sábado, novembro 24, 2007

Contra todo continuísmo

O PSDB abriu ontem em Brasília o seu 3º congresso e a sua 9ª convenção nacional fustigado por críticas à aparente incapacidade da legenda de construir uma plataforma política que possa ser percebida como uma alternativa ao lulismo pela maioria do eleitorado que a deserdou nas duas últimas eleições presidenciais. Paradoxalmente, a dificuldade que os tucanos encontram para apresentar um programa para reconquistar a Presidência da República é o preço que pagam pelo sucesso que tiveram no governo da União. De fato, foi por manter as diretrizes econômicas fundamentais do segundo mandato do presidente Fernando Henrique e expandir a patamares sem precedentes os programas de transferência de renda inaugurados naqueles anos que Lula - além do mais brindado com o longo período de crescimento ininterrupto da economia globalizada que coincidiu com o seu período de governo - desfruta até agora da mesma aprovação popular que lhe proporcionou a consagradora reeleição do ano passado.

É claro que o petismo no poder vem produzindo um amplo rol de práticas execráveis. Nunca antes, na história deste país, a corrupção na vida pública ocupou tanto espaço, com tanta constância, na mídia, quanto no governo do partido que fez da luta contra ela a sua principal bandeira. Além disso, nunca antes do governo petista se escorchou tanto a sociedade com impostos cuja principal serventia é sustentar a gastança dessa administração ocupada pelo apparat sindicalista que o primeiro entre os seus pares levou consigo ao Planalto. Mas também é claro que os tucanos não souberam tirar vantagem dessas fraquezas do adversário político nem tampouco lograram livrar-se da camisa-de-força em que se viram aprisionados na campanha presidencial de 2006 - pelo receio de assumir, como troféu, as políticas da era FHC, tratando-as, afinal, como um fardo de que era preciso se desfazer. Tanto que o PSDB ensaia falar hoje em "mais Estado e mais mercado" - algo difícil de vender ao eleitor que, ao ouvir o "slogan" esdrúxulo, pode pensar no muro no qual os tucanos são acusados de subir.

Ao mesmo tempo, porém, as circunstâncias deram à sigla uma oportunidade de afirmação vigorosa perante a opinião pública, que os seus dirigentes já se mostraram determinados a não desperdiçar. Trata-se da decisão de pegar à unha a ameaça do terceiro mandato para Lula - que, diga ele o que queira, é real e presente. Não se trata de procurar dissuadir o presidente dessa aventura, da qual se diz dissuadido, mas de barrar quaisquer tentativas de induzi-lo a tal, a partir de componentes da realidade política objetiva, como a sua popularidade ou a nova riqueza petrolífera do País. O PSDB há de ter se dado conta de que é necessário ir além da denúncia das manobras de inspiração chavista para subverter a legislação de modo a propiciar a Lula uma terceira eleição consecutiva.

O partido só tem a crescer se liderar um movimento para manter intocáveis as regras sob as quais deve transcorrer o pleito de 2010, para que não se nivele a democracia brasileira à que Chávez construiu na Venezuela. Isso inclui o repúdio taxativo a algo talvez até mais nefasto do que a modalidade de continuísmo que passa pela conquista do voto popular. Trata-se do golpe que seria manipular a Constituição a fim de instaurar desde logo o mandato único de cinco anos que Lula e muitos outros defendem para o presidente da República e os governadores. Os seus mandatos seriam prorrogados e as eleições transferidas para 2011. Hugo Chávez usou expediente parecido para esticar, pela primeira vez, a sua permanência no poder. Seja qual for o juízo que se faça do instituto da reeleição - e o nosso é o de que ela é preferível à alternativa aventada -, não pode haver nenhuma ambigüidade sobre o imperativo de serem estritamente obedecidas em 2010 as normas hoje em vigor.

A ênfase nesse ponto talvez não se impusesse se não tivesse surgido a suspeita de que setores do PSDB estariam tentados à jogada prorrogacionista. Foi o que levantou a colunista Dora Kramer, deste jornal, mencionando tratativas do prefeito petista de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, junto aos governadores tucanos Aécio Neves e José Serra. Pouco importa que cálculo possa ter estado por trás do eventual namoro do PSDB com a armação. Nada o justificaria.