sábado, julho 28, 2007

Consultoria internacional para o setor aéreo

É hora de buscar
uma consultoria

Órgãos e empresas internacionais especializados
em resolver crises aéreas podem ser a solução
para desatar os nós da aviação no Brasil


Rosana Zakabi

José Luis da Conceição/AE
ENTREGUE ÀS MOSCAS
Aeroporto de Congonhas, no dia 25: 71% dos vôos foram cancelados, deixando o saguão quase sem passageiros


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Nesta reportagem
Quadro: Quando a ajuda vem de fora

Pouco depois do desastre com o Airbus da TAM, filas intermináveis voltaram a se formar nos balcões de Congonhas, em São Paulo. Mais da metade dos vôos diários que partiriam de seu terminal foi cancelada. Na terça-feira, o governo determinou a suspensão total da venda de bilhetes no aeroporto, para que os passageiros que esperavam por vôos – alguns dormindo havia noites nos bancos do saguão – conseguissem embarcar. A medida deixou Congonhas vazio e superlotou o aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. No dia seguinte, foi suspensa a venda de bilhetes também em Cumbica. Em conseqüência, mais uma vez o tumulto generalizado tomou conta dos aeroportos brasileiros. Não dá mais para pedir paciência aos cidadãos e tentar consertar tudo na base da gambiarra. É preciso muito mais do que medidas paliativas para debelar o caos que se instalou na aviação do Brasil. Suas causas estão de tal forma entranhadas em todas as instâncias envolvidas no tráfego aéreo que só com uma reforma profunda de todo o sistema se chegará a uma solução. Na segunda-feira passada, a Federação Internacional das Associações de Controladores de Tráfego Aéreo (Ifatca) sugeriu que o primeiro passo para resolver a crise aérea brasileira é a contratação de uma consultoria internacional especializada. O presidente da Infraero, José Carlos Pereira, estrilou com a proposta. "São uns imbecis querendo se meter. A crise é nossa e os mortos no acidente da TAM são nossos. Não precisamos de ajuda nenhuma", disparou.

O nacionalismo, aqui, é o último refúgio dos tolos e dos irresponsáveis. Hoje, é comum que os governos contratem consultorias externas para resolver seus problemas no setor de aviação. Esse tipo de serviço é fornecido por órgãos internacionais, como a FAA, a agência reguladora da aviação civil dos Estados Unidos, ou a Organização de Aviação Civil Internacional (Oaci), sediada no Canadá. Também há empresas especializadas no desenvolvimento de tecnologia para radares e de programas específicos de computador para o controle aéreo. Há firmas voltadas até mesmo para o treinamento de controladores. São muitas as vantagens de contratar consultores de fora, para além do know-how de que dispõem. Uma delas é a imparcialidade. Técnicos estrangeiros, sem ligação alguma com o governo local (ou com companhias nativas), não têm por que esconder ou amenizar as falhas que detectam. A Suíça recorreu a uma consultoria holandesa em 2002, em meio a uma crise decorrente de uma série de acidentes – entre eles, um choque de dois aviões em pleno ar, por culpa do controle de vôo – que resultaram em mais de 300 mortes. No mesmo ano, Taiwan contratou uma empresa neozelandesa para reduzir a quantidade de acidentes aéreos nas proximidades do aeroporto da capital, Taipé.

A Ifatca acompanha de perto as deficiências estruturais do controle aéreo brasileiro desde a tragédia com o Boeing da Gol, abalroado por um jato Legacy, em setembro do ano passado. Logo depois do acidente, a entidade enviou representantes ao Brasil para levantar os problemas junto aos controladores brasileiros, na tentativa de prestar ajuda com sua experiência em tráfego aéreo internacional. Um dos principais problemas detectados pela Ifatca foi o fato de setores estratégicos da aviação estarem todos ligados ao sistema militar. "Se a autoridade que investiga os acidentes é a mesma que administra o controle aéreo, é grande o risco de não haver transparência", disse a VEJA o suíço Marc Baumgartner, presidente da Ifatca. Isso também vale para a compra de equipamentos, como radares e consoles. "Quando a autoridade responsável pela compra é a mesma que responde pela fiscalização e pela manutenção, quem garante que a aparelhagem adquirida realmente é eficiente, ou que os equipamentos passam por manutenção adequada?", questiona Baumgartner. Em muitos países, inclusive nos Estados Unidos, o governo divide a administração do setor aéreo com a iniciativa privada. Esse sistema ajuda a tornar tudo transparente. Fica difícil ocorrer escândalos como o das recentes obras no Aeroporto de Congonhas, nas quais houve superfaturamento de até 252%. Por cada finger (passarela coberta de embarque e desembarque de passageiros) instalado em Congonhas, cujo preço de mercado era 630.000 reais, pagaram-se 2,2 milhões de reais. Com metade dessa soma, seria possível contratar uma consultoria internacional para encontrar soluções para a crise aérea brasileira.

Durante o processo de consultoria, a empresa contratada envia auditores ao país para entrevistar controladores de vôo, funcionários do setor de manutenção, responsáveis pela compra de equipamentos, pela administração dos aeroportos e também diretores das companhias aéreas. Eles também vistoriam tudo. A partir dos dados coletados, fazem um relatório apontando os pontos fortes, as deficiências e as possíveis soluções para cada caso. O governo, então, nomeia um representante isento – um especialista em tráfego aéreo ligado a alguma universidade, ou um consultor de aviação de uma empresa privada, por exemplo – para implantar as sugestões e coordenar as equipes. Mesmo após concluírem o relatório, os auditores continuam acompanhando os trabalhos no país com inspeções de rotina, para checar se os procedimentos estão sendo aplicados de maneira correta. Quando um governo resolve uma crise no setor aéreo com o auxílio de uma entidade internacional, demonstra que se preocupa com o bem-estar da população e com a infra-estrutura do país. Isso está longe de ser um sinal de fraqueza, como quer o presidente da Infraero em seus arroubos xenófobos.

Com reportagem de Duda Teixeira

Apagão na Amazônia

Marcio James/A Crítica
TRÊS HORAS FORA DO AR
Aeroporto de Manaus no sábado 21: pane no Cindacta 4 deixou 60% do território brasileiro sem controle aéreo e obrigou vôos internacionais a retornar aos aeroportos de origem

Na madrugada de sábado 21 de julho, o controle aéreo de 60% do território nacional ficou às escuras por três horas. Pouco antes da meia-noite, um curto-circuito desligou um dos geradores de energia do Cindacta 4, o braço de controle de vôos do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). O sistema é garantido por dois geradores. Mas o outro, que deveria garantir o fornecimento de energia, está quebrado há seis meses. Recorreu-se então a uma bateria de emergência, cuja carga era de apenas uma hora. Passado esse tempo, como o gerador ainda não tinha sido consertado, os painéis de controle de vôo se apagaram. Os dezessete aviões que estavam nos céus da Amazônia passaram a voar às cegas. Como a pane elétrica também desligou o sistema de rádio usado na comunicação com os pilotos, o Cindacta 4 ficou cego, surdo e mudo. O Brasil, nesse momento, emitiu um alerta internacional avisando que o espaço aéreo da Amazônia estava fechado. Quatro aviões foram obrigados a efetuar pousos não programados em Manaus. Outros cinco tiveram de regressar a Guarulhos, de onde haviam decolado. Mais quatro voltaram ao ponto de partida, nos Estados Unidos.

Depois de dez meses de tormento doméstico, o caos aéreo brasileiro havia conseguido perturbar também o tráfego internacional. A primeira reação do chefe da comunicação da Aeronáutica, Carlos Bermudez, foi sugerir que ocorrera sabotagem. Dezoito horas depois, a Aeronáutica admitiu que o problema fora causado por um técnico, durante um trabalho corriqueiro de manutenção. O comandante do Cindacta 4, Eduardo Carcavallo, atribuiu a culpa à Lei de Murphy, aquela segundo a qual "se algo pode dar errado, dará". Na verdade, era um incidente anunciado. Há duas semanas, VEJA revelou, com base em documentos oficiais e gravações, que o Cindacta 4, que incorporou o Sivam, não é seguro nem para a aviação comercial nem para fins militares. Seus radares sofrem panes freqüentes e, quando funcionam, é comum informarem erroneamente a posição e a velocidade dos aviões. Furibundo, Carlos Bermudez condenou a reportagem. "Em nada contribuiu para o aperfeiçoamento do sistema", disse ele. É mais confortável acreditar na Lei de Murphy.

Leonardo Coutinho





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