Há alguns anos, os analistas internacionais se sucedem na tarefa de predizer estouro de alguma bolha ou dos megadéficits dos Estados Unidos. No entanto, esses estouros não acontecem. Vai ver, não acontecem porque algo está mudando o ambiente em que essas bolhas se mantêm em suspensão. Os mercados financeiros andam traumatizados pelo risco de um desastre imobiliário nos Estados Unidos, insistentemente profetizado por gurus da área econômica. Mas o desastre vai sendo sucessivamente adiado. Ontem, por exemplo, o mercado financeiro global foi surpreendido. Esperava que as estatísticas de agosto revelassem queda de 2,5% nas vendas dos imóveis novos nos Estados Unidos e eis que não mostraram queda; mostraram crescimento das vendas de nada menos que 4,1%. A última bolha a estourar e a provocar enormes prejuízos na economia mundial foi a das ações pontocom, quando o Índice Nasdaq despencou 78%, da altura dos 5.048 atingidos em março de 2000 para os 1.114 pontos, em outubro de 2002. Depois disso, as economias dos emergentes da Ásia se consolidaram e mudaram a maneira como os países ricos passaram a atacar a inflação. À medida que China, Índia, Coréia do Sul e mais um punhado de tigres asiáticos passaram a despachar os cargueiros recheados de mercadorias que chegam ao consumidor de país rico a uma fração do preço pago anteriormente, os bancos centrais tiveram menos trabalho para atacar a inflação porque as importações asiáticas se encarregaram de derrubar os preços. Derrubaram também os juros de longo prazo a partir do momento em que empregaram seus superávits comerciais (receitas com exportação superiores às despesas com importação) na compra de títulos de longo prazo dos países ricos. À medida que passaram a empilhar reservas, acirraram a demanda por títulos de longo prazo - os mesmos com os quais foram carregadas as reservas. Graças ao efeito China, mesmo com o salto dos preços do petróleo, a inflação mundial está no chão. Como os bancos centrais estão preparados para manobrar a política monetária (política de juros) apenas para atacar a inflação, nos últimos cinco anos os juros puderam permanecer relativamente baixos. Juro baixo não é baixo porque é baixo. Como é o preço do dinheiro, juro baixo nos mercados reflete abundância de recursos. Além disso, o momento pode não ser de esticada da inflação, mas de recuo. Os preços do petróleo também baixaram de meados de julho, quando estavam ao redor dos US$ 78 por barril, até agora, quando estão ao redor dos US$ 60. Isso significa que os bancos centrais já não precisam arrochar sua política monetária como antes para combater a inflação. O tão cantado arrocho da liquidez mundial pode não acontecer Ao contrário, podem manter os juros no mesmo nível ou, até mesmo, afrouxá-los. Nesse ponto fica evidente o surgimento de uma anomalia que os especialistas começaram a estudar. Em poucas palavras, consiste no seguinte: as exportações da China a baixos preços estão derrubando a inflação nos países ricos, os bancos centrais seguem bombando dinheiro para os mercados e essa dinheirama favorece o surgimento de bolhas, ou de consumo ou de aplicações no segmento da hora, que pode ser o de imóveis, commodities ou títulos de países emergentes. E essas bolhas podem provocar inflação. Nos dias 27 e 28 de maio, esta coluna chamava a atenção para o estudo do professor William R. White, economista-chefe do Bank of International Settlements (BIS), a instituição com sede na Basiléia (Suíça) que opera como banco central dos bancos centrais. A conclusão é a de que as tais bolhas são conseqüência da política de combate à inflação dos grandes bancos centrais que, ironicamente, têm potencial para produzir mais inflação (o trabalho de White, Is price stability enough?, pode ser obtido no seguinte endereço eletrônico: www.bis.org/ publ/work205.pdf). O que White não chega a reconhecer é que a farta liquidez também ajuda a evitar o estouro das bolhas. Mais do que como bolhas, elas se comportam como balões de gás que amanhecem murchos no dia seguinte, sem terem provocado enorme destruição de riqueza. Enfim, o tão cantado arrocho iminente da liquidez mundial pode não acontecer - o que significaria prolongamento dos bons tempos externos para a economia brasileira. |