sábado, julho 28, 2007

A papelada fajuta de Renan Calheiros

Contagem regressiva

Técnicos comprovam que Renan fez negócios
agropecuários com empresas que não existem


Alexandre Oltramari

Ed Ferreira/AE
Renan Calheiros: enrolado com bois e lobista

O senador Renan Calheiros apostava que o recesso parlamentar abrandaria a crise política em que ele está mergulhado há dois meses. Imaginava que, passando algumas semanas longe dos holofotes, ganharia forças para tentar sobreviver à suspeita de que teve contas pessoais pagas por um lobista de empreiteira. A estratégia não deu certo. Na semana passada, a Polícia Federal iniciou a perícia nos documentos que Renan entregou ao Conselho de Ética do Senado. São recibos, notas fiscais e guias de trânsito animal (GTAs) apresentados pelo senador com os quais ele tenta comprovar que não precisava se socorrer de recursos do lobista. Renan, um ex-vendedor de chinelo que tinha um carro velho quando entrou na política, garante que juntou uma pequena fortuna vendendo bois. Antes mesmo do início da perícia, o papelório já começou a produzir desdobramentos comprometedores para o senador. Técnicos do Conselho de Ética que analisaram o material comprovaram que duas empresas que teriam comprado gado de Renan simplesmente não existem. "Se técnicos do próprio Senado atestam que o presidente vendeu bois para empresas de fachada, a situação dele fica ainda mais complicada", afirma o senador Pedro Simon (PMDB-RS), colega de partido de Renan.

Celso Junior/AE

Anderson Schneider/WPN
O lobista Cláudio Gontijo e a jornalista Mônica Veloso: dinheiro em envelope da empreiteira

Poucas coisas podem ser mais dramáticas para um acusado do que o momento em que sua defesa, em vez de dissipar suspeitas, acaba por incriminá-lo. Pilhado em situação de flagrante promiscuidade, Renan confirmou que o lobista pagava suas despesas, mas garantiu que o dinheiro era seu, como se isso eliminasse o problema. O senador exibiu os comprovantes de venda de bois depois que VEJA revelou que a jornalista Mônica Veloso, mãe de uma filha do senador, recebeu das mãos do lobista Cláudio Gontijo, da empreiteira Mendes Júnior, uma pensão mensal de 12.000 reais entre 2004 e 2005. A quantia era entregue em dinheiro vivo dentro de envelopes timbrados da empreiteira. Com os documentos, o senador pretendia mostrar que tinha condições financeiras de arcar com os pagamentos da pensão. O problema é que algumas das empresas com as quais ele diz ter feito negócios nem sequer existiam. Uma reportagem da Rede Globo já havia revelado a fraude, que foi confirmada pelos técnicos do Senado. A pedido do Conselho de Ética, a Polícia Federal está realizando uma auditoria em toda a documentação apresentada pelo senador. Se o laudo da PF reafirmar que a defesa do senador utilizou recibos de empresas fajutas, como parece evidente, tudo leva a crer que Renan será ejetado da cadeira de presidente e poderá, inclusive, ter o mandato cassado.

Dida Sampaio/AE
Mistério: havia uma casa onde deveria existir um frigorífico

Já prevendo as conclusões – óbvias – da Polícia Federal, Renan Calheiros prepara uma nova versão para tentar convencer os colegas de Parlamento da origem de seus fantásticos rendimentos agropecuários. Segundo o senador, devem-se esquecer os tais recibos falsos e as tais empresas que não existem. Todos os negócios, jurará de pés juntos, foram realizados com um único frigorífico de Alagoas, chamado Mafrial. Agora, se o Mafrial usou empresas de fachada nessas transações, é um problema que não cabe a ele, Renan, responder. Conveniente. O que o presidente do Congresso não diz é que, entre toda a documentação que entregou ao Conselho de Ética, não há um único papel que ateste sua relação comercial com o tal frigorífico. Todas as supostas vendas de gado, de acordo com as notas fiscais exibidas pelo senador, foram feitas para açougues da periferia de Maceió. Procurada, a dona do frigorífico Mafrial, Zoraide Beltrão, não retornou as ligações de VEJA. Em declarações anteriores, a empresária negou ter feito negócios com o senador. O Mafrial, aliás, recebeu no ano passado a visita de dois agentes da Polícia Federal. Eles investigavam o deputado federal Augusto Farias, irmão do ex-tesoureiro PC Farias e na época sem mandato, em uma operação de suposta lavagem de dinheiro. A PF suspeita que Farias tenha usado o Mafrial para justificar a origem de dinheiro ilícito. Assim como Renan, Augusto Farias também experimentou momentos de bonança com negócios agropecuários em Alagoas.

Marco Antonio/Gazeta de Alagoas
Protesto contra a corrupção: MST invade fazenda dos Calheiros

Na semana passada, depois de dois meses sem visitar sua base eleitoral, Renan Calheiros finalmente apareceu em Alagoas, estado que o elegeu senador em 2002 com 800.000 votos, mais de 40% do total. Chegou a tempo de acompanhar de perto a movimentação de cerca de 400 famílias ligadas ao Movimento dos Sem Terra (MST) e a duas de suas dissidências mais raivosas, o Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) e o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL). Elas invadiram uma fazenda do deputado federal Olavo Calheiros, irmão de Renan, mataram quinze bois para fazer churrasco e tinham planos de invadir fazendas do próprio Renan, vizinhas à propriedade do irmão. Olavo, cujo patrimônio declarado saltou de 100.000 reais para 4 milhões nos últimos oito anos, é suspeito de corrupção e de grilagem de terras na região de Murici, berço do clã Calheiros. A invasão, justificada pelos líderes como um protesto contra a grilagem de terras e a corrupção, tirou Renan do sério. Em seis entrevistas a emissoras de televisão e rádio controladas por aliados, duas delas em programas policiais de Alagoas, Renan disse que só sai do cargo enforcado ou queimado. "Vão ter de sacrificar o presidente do Senado. Mas vão ter de assumir a responsabilidade, que é sujar as mãos de sangue", disse Renan. "Vou resistir até o fim." A contagem regressiva já começou.