terça-feira, fevereiro 27, 2007

Duplo prejuízo



EDITORIAL
O Globo
27/2/2007

É notória a inadequação da legislação trabalhista brasileira à realidade do mundo de hoje. O aumento constante da competição por causa da inexorável abertura ao exterior e da revolução tecnológica digital, capaz de facilitar a entrada de novos concorrentes nos mercados, tornou a busca incessante pela eficiência e redução de custos uma questão básica de sobrevivência para as empresas.

Foi assim que os elevados encargos impostos pela CLT aos empregadores fizeram o emprego formal entrar em baixa. A adoção de novos processos também acelerou o enxugamento da folha de pessoal em praticamente todos os setores de atividade, forçando profissionais a buscar alternativas de trabalho, diante da escassez de emprego. E esta é uma realidade que veio para ficar, aqui e no mundo.

Toda essa mudança estrutural está por trás da polêmica sobre a emenda nº 3, feita ao projeto de criação da Super-Receita, a unificação das máquinas arrecadadoras da Receita Federal e da Previdência (INSS). Apresentada no Senado e mantida na Câmara, a emenda é apenas a reafirmação de um dispositivo da Constituição (artigo 114), segundo o qual cabe apenas à Justiça do Trabalho decidir sobre a legalidade da prestação de serviço de pessoas físicas a empresas na condição de pessoas jurídicas. São os chamados "PJs", profissionais que, pela característica do setor em que atuam e em função da evolução do mercado de trabalho, atuam como microempresários e, nessa condição, recolhem menos imposto do que um assalariado típico. Em troca, assumem riscos e arcam com despesas (seguro saúde, fundo de pensão etc.) inexistentes para a maioria dos assalariados com carteira assinada.

A polêmica está em que os auditores da Receita Federal, com apoio do PT e da CUT, recusam-se a perder o poder - inconstitucional, como se sabe - de, sem ouvir a Justiça do Trabalho, lavrar multas e distribuir punições entre esses profissionais e empresas que se valem de PJs (artistas, escritores, dentistas, publicitários, consultores, jornalistas etc.). Por isso, pressionam Lula a vetar a emenda.

Há nessa frente a favor do atraso uma aliança selada entre o furor arrecadatório da Receita, a visão estreita de uma central sindical que defende apenas os assalariados do mercado formal, e com isso vira as costas para metade da força de trabalho do país - os informais -, e o paroquialismo petista, interessado em apoiar clientelas eleitorais.

Se a pressão surtir efeito, Lula terá ajudado a aumentar o desemprego, justo numa parcela importante da classe média, onde costuma ter dificuldades para transitar. Dará um tiro duplo em ambos os pés.