sábado, setembro 30, 2006

E agora, coronel?

E agora, coronel?

Queda no preço do petróleo ameaça
deixar Chávez sem dinheiro para
manter sua revolução populista



Diogo Schelp


Fotos Leslie Mazoch/AP

h/AP


Propaganda eleitoral de Chávez e o presidente com capacete da PDVSA: estatal virou sucata

O presidente Hugo Chávez chegou ao poder, oito anos atrás, embalado pela insatisfação popular provocada por duas décadas de crise econômica e política. A instabilidade tivera origem na queda do preço do petróleo, que tirou do governo o principal recurso para comprar a calma social com subsídios. A Venezuela é o quinto maior exportador mundial de petróleo, mas a concentração da receita do produto nas mãos do Estado, distribuída por critérios políticos, privou o país da oportunidade de criar mecanismos de mercado e instituições para diversificar a economia. Apesar das promessas de uma revolução, Chávez deu seqüência ao histórico de desperdício colossal da receita petrolífera, sem investir em infra-estrutura ou na criação de empregos. O resultado é que agora ele se vê às voltas com um problema recorrente: o preço do barril de petróleo, que chegou a 78 dólares em julho, caiu para 56 na semana passada. Significa, num cálculo aproximado, uma queda de 11 bilhões de dólares numa receita anual de 40 bilhões.

Comparado com a década de 90, quando a média do barril andava em 20 dólares, o valor continua alto. Mas o governo apostava nos preços exorbitantes para sustentar uma política perdulária de gasto público e sua diplomacia de subsídios bilionários para ganhar influência no exterior. "Chávez estava agindo como se a receita com o petróleo fosse aumentar indefinidamente", disse a VEJA o economista José Toro Hardy, de Caracas. "Por isso, se o preço do barril se estabilizar em 50 dólares ou menos, a economia da Venezuela poderá enfrentar uma crise severa." A queda de faturamento é recente demais para afetar as eleições presidenciais marcadas para dezembro, e Chávez provavelmente será reeleito. Se o preço do petróleo voltar a subir, empurrado por nova crise no Oriente Médio, o coronel poderá se safar. Caso isso não ocorra, são pequenas as chances de ele reverter o desastre.

David Mercado/Reuters


Morales: ele depende de Chávez


Em parte, a dificuldade se deve a outro fator: o sucateamento da indústria petrolífera venezuelana, mascarado pelo alto preço do produto. Nos últimos oito anos, a receita petroleira da Venezuela quase triplicou, apesar de a produção ter diminuído. Atualmente, a Venezuela extrai 2,5 milhões de barris diários de petróleo, segundo a Agência Internacional de Energia. Chávez, que mantém em segredo o balanço da estatal PDVSA, garante que são 3,5 milhões de barris diários, desempenho próximo do alcançado em 1997. A razão para essa queda foi a transformação da PDVSA em um cabide de empregos que, em vez de investir na eficiência de sua atividade original, se encarrega de financiar os programas sociais do presidente. Um novo estudo do americano Norman Gall, diretor executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, de São Paulo, dá os detalhes de como isso ocorreu. "O orçamento atual da PDVSA prevê gastos de 8,2 bilhões de dólares com programas sociais, dois terços mais que seus investimentos em exploração e produção", escreveu Gall no ensaio Petróleo e Democracia na Venezuela, a ser publicado nesta semana no boletim do instituto.

Com o dinheiro da estatal, Chávez sustenta as misiones, projetos assistencialistas que vão desde cooperativas de trabalhadores sem-terra até supermercados com alimentos a preços subsidiados. Esses programas paliativos têm o efeito inverso ao anunciado na propaganda chavista: eles perpetuam a pobreza na Venezuela porque não criam condições para a população andar com as próprias pernas. Os venezuelanos têm dinheiro para gastar e manter a economia aquecida apenas porque o governo aumentou os gastos públicos (124% só em 2006) e distribuiu dinheiro. Apesar da liquidez elevada, os empresários, sejam venezuelanos, sejam estrangeiros, não estão investindo em seus negócios para aumentar a produção industrial e o comércio. A razão para isso é que poucos querem arriscar seu dinheiro em um país onde o presidente passa suas cinco horas de programa dominical na TV mandando às favas o capitalismo e a economia de mercado. Em outros países, essa situação levaria a uma inflação galopante. Na Venezuela, isso não acontece porque o governo usa o dinheiro da venda do petróleo para garantir o crescimento das importações, subsidiar os preços dos produtos básicos e controlar o câmbio.

Se o petróleo se mantiver barato, essa equação desandará. De quebra, colocará em risco a política externa de Chávez, baseada na distribuição de dinheiro e de favores a governos de outros países. No momento, o presidente venezuelano está em campanha para conquistar uma das vagas temporárias do Conselho de Segurança da ONU, a ser escolhidas neste mês. Para isso, tem o apoio do governo do Brasil e de algumas das piores ditaduras que existem, como o Irã, a Coréia do Norte e a Bielo-Rússia. A médio prazo, o objetivo de Chávez é se tornar o líder do bloco dos países subdesenvolvidos. Na empreitada, comprou 3,1 bilhões de dólares em títulos da dívida argentina, fez um fundo de 10 bilhões de dólares dedicado aos pobres do continente e financiou candidatos populistas em vários países da região, entre os quais Evo Morales, da Bolívia.

O investimento no aumento da capacidade da produção petrolífera poderia salvar a Venezuela da sangria dos recursos públicos. Chávez não se preparou para isso. Praticamente todas as suas decisões nesse setor foram equivocadas, como mostra o estudo de Norman Gall. A começar pela demissão de 20.000 funcionários da PDVSA, punidos por uma greve de dois meses entre 2002 e 2003. A estatal perdeu, assim, boa parte dos técnicos e engenheiros que lhe garantiam a eficiência. "Desde então, a PDVSA já teve seis executivos-chefes, enquanto Chávez lotava seus quadros superiores com indicados por razões políticas", escreve Gall. Resultado: os acidentes e incêndios nas refinarias multiplicaram-se e 21 000 poços da estatal foram fechados por falta de pessoal qualificado para fazer sua manutenção. O quadro agravou-se pela decisão de Chávez de enviar 200 funcionários da PDVSA à Bolívia. O país andino não tem técnicos suficientes para pôr em prática a nacionalização do gás natural e do petróleo, decretada em maio deste ano. A Bolívia mimetiza a situação venezuelana: sem funcionários capacitados nem novos investimentos na exploração, o país corre o risco de não conseguir fornecer ao Brasil e à Argentina a quantidade de gás natural estipulada em contrato. Recentemente, por problemas na sua produção petrolífera, a Venezuela teve de importar óleo para cumprir um contrato de venda para os Estados Unidos, seu principal comprador. Essa é a realidade incômoda para Chávez: a Venezuela tem um superávit comercial de 27,6 bilhões de dólares com o país cujo governo ele demoniza. Apenas pelo capricho de tentar vender menos aos Estados Unidos, Chávez quer exportar mais petróleo para a China, o que vai lhe custar quatro vezes mais em transporte. O comportamento do preço do petróleo deve ditar os próximos passos do venezuelano.

PETRODIPLOMACIA A PERIGO

Por falta de investimentos, a produção de petróleo da Venezuela caiu 27% desde 1997...

...mas, no mesmo período, o preço do barril quadruplicou...

...o que permitiu a Chávez gastar 25 bilhões de dólares*para aumentar sua influência no exterior...

...uma política difícil de ser sustentada com a queda de 30% no preço do petróleo

* Fonte: Centro de Investigaciones Económicas