Nosso Pacman continuará comendo os recursos disponíveis e a esperança de acelerar o crescimento
SEGUNDO MEU filho (15 anos, já metido a crítico literário), o título deste artigo é óbvio, tendendo talvez para o apelativo, mas não pude evitar. Comparar o devorador de fantasmas do videogame ao setor público brasileiro, devorador de recursos, pode ser precisamente a metáfora necessária para entender os limites do recém-anunciado PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Curiosamente, a discussão que resultou no PAC teve início nas propostas que, com o objetivo de acelerar o crescimento, pretendiam reduzir o gasto corrente do governo. Naquele momento, cabeças pensantes no governo -que observavam a inexorável escalada do dispêndio público- já haviam percebido os mecanismos pelos quais a política fiscal comprometia a capacidade do país de crescer de forma sustentável a taxas mais elevadas que as observadas nos últimos anos.
Por um lado, a elevação constante do gasto "rouba" recursos do setor privado que poderiam ser usados para investimento e, portanto, crescimento mais vigoroso do produto.
Como mostrei em meu primeiro artigo neste espaço, entre 1994 e 2005 o gasto público primário cresceu cerca de 8% do PIB, traduzido em perda equivalente para o setor privado. Adicionalmente, para financiar o gasto extra, os impostos subiram 9,4% do PIB no mesmo período. Como fica óbvio pelo aumento do gasto, contrariamente à opinião estabelecida, apenas a menor porção dessa derrama foi destinada à elevação do superávit primário, aqui entendido como serviço da dívida.
Impostos mais altos, porém, também cobram sua fatura na forma de crescimento mais baixo, em particular caso sua elevação se concentre naqueles tributos que mais distorcem a alocação dos recursos e a remuneração dos investimentos. A política fiscal brasileira, portanto, conseguiu produzir uma rara combinação de fatores particularmente deletérios ao crescimento sustentado: por um lado, menor disponibilidade de recursos; pelo outro lado, uma redução no incentivo ao investimento. Notável ainda foi a capacidade de reduzir o investimento público ao mesmo tempo em que os gastos como um todo se expandiam vigorosamente, indicando a prevalência do gasto corrente no processo, o que agravou o problema do crescimento pelas deficiências de infra-estrutura.
Nesse contexto, nada parecia mais natural que um programa que controlasse a expansão do gasto corrente relativamente ao PIB. Os recursos poupados poderiam: a) aumentar o superávit primário e reduzir mais rapidamente a dívida pública; ou b) abrir espaço para redução da carga tributária; ou c) permitir um aumento do investimento público; ou ainda d) uma combinação das alternativas acima. Qualquer uma dessas opções implicaria uma melhora relativamente à situação corrente, tanto maior quanto mais ambicioso e bem estruturado fosse o programa de redução do gasto corrente vis-à-vis o PIB.
Não é de estranhar, portanto, as esperanças que brotaram quando, após as eleições, apareceram notícias acerca da disposição do governo em finalmente implantar um ajuste fiscal de longo prazo. No entanto, o triste fato é que o programa anunciado formalmente nesta semana pouco guarda do espírito original da proposta. O controle do gasto corrente foi adiado e em seu lugar encontramos uma nova rodada de aumento do gasto público, agora destinado a investimentos em infra-estrutura.
Ainda que muitos desses projetos pudessem ser conduzidos pelo setor privado, sem impacto fiscal (ou com impacto limitado caso a estrutura de PPP fosse utilizada), foi dada preferência ao setor público. Em vez de reforço do marco regulatório, que induzisse investimento privado, mais recursos públicos foram comprometidos, o que se traduz em redução adicional dos recursos disponíveis para o setor privado.
Assim, se o diagnóstico acerca do efeito negativo da política fiscal sobre crescimento for verdadeiro, o PAC não deverá ter efeitos significativos em termos de aceleração do crescimento. A disponibilidade de recursos para o setor privado não deve aumentar nem será reduzida a carga tributária, de modo que não se pode esperar uma resposta em termos da expansão do investimento privado adicional à que já vem se materializando nos últimos trimestres. Nosso Pacman continuará comendo os recursos disponíveis e, com eles, a esperança de acelerar o crescimento econômico.