus monarcas. Não é, certamente, porque seus povos ainda acreditem no poder supostamente de origem divina da realeza. O mais provável é que a razão seja de ordem pragmática. É preciso, para o bem das instituições democráticas, que, pairando sobre tudo, exista a figura impoluta de um rei, a cuja autoridade moral sempre se pode recorrer em momentos críticos. Além disso, todos os reis são cercados de alguma pompa, fausto e cerimônia. Nada melhor do que isso para representar, de forma condizente, os valores e a força de uma nação. Isso vale para encher os olhos dos estrangeiros, como também para catalisar o patriotismo, as crenças e os valores dos nacionais.

Ser rei, num país moderno, democrático, não é uma profissão fácil. É preciso que o monarca, bem como os demais membros de sua família, estejam sempre dispostos a participar de um sem-número de cerimônias, no país e no exterior. Todos, também, hão de trajar-se e saber comportar-se de forma nobre e austera. Tudo isso sem jamais perder a simpatia. Trata-se, sem dúvida, de um ofício difícil e extenuante, do qual a família real não pode jamais se eximir. Muitos monarcas, nos tempos modernos, firmam contratos com o Estado, nos quais se estabelecem desde as regras de comportamento até mesmo o número anual mínimo de eventos a que os membros da família real devem obrigatoriamente comparecer. O luxo em que vivem os monarcas não só é necessário, para a solidez das instituições, como também cobra um alto preço, em obrigações e compromissos, da família real.

Se um rei - como é o caso de Juan Carlos - é capaz de repreender e colocar em modos ditadores estrangeiros irreverentes, malcriados e amantes de controvérsias, como Chávez, imagina-se o poder moral que pode exercer junto aos seus próprios súditos.

Viva o rei! Na falta de um nosso, que viva o rei de Espanha, Sua Majestade Juan Carlos Alfonso Víctor María de Borbón y Borbón. Que falta faz alguém com sua estatura em nossa tão maltratada Nação...