RIO DE JANEIRO - No passado, alguém que matasse a mulher e o amante desta, e se matasse em seguida, deixaria, no máximo, um bilhete. Não há muito a dizer depois que se faz uma declaração tão explícita, geralmente a tiros. Com sorte, às vezes se achava um diário, com os detalhes picantes.
Cho Seung-hui, o sul-coreano de 23 anos que chacinou 32 pessoas nesta semana numa universidade americana e depois se matou, deixou textos, vídeos, fotos, gravações -um testamento multimídia. Só faltou produzir um videogame, estrelado por si próprio, ou ter filmado a chacina e o suicídio com microcâmeras acopladas às pistolas.
Entre o começo de sua ação e a sangueira final, Cho foi ao correio da escola e despachou o material para uma emissora de televisão. Queria ter certeza de que sua voz seria ouvida postumamente. Era uma forma radical de se compensar por tudo o que não disse enquanto vivo. Pessoas que o conheceram contaram ter convivido com ele durante anos e não se lembram do som de sua voz. Outra relatou que, quando se cruzavam pelos corredores, ela tentava um contato ocular, mas Cho fugia com os olhos. E sua família achava que ele, em criança, era surdo-mudo. Cho era silêncio, exílio e astúcia.
Acontece que a soma de tudo o que deixou para explicar seu tresloucadíssimo gesto não quer dizer muito. Por mais duras, as imprecações de frustração e rancor contra o mundo, expressas em suas palavras finais, não se comparam ao gesto em si. Cho planejou uma matança em regra, armou-se e executou-a. Em seguida, ao se matar, matou o mundo. E, com aquilo, disse tudo.
Em 1969, Julinho Bressane, cineasta udigrúdi carioca, fez um filme chamado "Matou a Família e Foi ao Cinema". Cho Seung-hui matou sua hipotética família e, sem necessidade, tentou fazer cinema.