sexta-feira, outubro 26, 2007

Villas-Bôas Corrêa : O tempo e a agulha perdida




Jornal do Brasil
26/10/2007

Uma velha cantiga, dos tempos em que as crianças tinham espaço para brincar nos quintais e nas calçadas, fecha com o sábio conselho na sentença perfeita "a agulha que se perde não se acha mais". Não apenas a agulha, mas o tempo e tantas outras coisas no perde-e-ganha da vida.

Ainda agora, a aflição com que o presidente Lula e a turma de fé do inchado ministério-cabide de empregos cercam, bajulam e prometem mundos e fundos - mais fundos do que mundos - aos senadores da oposição para alcançar o quorum de 49 votos, que completem os 43 garantidos para aprovar a prorrogação do imposto do cheque, justo apelido da escorchante Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, que encaixa como os dedos na luva da desesperada corrida para recuperar o tempo perdido dos quatro anos e 10 meses dos dois mandatos.

O quatriênio inaugural foi dissipado na montagem do busto do maior presidente de todos os tempos, na maratona dos improvisos de autolouvação e na montagem da base política para garantir a reeleição regada com os programas sociais puxados pelo carro-chefe do Bolsa Família, distribuída a mais de 11 milhões para matar a fome crônica dos esquecidos nos bolsões da miséria.

Montada a plataforma para o salto acrobático do bis, o presidente e o governo perderam-se nos labirintos da burocracia e na generosa distribuição de diretorias, cargos em comissão e mimos para os petistas que invadiram todos os espaços vazios na administração e ocupam 36,6% das DAS-6, deixando a esmola de 7,6% para engambelar os aliados.

O governo dos trabalhadores virou o fio e entendeu-se com os ricos, milionários, empreiteiros e empresários para a briga contra a inflação, fortalecer o real, saldar a dívida com o FMI e fazer caixa de bilhões de dólares. E esqueceu o país nas potocas do faz-de-conta. Despertou estremunhado do pesadelo, entre a série de escândalos e as calamidades que martirizam a população.

No monturo da aflição brotou o badalado Plano de Aceleração do Crescimento - o PAC dos milagres - que atolou no Congresso, mas sobrevive na bravata presidencial de transformar o país (e é para já) num canteiro de obras. Detalha: "Nós vamos começar a anunciar as obras de infra-estrutura em estradas, ferrovias, gasodutos, portos, aeroportos e liberar o dinheiro para que as obras comecem a acontecer".

O presidente acordou tarde. E se ainda tem dois anos e dois meses para disparar atrás do tempo perdido, parte dele não acha mais. Em quatro anos e 10 meses, além dos prejuízos em cargas deterioradas, veículos avariados, vidas perdidas, tempo desperdiçado, o que estava ruim agora beira a ruína. Só nos 12% das estradas pavimentadas, a conta passa dos R$ 20 bilhões por ano. A rede ferroviária é quase uma ficção. Portos sem conservação operam no limite, com navios fundeados durante dias e semanas à espera da vaga.

Como denunciam os escritores Arthur Ituassu e Rodrigo de Almeida, na introdução do recém-lançado O Brasil tem jeito?, "a população brasileira não dispõe de qualquer bem público de modo instituído e universal, seja educação básica de qualidade, um sistema decente de saúde e saneamento, um modelo de justiça eficiente, igualitário e de fácil acesso ou garantias mínimas de segurança na vida em sociedade".

E estamos entre os campeões mundiais do desperdício, com o governo dando o saudável exemplo da gastança. No Palácio do Planalto, a obesidade burocrática alcança nível vexaminoso. Lula multiplicou gabinetes para acomodar assessores de coisa nenhuma. Dos 84 do evidente exagero dos tempos do ex-presidente Fernando Henrique, hoje são 149, uma pirueta de 119% de aumento.

Dinheiro haja para pagar um dos Congressos mais caros do mundo, um Judiciário viciado no reajuste de vencimentos e mais as centenas de assessores do ministro-secretário Mangabeira Unger, o mago planejador do futuro.